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Entrevista especial

- Publicada em 06 de Maio de 2018 às 23:01

'Essa é a eleição mais imprevisível da história recente', diz Guilherme Boulos

"Queremos resgatar a esperança e construir um novo jeito de fazer política"

"Queremos resgatar a esperança e construir um novo jeito de fazer política"


LUIZA PRADO/JC
Guilherme Boulos é filho de um casal de médicos, estudou em bons colégios, diplomou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), é psicanalista, morou em áreas de ocupação – que, para muitos setores, devem ser chamadas de invasões –, condição que o alçou a coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e agora é pré-candidato a presidente da República pelo PSOL.
Guilherme Boulos é filho de um casal de médicos, estudou em bons colégios, diplomou-se em Filosofia na Universidade de São Paulo (USP), é psicanalista, morou em áreas de ocupação – que, para muitos setores, devem ser chamadas de invasões –, condição que o alçou a coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e agora é pré-candidato a presidente da República pelo PSOL.
Aos 35 anos, não cansa de repetir: “Sou o candidato mais jovem a concorrer a presidente”. Boulos nunca disputou eleição e ganhou mais visibilidade – ele aparece com 0% a 1% nas pesquisas eleitorais – ao figurar, em 7 de abril, ao lado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da potencial adversária Manuela d’Ávila (PCdoB), pré-candidata ao Planalto, no palanque horas antes de o petista ser preso em São Bernardo do Campo.
Boulos evita falar que pode liderar uma frente da esquerda. A cinco meses da eleição, diz que fará campanha porta a porta e espera canalizar a insatisfação do povo brasileiro com a política. Sobre o adversário mais forte, pondera: “nos cenários sem Lula, quem lidera não é (Jair) Bolsonaro (PSL-RJ), mas indecisos, nulos e brancos”. E avalia que essa será a eleição presidencial mais imprevisível da história recente.
Jornal do Comércio – Por que só agora decidiu concorrer?
Guilherme Boulos – Há várias formas de se fazer política, não é só a política tradicional, de se eleger para o Parlamento. Política se faz nas ruas também. Essa dimensão a gente não pode perder. Política se faz junto ao povo, nas periferias, organizando as pessoas para lutar por transporte, saúde, moradia e educação. Política, nesse sentido mais amplo, faço há 16 anos, desde que entrei para o MTST.
JC – O plano era a candidatura a presidente antes de passar por outras experiências?
Boulos – Isso não se planeja, as coisas foram levando para isso. Agora, muitas vezes, perguntam “pô, não tem experiência política, nunca fez”, e a resposta que tenho dado é que, se experiência político-parlamentar fosse condição e critério e atestado de bom governo, então o (Michel) Temer (PMDB) seria o melhor presidente da história do Brasil, porque ele está há 50 anos na política, aliás, do modo mais velho, política mais atrasada, e é o pior presidente que o País já teve. Pior até que Collor. Temer está fazendo estrago, como o da legislação trabalhista. A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) é de 1943. Nem em 21 anos, a ditadura militar mexeu na CLT. O Temer, em dois anos, jogou ela na lata do lixo.
JC – Mas faz isso sozinho?
Boulos – Faz com o Congresso Nacional e com o apoio do establishment, da elite econômica brasileira. É um governo que se viabilizou a partir de um golpe parlamentar, da maioria parlamentar mais fisiológica, um balcão de negócios escancarado no Brasil, sustentado por bancos, grandes empresários do capital, para impor uma agenda de retrocessos profundos que não foi eleita pelo povo brasileiro. Não encaro política como carreira, como escadinha que você vai subindo. Se encarasse assim, poderia ser candidato a deputado.
JC – Houve essa proposta?
Boulos – Seria o caminho mais fácil. Estamos em um momento da realidade brasileira que é preciso ousar. O País está em uma crise profunda, que é econômica, política, ética e de representação. Há uma desesperança generalizada na política, e a razão é que há um verdadeiro abismo entre Brasília e o Brasil. O sistema político finge que não ouve a nossa voz e indignação. É o momento de levar essa indignação para dentro da política, de ocupar espaço com as vozes que vêm de baixo e das resistências. Minha vice na futura chapa é Sônia Guajajara (PSOL), a maior liderança indígena do País, e será a primeira vez em que uma indígena faz parte de uma chapa presidencial. Ela representa a mulher, mãe, nordestina, que compõe junto comigo esse desafio do PSOL, PCB, dos movimentos sociais, com a Mídia Ninja, do movimento feminista, negro, LGBT, artistas, intelectuais, ou seja, que está aí para renovar a política. Nossa candidatura não é para marcar posição. Queremos dialogar com a população brasileira.
JC – Mas o senhor critica algumas fatias da sociedade.
Boulos – Para ser mais preciso: queremos dialogar com 99% dos brasileiros. Com 99%, não com 1%.
JC – Quem é esse 1%?
Boulos – O 1% é formado pelos banqueiros, donos de fundos, grandes empresários, grandes empreiteiros que há 500 anos governam o Brasil. Não é possível governar com eles, o que significaria abrir mão de enfrentar os privilégios que eles têm. Hoje, para atender as maiorias, é preciso enfrentar esses privilégios. A Oxfam, que é uma organização britânica que faz estudos sobre desigualdade de renda e riqueza, mostrou que os seis maiores bilionários do País têm mais renda e patrimônio que 100 milhões de pessoas. Isso é um escândalo e precisa ser enfrentado com políticas como acabar com a farra dos bancos, com redução de juro no crédito bancário. Se queremos recuperar empregos e gerar renda para o povo, temos que retomar investimentos do Estado. Como? Fazendo com que os chamados super-ricos paguem imposto. Temos um dos sistemas tributários mais injustos e regressivos do mundo. O estado brasileiro é um Robin Hood ao contrário, tira dos pobres e da classe média e dá aos ricos.
JC – O senhor quer fazer algo que nem Lula nem a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) enfrentaram. O Congresso vai aprovar?
Boulos – Primeiro, o povo brasileiro vai saber renovar o Congresso Nacional nestas eleições. Esperamos não só uma renovação nominal, mas política. O PSOL está apresentando uma chapa competitiva, quer ampliar sua bancada. Esperamos que outros do campo progressista também o façam. Precisamos falar a verdade para o povo e dizer que este sistema político está falido, do presidencialismo de coalizão, que virou sinônimo de politicagem, balcão de negócios.
JC – Quanto, realmente, “desse povo que não aguenta mais” quer as mudanças que o senhor defende?
Boulos – Queremos que entrem neste debate atores e atrizes que foram excluídos da política. O povo não pode apenas apertar um botão a cada quatro anos e a gente chamar isso de democracia. Democracia não é um cheque em branco para o político. Temos de diminuir o papel do político e aumentar o papel das pessoas por meio de plebiscitos, referendos, conselhos, ou seja, com formas que os cidadãos exerçam o poder diretamente. Democracia não pode ser igual ao programa do Big Brother na televisão, que você escolhe quem entra e quem sai, mas não decide nada do que se passa dentro da casa. Precisamos trazer o povo para o centro da decisão política. Para que a gente possa ter uma mudança no sistema político, tem de haver pressão da sociedade. Aliás, sempre foi assim. Uma junta de generais não sentou a uma mesa e falou “vamos acabar com a ditadura”. Não, foi após centenas de milhares ou milhões de pessoas irem às ruas nas Diretas Já. A nossa campanha é de porta a porta, de diálogo com o povo. Já está começando e vai crescer.
JC – Como ter resultado faltando cinco meses para a eleição?
Boulos – O tempo da mobilização social segue seu ritmo próprio. Existe um abismo representativo e um descontentamento incrível, que se expressa no governo mais rejeitado da história. Temer tem 4% de aprovação. Até o general João Figueiredo (1979-1985), que dizia que gostava mais de cavalo do que de gente, tinha aprovação maior que a de Temer no apagar das luzes da ditadura. Queremos aproveitar esse momento para resgatar a esperança e trazer essas pessoas para construir um novo jeito de fazer política.
JC – Qual será o papel da classe média na eleição deste ano?
Boulos – A classe média não é uma coisa só, tem diversidade, e a maior parte dela está insatisfeita. Parte do povo, e da própria classe média urbana, acabou comprando um pouco a ideia – isso lá em 2015 e 2016 – de que o impeachment de Dilma, que se consumou em um golpe parlamentar, iria acabar com a corrupção e tiraria o Brasil do buraco. Dois anos depois, temos uma máfia comandando o País e uma economia patinando, com milhões de desempregados e uma brutal retirada de direitos, por isso a desilusão. A classe média, junto com a base da pirâmide, o povão, é quem sustenta o Estado, que paga mais impostos, devido à incidência sobre o consumo. O público dos planos de saúde é majoritariamente de classe média e sofre reajustes abusivos, tem serviços mal prestados ou exclusão de beneficiários. Queremos fazer o debate da regulação do serviço. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é controlada pelos planos. É a raposa cuidando do galinheiro.
JC – O que pretende fazer?
Boulos – Primeiro, precisa ter controle público e transparente sobre a ANS. Segundo, temos de acabar com a desoneração de plano de saúde, pois o recurso público tem de ir para a saúde pública. Terceiro, é preciso fiscalizar e regular os planos para que cumpram os contratos em benefício dos usuários. Também tem de cobrar das operadoras a dívida que elas têm com o Sistema Único de Saúde, referente ao não ressarcimento do serviço público usado pelos seus beneficiários.
JC – O que significou o senhor subir ao palanque com Lula no dia da prisão do ex-presidente?
Boulos – Estamos muito preocupados com o que está acontecendo no Brasil, a maior crise desde o fim da ditadura. A condenação do Lula sem provas e sua prisão política é um dos elementos do atentado à democracia. Assim como a escalada de violência política que matou a vereadora Marielle Franco, nossa companheira no PSOL, brutalmente assassinada no Rio de Janeiro. Era uma voz na política e que tentaram silenciar, mas não conseguiram, pois as ideias dela persistem. Estávamos no ato em São Bernardo por entender que qualquer diferença que exista não pode e não vai nos levar a ser coniventes com injustiça.
JC – Foi um indicativo de união das esquerdas?
Boulos – Hoje, existe uma união das esquerdas para a defesa da democracia brasileira. Estamos criando uma ampla frente democrática, não só com esquerdas, mas com progressistas de uma maneira geral, com todos que estão preocupados com o que está ocorrendo, que inclui intelectuais, artistas, movimentos sociais etc. É uma frente com bandeiras vinculadas – a justiça para Marielle, Lula livre, contra a militarização e judicialização da política, defesa de eleições livres e democráticas, que inclui o direito de o ex-presidente ser candidato. Mas essa frente não é eleitoral.
JC – O senhor poderia ser um nome para essa frente?
Boulos – Neste momento, isso não está colocado. É uma frente pela democracia. Porque, se você coloca a questão eleitoral à frente desse debate, você afasta pessoas e reduz o espectro de atuação.
JC – Se Lula não conseguir se candidatar, o que muda?
Boulos – Lula segue se colocando à presidência da República. Nossa luta é para que ele seja candidato.
JC – Na última Datafolha, o senhor aparece com 0% na intenção de voto em cenários com Lula, e com um 1% sem ele.
Boulos – Comecei minha campanha há um mês, a maioria dos candidatos está em campanha há mais de ano, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro. Tenho a menor taxa de conhecimento, sou conhecido como liderança de movimento social, mas não necessariamente como candidato a presidente. O desafio é ampliar esse conhecimento e rodar o Brasil, debatendo em universidades, periferias e fazendo atividades de rua, como fizemos em Porto Alegre. Esses números vão se alterar, até porque essa será a eleição mais imprevisível da história recente desde a ditadura. Nos cenários sem Lula, quem lidera não é Bolsonaro, mas indecisos, nulos e brancos. Esta é a eleição mais aberta desde 1989.
JC – Como é a relação hoje com Luciana Genro, que foi a candidata do PSOL em 2014?
Boulos – O partido está pactuado. Teve diferenças, como é natural em qualquer organização com pluralidade. Na conferência em março, mais de 70% dos delegados aprovaram a minha chapa com a Sônia.
JC - O desabamento do prédio em São Paulo alertou para o grave problema da moradia no País. Esta pauta entrará na eleição?
Boulos - Essa questão só será resolvida com a implantação, para valer, de uma política habitacional que resolva a equação de 6 milhões de famílias sem casa versus 7,2 milhões de imóveis abandonados. Fazer cumprir a função social das propriedades, prevista na Constituição, resolveria o problema. Ninguém ocupa um imóvel porque acha bonito. A falta de uma política habitacional, aliada à crise, empurra as pessoas para uma situação de abandono em que a única saída é ocupar e lutar. Desastres como do Largo do Paissandú podem e devem ser evitados implantando-se uma política de desapropriação, requalificação e destinação de imóveis abandonados a moradias populares nos centros das grandes cidades.

Perfil

Guilherme Castro Boulos vai completar 36 anos em 19 de junho. É filósofo e psicanalista, filho dos médicos Maria Ivete Castro Boulos, que saiu da Paraíba para fazer residência em São Paulo, e Marcos Boulos, professor de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Boulos entrou no movimento estudantil em 1997, aos 15 anos, quando militou na União da Juventude Comunista. Ingressou no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e no Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Ficou conhecido em 2003 quando participou da coordenação da ocupação de um terreno da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, e residiu na Ocupação Carlos Lamarca, em Osasco, as duas na Grande São Paulo. Em 2014, liderou, pelo MTST, as mobilizações que criticavam investimentos para a Copa do Mundo no Brasil, como a Ocupação Copa do Povo. Em março de 2018, ingressou no PSOL e venceu a disputa interna para ser o pré-candidato à presidência da República. Sua vice é Sônia Guajajara, que integra o povo indígena Guajajara-Tentehar e está desde 2011 no PSOL.