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Porto Alegre, quinta-feira, 19 de abril de 2018.

Jornal do Com�rcio

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Ant�nio Hohlfeldt

Teatro

Not�cia da edi��o impressa de 20/04/2018. Alterada em 19/04 �s 17h35min

Reflex�o sobre a velhice

Distante de Porto Alegre há pelo menos duas décadas, a atriz Nora Prado regressou à cidade disposta a mostrar tudo o que aprendeu ao longo desses anos. Estreou, como atriz, Latidos, de Julio Conte, dirigida pelo próprio autor, e agora ajudou a escrever Lembranças do Lago Dourado, com os atores Paulo Vicente e Cláudio Benevenga, além de Ciça Reckziegel. Nora Prado dirige o espetáculo, enquanto os outros interpretam os personagens da peça. No fim de semana em que assisti ao espetáculo Ciça, por problemas de saúde, foi substituída pela própria Nora Prado. Enquanto os atores vivem cada qual um único personagem, a atriz se multiplica em diferentes figuras, já que o enredo atravessa um longo tempo de vida na amizade dos dois homens, que se conheceram desde meninos e voltam a se encontrar num asilo, que Bernardo (Benevenga) insiste em chamar de "casa de repouso".
O tema é extremamente atual, difícil de ser trabalhado sem cair na pieguice, mas encontrou aqui um equilíbrio emocionado e respeitoso. Ramiro, idoso, tem problemas de saúde; e a sobrinha, a quem criou, resolve colocá-lo em uma clínica, onde teria maiores cuidados e, sobretudo, reencontraria o antigo amigo, Bernardo. Alternando o presente de ambos e memórias de seu passado, a peça se desenrola com ritmo bastante forte, na medida em que diferentes figuras femininas cruzam pelas vidas dos dois, sejam namoradas, sejam apenas enfermeiras ou empregadas domésticas.
A cenografia de Fiapo Barth é simples, mas eficiente: no espaço pequeno e aconchegante da sala Carlos Carvalho, cadeiras espalhadas pelo palco, aparentemente deixadas a esmo, como as próprias memórias dos dois homens. Assim como ambos vão organizando suas vidas e se preparando para a morte, também o espaço se organiza/reorganiza ao longo das cenas. Os figurinos de Rô Cortinhas são simples e práticos: no caso de Cláudio Benevenga, sobre o pijama são colocadas outras peças. No caso de Paulo Vicente, sobre um traje básico, igualmente se acrescentam outros acessórios. A trilha sonora de Everton Rodrigues identifica diferentes períodos da vida dos dois personagens, enquanto a iluminação de Maurício Moura marca as trocas de tempo e de espaço. O texto coletivo dos quatro atores constrói esta narrativa com cuidado para não escorregar na lacrimejante. Ramiro, acostumado a sua liberdade, sente-se traído pela sobrinha, pois desconhece seu estado de saúde crítico. É auxiliado na adaptação à nova vida pelo antigo amigo e camarada e, aos poucos, descobre novas perspectivas. O desfecho, embora esperado, surpreende pela solução alcançada. Pode não ser a mais lógica, mas dramaturgicamente é um bom desenlace.
Este tipo de espetáculo, que foca o cotidiano da vida das pessoas, nem sempre é muito valorizado. No entanto Nora Prado, como diretora, acertou a mão: tem excelentes intérpretes à sua disposição e soube valorizar sutilezas, inclusive a partir do texto de cuja criação também participou. Neste sentido, a peça tem um bom andamento dramático, naturalidade e simplicidade, levando o espectador a um desenlace que é naturalmente esperado, mas que, nem por isso, deixa de surpreender, pela maneira com que é apresentado ao público.
Num momento em que o País, conflagrado por questões políticas, partidárias e ideológicas, expressa-se através de ações e gestos de ódio e falta de urbanidade, para dizer o mínimo, é saudável encontrarmos um grupo dramático interessado em falar das potencialidades de humanidade que ainda nos restam e refletir sobre a provisoriedade da vida. Com cerca de uma hora de duração, o espetáculo evidencia sensibilidade e serve para iluminar este outro lado, tão esquecido, mas ainda assim, essencial da vida. Bem achado o título. O lago dourado mencionado é, certamente, aquele melhor momento da vida de cada um. Feliz ou infelizmente, acabamos sempre por nos afastar deste lago, de que guardamos (ou podemos, ou devemos guardar) as melhores lembranças, justamente aquelas que dão sentido à vida humana.
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