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Porto Alegre, quinta-feira, 19 de abril de 2018.

Jornal do Com�rcio

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H�lio Nascimento

Cinema

Not�cia da edi��o impressa de 20/04/2018. Alterada em 19/04 �s 17h08min

A intrusa

Os admiradores do cinema de Roman Polanski terão muito o que ver em Baseado em fatos reais, filme no qual se acumulam referências a obras anteriores do cineasta, citações a clássicos e aquelas características que fazem do diretor ainda um dos nomes mais importantes entre os realizadores em atividade: uma criação de atmosfera que mantém a atenção do espectador durante todo o tempo, um controle perfeito dos intérpretes e aquela visão que permite transformar o exterior em símbolo de elementos ocultos e que, aos poucos, vão adquirindo a forma que permite sua identificação. Polanski nunca dirigiu um filme desinteressante e, por vezes, como em Chinatown, atingiu o nível da obra-prima. O diretor, que não se dedicou em sua carreira apenas ao cinema, dirigiu e interpretou o papel principal, no palco, de uma versão de Amadeus, de Peter Shaffer, que outro europeu exilado nos Estados Unidos, Milos Forman - recentemente falecido -, transformou em um filme memorável. Polanski também dirigiu, na Alemanha, uma versão de Rigoletto, de Verdi, cujo tema tem pontos de aproximação com a temática incestuosa do já citado Chinatown, cujo roteiro foi escrito por Robert Towne. Em um de seus filmes anteriores, O escritor fantasma, Polanski já havia colocado em cena a figura que narra em palavras experiências de outros. E, por outro lado, em O pianista, inspirado em fatos reais e obra pela qual recebeu o Oscar de melhor direção, o personagem principal também tinha de enfrentar uma força agressiva, no caso, a maior delas, aquela representada pelo nazismo. A protagonista de Baseado em fatos reais é uma escritora de sucesso que, após lançar um livro que, como os anteriores, tem grande repercussão, passa a enfrentar uma crise e também tem de suportar críticas, feitas em cartas anônimas, que a acusam de se apropriar de experiências de outros e também de tornar públicos fatos familiares, que deveriam permanecer em seu cenário original. Mas outro acontecimento vem tornar ainda mais difícil a vida da protagonista: o surgimento de uma mulher, que poderia ser vista como uma espécie de amiga imaginária, algo que a intrusa afirma fazer parte de seu passado. É curioso observar que, em todas as cenas em que esta mulher aparece, ela não tem diálogos com outros personagens e praticamente é a representação em cena de uma consciência que procura explicitar uma culpa ou então uma sexualidade reprimida, como na cena do metrô. Não apenas isso, ela também representa uma agressividade controlada, acobertada pelos sorrisos e as frases feitas da sessão de autógrafos. Tal agressividade é exposta de forma bem clara em algumas cenas no apartamento da escritora, depois que esta permite que a outra passe a controlar sua vida. E a fratura não é apenas resultado de um acidente. Ela é como o curativo no nariz de Jack Nicholson no grande filme policial de Polanski, o sinal de uma dolorosa descoberta. É provavelmente possível criticar o cineasta por acumular alguns temas e depois deles se afastar. O que se relaciona com a invasão de privacidade e inverdades divulgadas pelas chamadas redes sociais é um deles. O da figura materna é outro. Mas aquela escada que leva ao desconhecido é habilmente explorada pelo cineasta. Em tal cena, o filme sintetiza todo o drama da protagonista. Esta descida a camadas desconhecidas e a um cenário assustador resume o que seria o gênero do horror, que Polanski satirizou com grande habilidade e imaginação em A dança dos vampiros: o encontro com algo tornado oculto pelas normas criadas pela civilização. Na sua integridade, o novo filme de Polanski, outro octogenário em atividade, embora certas omissões e situações um tanto forçadas, é um desses trabalhos que podem ser vistos como sinais de que ainda existem focos de resistência num cenário que, por vezes, parece totalmente devastado pelas concessões à vulgaridade. Cada espectador encontrará no filme referências e citações a obras que lhe são caras. E tal fato é uma evidência de que o cinema clássico continua sendo uma base e um ponto luminoso. Polanski percorre com segurança e imaginação um caminho do qual ele foi um dos construtores.
 
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