Grandes histórias, frequentemente, trazem protagonistas que possuem fraquezas ou desvios de caráter, elementos com que precisam lidar em meio a jornadas pessoais ou coletivas. Três anúncios para um crime é um desses exemplos, se passando todo em uma zona cinzenta, longe de simplificações e evitando lições morais. Com uma narrativa despreocupada com respostas e soluções definitivas, o filme tem sete indicações ao Oscar. O título entra no circuito comercial amanhã, em horários regulares, após uma semana em sessões de pré-estreia.
Novo longa-metragem do cineasta britânico Martin McDonagh (Na mira do chefe), o título pode ser resumido como um conto que aborda o sentimento de raiva. Mas como nem tudo é preto ou branco neste enredo, o roteiro tem até espaço para doses de humor, embora de teor um tanto ácido.
A atriz Frances McDormand (premiada com o Oscar por Fargo, de 1996) tem uma daquelas atuações capazes de definir uma carreira. Ela interpreta Mildred Hayes, uma mãe inconformada com a inoperância da polícia em sua cidade. Há meses, sua filha foi morta, e o responsável pelo crime não foi descoberto. A protagonista crê que manter o caso em evidência na mídia vai resultar em mais empenho por parte dos oficiais. Resolve, então, alugar três outdoors em uma estrada, nos quais escreve algumas mensagens: "estuprada enquanto assassinada", "ainda sem nenhuma prisão?" e "como assim, xerife Willoughby?". A iniciativa afeta a rotina da comunidade local.
O roteiro, também desenvolvido por Martin McDonagh, não desperdiça personagens. Todos têm algo relevante a dizer, em um panorama de ânimos exaltados - a partir do qual o diretor faz também um comentário sobre hipocrisia. Ao longo da narrativa, o que alguns moradores da cidade fazem não dialoga com aquilo que pregam ou desejam.
Além de Mildred, o eixo principal da história inclui o próprio xerife (papel de Woody Harrelson) e um de seus comandados, Dixon (Sam Rockwell). Enquanto o primeiro passa por um momento pessoal delicado quando os anúncios vêm à tona, o segundo é conhecido como um policial racista. Mas, assim como a protagonista, eles também possuem suas nuances. Cada um joga com frustrações de maneira própria, em um recorte que desconstrói idealizações do espectador.
A dinâmica entre Mildred e Dixon ainda traz um contraste. A mãe em luto apresenta toda sua raiva canalizada e estudada - porque, quando sua filha morre, o culpado precisa pagar e, se ele não é encontrado, a responsabilidade pelo fracasso é do sistema. Mildred tem as palavras calculadas e a frieza para dizê-las na hora correta, eloquentemente, mesmo que por dentro esteja queimando. Mas, quando a personagem está sozinha, a vulnerabilidade aparece nos detalhes - como em um pouco de terra desleixadamente esquecido em sua testa. Magnética, Frances McDormand rouba o filme para si sempre que enquadrada.
Dixon, ao contrário da protagonista, não consegue conter sua violência. Quando pressionado, gagueja. É um homem de ações ríspidas, não de palavras, talvez como contraponto a uma sensação de macho fragilizado. Como marca registrada, toma atitudes erradas com uma assiduidade nada invejável, seja por ignorância (no pior sentido do termo) ou inconsequência.
O título, no entanto, não se vale de heróis ou vilões em estado puro. O que interessa é o que está no meio de um ciclo de pequenas e grandes agressões - e por que está no meio. Culpa, trauma, luto, injustiça: tudo entra em pauta para reflexão, já que Martin McDonagh não entrega mensagens fáceis. Quando a protagonista escancara a ineficácia de uma instituição, pouco a pouco ocorre a revelação de uma miséria coletiva.
A produção concorre aos Oscar de melhor filme, atriz (Frances McDormand é a favorita deste ano), roteiro original, ator coadjuvante (categoria à qual Sam Rockwell e Woody Harrelson foram indicados) e ainda aos prêmios de montagem e trilha sonora. Na temporada, o longa-metragem já ganhou quatro destaques no Globo de Ouro (incluindo melhor filme de drama), além de outras distinções importantes, como melhor elenco de acordo com o sindicado de atores de Hollywood.
Completam o elenco nomes como Lucas Hedges (jovem indicado ao Oscar no ano passado por Manchester à beira-mar) e Peter Dinklage (famoso por Game of Thrones).