As limitações das aquisições de terras brasileiras por empreendedores estrangeiros, conforme Lei nº 5.709, de 1971, podem sofrer algumas alterações, pelo menos no setor elétrico. A questão está embutida em uma minuta de projeto de lei que será encaminhada aos ministérios da Casa Civil e da Fazenda e mudará a regulamentação do segmento de energia. Apesar desse foco inicial, esse pode ser o primeiro passo para que a liberação chegue a outras atividades, como a de florestas plantadas. A medida, se confirmada, facilitaria que novos investimentos sejam realizados no Rio Grande do Sul em ambas as áreas.
A proposta, divulgada neste mês pelo Ministério de Minas e Energia, prevê a retirada de barreiras para estrangeiros que atuem na geração, distribuição e transmissão de energia. O advogado e ex-secretário estadual de Minas e Energia, Artur Lemos Júnior, destaca que o tópico não fez parte da consulta pública número 33, que tinha como objetivo colher contribuições para o aprimoramento do marco legal do setor elétrico.
Para o segmento energético gaúcho, Lemos considera que a maior liberdade para os estrangeiros é algo importante, haja vista que já há companhias no Estado que se enquadrariam neste novo conceito. O advogado lembra que a CPFL, controladora das distribuidoras RGE e da RGE Sul, tem como acionista majoritária a chinesa State Grid e seria uma das beneficiadas com a nova política. Lemos comenta que, no regramento atual, pode ocorrer a situação de a construção de uma subestação de energia em Uruguaiana, por exemplo, ser prejudicada por impeditivos à compra de terra pela empresa. Além disso, a alteração na legislação descomplicaria investimentos no setor eólico (que faz muito uso da prática de arrendamento de terrenos).
Contudo, o ex-secretário de Minas e Energia recorda que o debate sobre a aquisição de terras por empresas estrangeiras no Brasil vem sendo travado há muito tempo. "Por não ser uma discussão de agora, é muito temerário fazer isso através de uma lei adjacente, que está tratando de energia", considera. Lemos informa que existem mais de sete projetos de lei tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado tratando sobre a aquisição de terra por companhia estrangeiras.
Sobre a minuta do projeto de lei que diz respeito ao setor elétrico, Lemos não vê a possibilidade, de forma imediata, de que outros segmentos aproveitem essa brecha legal para as empresas de fora do País. "Mas, se aprovada a regra, o que acredito que seja pouco provável, o setor da celulose vai entender que a porteira se abriu e vão querer também, de forma isonômica, um tratamento parecido que seria dado à geração de energia", prevê.
Presidente da CMPC entende medida como uma quebra de tabu
Apesar de reforçar que a proposta sobre a compra de terra por grupos estrangeiros que está sendo discutida no governo federal atualmente se atém ao setor elétrico, o presidente da CMPC Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes, vê evoluções na questão. "O que poderia ter de perspectivas sobre o assunto é que está se derrubando um tabu, porque está abrindo para um setor", argumenta o empresário, que também é vice-presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor).
O tema é de vital relevância para a CMPC (que tem a matriz sediada no Chile), pois o grupo, que possui uma planta de celulose em Guaíba, já manifestou a intenção de aumentar a produção no Estado, entretanto precisa de terras para plantar as árvores que utilizará como matéria-prima. O empresário defende que o Brasil depende de investimentos estrangeiros para poder se desenvolver, pois a poupança interna não suporta as taxas de crescimento necessárias (que para o executivo deveriam ser, no mínimo, de 6% ao ano). "Terra, para mim, é um artigo estratégico que o País teria que estar usando em função do seu desenvolvimento, da sua integração na economia globalizada", defende.
Nunes sugere que o Brasil crie uma espécie de conselho nacional de terras, com representações dos principais ministérios, que administre a obtenção de áreas por estrangeiros. Ele admite que o País vive hoje um momento conturbado, o que prejudica a discussão de assuntos no meio político.