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FÓRUM SOCIAL TEMÁTICO

- Publicada em 26 de Janeiro de 2014 às 00:00

David Miranda quer conseguir asilo a Snowden e sair da política logo


CAROLINA HICKMANN/ESPECIAL/JC
Jornal do Comércio
“Falaram que aqui no Sul faz frio, mas me enganaram”, disse ao chegar na  Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ) o coordenador do projeto que pressiona o País a conceder asilo ao ex-analista de sistemas da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) e ex-funcionário da CIA Edward Snowden, David Miranda. Estrategista de marketing e companheiro do jornalista americano Glenn Greenwald, Miranda falou com exclusividade ao Jornal do Comércio minutos antes de participar do debate “Soberania digital e vigilância na era da internet”, no Conexões Globais, sexta-feira passada. Foi a primeira vez que ele veio a Porto Alegre.

“Falaram que aqui no Sul faz frio, mas me enganaram”, disse ao chegar na  Casa de Cultura Mário Quintana (CCMQ) o coordenador do projeto que pressiona o País a conceder asilo ao ex-analista de sistemas da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês) e ex-funcionário da CIA Edward Snowden, David Miranda. Estrategista de marketing e companheiro do jornalista americano Glenn Greenwald, Miranda falou com exclusividade ao Jornal do Comércio minutos antes de participar do debate “Soberania digital e vigilância na era da internet”, no Conexões Globais, sexta-feira passada. Foi a primeira vez que ele veio a Porto Alegre.

Em uma tarde em que os termômetros bateram nos 35 ºC, visivelmente tímido e com calor, David Miranda falou à reportagem do JC na sala Cecy Frank, no quarto andar da CCMQ. Durante a entrevista ele demonstrou admiração por Snowden, confirmou que há mais documentos que dizem respeito à espionagem americana no Brasil e acusou o governo inglês de abuso de poder. Já durante o debate que participou, disse que se o País não conceder asilo ao ex-agente americano, poderá sugerir a proposta ao Mercosul.

JC - Você coordena a campanha para que o País conceda asilo a Edward Snowden. Você o conhece pessoalmente? Quem é ele pra você?

David Miranda - Eu não o conheço pessoalmente. A gente só se fala por meio de comunicação segura na internet. Ele é um grande herói pra mim. Largou mão de tudo, da segurança pessoal, da família, dos amigos, do trabalho, só pra poder sair do país dele, entregar estes documentos há oito meses pro Glenn e pra Laura Poitras (jornalista que também recebeu documentos de Snowden) e trazer os EUA para esse debate que a gente está tendo hoje. Ele fez isso tudo, então eu admiro muito a pessoa que ele é. 

JC - Na petição online já são mais de 900 mil pessoas aderindo à campanha. O que você espera desse movimento?

Miranda – Eu, o Avaaz e a coletivo Juntos estamos trabalhando para poder entregar no começo do mês lá no Congresso brasileiro a petição. A gente vai lá fazer esse pedido de asilo pra ele (Snowden).

JC – E o que o Brasil tem a oferecer a Snowden?

Miranda – O Brasil pode proteger os direitos humanos dele, que, em primeiro lugar, é o que os Estados Unidos querem caçar. Os EUA querem colocar ele numa cadeia para não poder participar desse debate extremamente importante que ele ajudou a criar há oito meses. Com o Brasil dando asilo permanente a ele, diferente da Rússia que deu asilo temporário, ele poderá contribuir para o debate. Na Rússia ele não pode falar nada. Estando em um país que dê asilo permanente a ele, que ele possa debater, o mundo inteiro vai poder se beneficiar.

JC - O que você acha sobre Snowden não ter aceitado asilo, na época, cedido por países sul-americanos?

Miranda - Você viu o que aconteceu com o avião do Evo Morales? Então, por que você acha que ele não aceitou esses países? Porque ele precisa de um país forte como o Brasil, ou uma Alemanha, uma França, pra poder falar assim: ‘nós estamos dando asilo pra ele’. Os EUA não vão simplesmente mandar descer o avião de um líder de estado. É aquela velha mentalidade: os EUA ainda são um império e nós somos aquela velha colônia. Os americanos estão subestimando a gente.

JC - Blogueiros brasileiros enviaram algumas perguntas para o ex-funcionário da CIA e da NSA. Uma das questões sugere que Snowden, vindo para o Brasil, poderia correr o risco de ser extraditado para os EUA pelo ministro do STF Joaquim Barbosa. Você acha que ele corre esse risco aqui? 

Miranda – Acredito que não. Se você vai dar asilo para uma pessoa, você simplesmente não vai extraditá-lo... você... você vai ficar em um impasse muito grande. Você vai chegar num país com uma promessa de asilo e de repente extraditar aquela mesma pessoa? O mundo inteiro está com o holofote em cima disso. Acho que é muita especulação em cima de uma coisa que politicamente não seria correta, à visão do mundo. 

JC - O que você acha dessa “teoria da conspiração”?

Miranda – A gente está vivenciando a teoria da conspiração. Há oito meses, a gente vivia sabendo que os governos estão nos espionando. Hoje em dia nós temos as provas pra isso. Eu não acredito que o governo aqui vai dar asilo e depois vai extraditá-lo. Acho que iria pesar muito mal para o governo. Política é muita imagem.

JC - Usando o exemplo da espionagem feita pela NSA à Petrobras, Snowden teria outras coisas que poderiam afetar de certa forma a economia brasileira?

Miranda – Eu não posso especular sobre documentos que possam existir. Eu posso falar que existe mais documentos sobre o Brasil, que a gente vai publicar de acordo com o tempo. No momento nós estamos trabalhando com mais de 20 países. De acordo com os documentos que acharmos que tem interesse para o público, a gente vai fazendo as publicações. Não sei se há documentos mais fortes que esse (da espionagem à Petrobras), se há mais fracos, mas com certeza tem mais documentos sobre o Brasil.

JC - Você ficou retido por nove horas no aeroporto de Londres. Como foi ficar durante todo esse tempo sendo interrogado por seis agentes de segurança? 

Miranda – Essa lei que eles (agentes de segurança do aeroporto de Heathrow, em Londres) usaram contra mim, em 97% do tempo as pessoas ficam menos de uma hora detidas lá. Um mês antes de eles me deterem, eles entraram no escritório do The Guardian (jornal que fez as primeiras publicações sobre a espionagem americana), quebraram os HDs, fizeram apagar tudo e ameaçaram jornalistas que estavam trabalhando nessas histórias. Então o The Guardian ficou quieto durante um mês. Daí, os agentes foram atrás dos outros jornalistas que estavam fazendo isso. Eles me pegaram, me interrogaram, como uma forma de quebrar esse círculo, pra não fazerem mais publicações. Eles não conseguiram. Eles simplesmente mostraram ao mundo o abuso de poder que eles têm. Com essa lei você é obrigado, você não pode ficar em silêncio. Eu tive que responder a todas as perguntas. Depois de nove horas, se um dos agentes (e naquele dia eram sete) achar que você não havia cooperado, ele pode te dar voz de prisão. Olha esse poder vasto que tem uma lei quando você está passando em trânsito por um país. Foi completamente abuso de poder. Uma lei que é contra terrorismo. Eles falam que material jornalístico hoje em dia é terrorismo e que eu participo de espionagem. Este cenário só serve para ver o quanto esses governos precisam disso: de jornalistas sérios, para trazer contabilidade para o povo, mais transparência. 

JC – Teve algum momento que marcou você nesse dia?

Miranda - Sim. Quando eles começam a fazer perguntas diretas pra você é tranquilo. Mas quando começam a perguntar quem é a sua família, quem são seus amigos, o que você faz no final de semana, essas perguntas que vão direto no seu cotidiano... olha, antes do Glenn viajar a Hong Kong, nós conversamos por cinco horas direto. Falamos durante vários dias das consequências que isso poderia trazer para as nossas vidas. Quando a gente tinha a plena consciência de que alguma coisa podia acontecer com a gente, tudo bem. Mas quando envolve a sua família, os seus amigos, você não quer que isso atinja aquelas pessoas que você tem no seu coração. 

JC- O que continham os materiais apreendidos e qual é a situação atual deste caso?

Miranda – Ali era meu material de trabalho. Meu celular, meu computador. Eu fui à Alemanha para ter algumas reuniões, entre outros aspectos sobre o filme da Laura, fui entregar material jornalístico a ela. Havia matérias do qual eu não tinha conhecimento e tinham materiais meus de trabalho. Tudo foi apreendido e continua com o governo inglês. Não tem previsão de devolução. Eu estou com um processo contra eles e em fevereiro tenho uma audiência com eles lá no Reino Unido, onde estarei representado por meus advogados. 

JC - Esse fato em Londres mudou a sua maneira de pensar sobre a Europa? Sobre o Reino Unido?

Miranda - Claro, modifica bastante. Não da Europa em geral, mas da Inglaterra em si. Eles têm um governo extremamente abusivo, que vai atrás de jornalistas, de cidadãos que estão passando em trânsito e usam leis que dão poder sem limites a eles. Só me deu mais vontade ainda de continuar trabalhando com esses jornalistas do mundo inteiro para poder demonstrar o que esses governos estão fazendo e trazer mais transparência àqueles que estão no poder.

JC- Qual é o papel da internet no mundo atual?

Miranda – A internet é o maior mecanismo que a gente tem. Ela é o maior mecanismo de comunicação, de criatividade e de expressão humana que nós temos hoje. Você pode trabalhar o dia inteiro estressado e quando chega no computador você pode ser um outro personagem ali, se expressar da forma que quiser. Você pode criar um livro, pode ter um blog, pode postar fotos, pode conversar com milhões de pessoas sobre milhões de assuntos. A internet é um lugar onde você pode ter intimidade, onde você pode se recriar e ser criado. Mas ela também tem um outro lado, que é o que a gente está mostrando agora: o monitoramento das nossas ações e nosso comportamento pelos governos e empresas. Esse debate que está se instalando agora é ver qual o real papel da internet nas nossas vidas. Se é uma grande ferramenta do governo para poder controlar nossas vidas, o que a gente faz, ou se realmente esse mecanismo é para a liberdade de expressão.

JC - Como é a sua vida ao lado do Glenn Greenwald? Vocês se sentem bem aqui no País? 

Miranda – Nós estamos muito bem. Moramos no Rio de Janeiro, a melhor cidade para morar.

JC – Há controvérsias.

Miranda – Olha, Deus é carioca. A gente sabe disso (risos). Nós estamos bem. Esses últimos meses só serviu para nos aproximar ainda mais. Mês que vem nós fazemos nove anos juntos e a gente vai pra 90 reclamando um do outro, mas estamos felizes juntos.  

JC - Quais são os próximos projetos, tanto pra você quanto pro Glenn? O que você prevê?

Miranda – Bom, com certeza é eu conseguir asilo pro Snowden. É a minha primeira meta. Depois eu quero sair, pelo amor de Deus, da política. É uma área que me estressa muito. Eu caí mais devido ao Glenn ter necessidade de alguém trabalhando junto com ele. Mas eu quero ir pra área de videogame que é a minha grande paixão. Sair um pouco dos holofotes.

JC – Essa fama incomoda você?

Miranda – Um pouco, eu tenho um pouco de vergonha. Eu estou fazendo mais essas entrevistas pelo intuito de conseguir mais assinaturas, mais para aderir a causa para conseguir asilo para o Snowden. Mas eu prefiro deixar os holofotes para o Glenn mesmo. 

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