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Jornal da Lei

- Publicada em 09 de Fevereiro de 2018 às 15:16

'Aplicar in dubio pro societate em ações penais é retrocesso'

Advogado diz que, em algumas medidas cautelares, princípio pode ser válido

Advogado diz que, em algumas medidas cautelares, princípio pode ser válido


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Igor Natusch
Princípio que prevê colocar, em determinadas situações, o interesse coletivo acima das garantias do réu, o "in dubio pro societate" desperta profundas divergências no pensamento jurídico. Em complemento à matéria publicada na edição de 12 de fevereiro, o Jornal da Lei falou com o ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União Fábio Medina Osório. Doutor em Direito Administrativo, pela Universidade Complutense de Madri, e em Direito Público, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele atua hoje como advogado titular do escritório Medina Osório Associados.
Princípio que prevê colocar, em determinadas situações, o interesse coletivo acima das garantias do réu, o "in dubio pro societate" desperta profundas divergências no pensamento jurídico. Em complemento à matéria publicada na edição de 12 de fevereiro, o Jornal da Lei falou com o ex-ministro-chefe da Advocacia-Geral da União Fábio Medina Osório. Doutor em Direito Administrativo, pela Universidade Complutense de Madri, e em Direito Público, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele atua hoje como advogado titular do escritório Medina Osório Associados.
Jornal da Lei - De que modo o "in dubio pro societate" foi ingressando no pensamento jurídico brasileiro? 
Fábio Medina Osório - Os princípios jurídicos são normas que podem ser implícitas ou explícitas, decorrentes do sistema brasileiro ou internacional. O "in dubio pro societate" não tem previsão expressa alguma no sistema jurídico brasileiro. Todavia, não se pode esquecer que o poder punitivo do Estado encontra raízes no chamado poder de polícia, que se fundava no Estado de Polícia, ainda no século XIX. Este Estado de Polícia evoluiu para o Estado Moderno, com a separação de Poderes, e um dos pilares dessa evolução foi o próprio Direito Penal, uma conquista iluminista. O nascimento do Direito Penal deu aos indivíduos uma série de garantias e humanizou as penas, mas uma série de medidas cautelares persistiram, pautadas na supremacia do interesse público sobre o particular. O princípio (in dubio pro societate) persiste no Direito Público punitivo? Em numerosos dispositivos, sim; em outros casos, não.
Jornal da Lei - O senhor pode citar exemplos?
Medina Osório - Para juízos de recebimento de ações penais ou de improbidade, entendo que não deveria mais vigorar esse vetusto princípio do "in dubio pro societate", porque a própria lei contempla causas de absolvição sumária e improcedência imediata das acusações. No entanto a jurisprudência ainda é reticente, com vários julgados que aplicam tal "princípio" no recebimento de ações penais e de improbidade. Há julgados, inclusive do STF, que recebem denúncias baseadas em leves indícios, o que é um retrocesso. Se as instituições fiscalizadoras não reúnem provas suficientes para embasar uma espécie de pretensão plausível, é porque não investigaram bem, e isso indica falha do Estado. No entanto, para muitas medidas cautelares, esse princípio persiste válido, tais como o provimento da indisponibilidade de bens. No entanto, mesmo nesses casos, cabe verificar se há necessidade concreta, pois não se pode liquidar empresas e inviabilizar suas atividades, o que seria paradoxal até mesmo em vista da necessidade de ressarcimento ao erário.
Jornal da Lei - Existem situações em que invocar o "in dubio pro societate" traz vantagens à sociedade?
Medina Osório - Existe vantagem, por exemplo, para salvaguardar uma investigação sigilosa de organização criminosa. Há casos em que simplesmente não é possível estabelecer proteção a priori de interesses individuais, a não ser através da própria magistratura. Imagine-se uma interceptação telefônica em que se avisasse antecipadamente o investigado, ou uma busca e apreensão. Seria absurdo? Ou uma infiltração de policiais numa organização criminosa? Evidente que o juiz precisará analisar os elementos probatórios e indiciários para autorizar medidas dessa envergadura, mas abdicará do contraditório e da ampla defesa, o que não deixa de ser uma projeção do "ïn dubio pro societate".
Jornal da Lei - Alguns juristas associam o emprego do "in dubio pro societate" a uma ênfase maior no aspecto securitário do Direito, o que colocaria salvaguardas democráticas em risco. O senhor concorda?
Medina Osório - A tendência é o equilíbrio razoável entre direitos fundamentais e interesses individuais, sendo necessária a credibilidade da atuação das instituições e dos advogados. Não há direitos absolutos. Tampouco se valorizam nulidades puramente formais, sem prejuízos que se possam aquilatar. A sociedade tem mecanismos robustos de proteção contra o crime organizado, mas isso não significa que os direitos fundamentais dos acusados e investigados foram abandonados. Existem também instrumentos idôneos de proteção, e o Brasil vive na plenitude um Estado Democrático de Direito. (Mas é) imperioso fortalecer a transparência da atuação das autoridades e o controle e a responsabilidade de todos.
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