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Cinema

- Publicada em 25 de Janeiro de 2018 às 23:44

Temas diluídos

Hélio Nascimento
Um filme como Lou, que procura ser um relato sobre a trajetória de uma mulher que conviveu de maneiras diversas com figuras importantes do século passado, termina colocando na tela, sem que tenha sido esta a intenção da diretora Cordula Kabitz-Post, uma série de questões interessantes e que se relacionam diretamente com tentativas de ser encontrada a essência do cinema. Qualquer espectador realmente interessado pela linguagem cinematográfica perceberá os erros, os equívocos e as superficialidades que se espalham pela narrativa. E como o filme é um desses que se beneficiam do interesse que o tema abordado desperta, vale a pena um olhar mais demorado sobre o que ele pretende e o que consegue realizar. Estamos diante de um trabalho que ilustra com perfeição o fato de que, por vezes, é enorme o espaço que separa a intenção e o realmente alcançado. Cinema, entre outras coisas, é a arte da síntese, não importando o tempo de projeção de um filme. Um curta-metragem pode ser tão eloquente quanto um longa de quatro horas. Mas ambos serão importantes se os temas focalizados forem expostos de forma concisa, sem adereços dispensáveis e, sobretudo, sem que acontecimentos verdadeiros ou situações criadas para esclarecer aqueles não sofram do mal da superficialidade. Um dos personagens focalizados pelo filme, Sigmund Freud, foi, no ano de 1962, protagonista de um dos melhores filmes de John Huston. Num episódio bastante revelador - e que hoje integra a história do cinema - o cineasta encomendou a Jean-Paul Sartre o roteiro sobre o qual iria trabalhar.
Um filme como Lou, que procura ser um relato sobre a trajetória de uma mulher que conviveu de maneiras diversas com figuras importantes do século passado, termina colocando na tela, sem que tenha sido esta a intenção da diretora Cordula Kabitz-Post, uma série de questões interessantes e que se relacionam diretamente com tentativas de ser encontrada a essência do cinema. Qualquer espectador realmente interessado pela linguagem cinematográfica perceberá os erros, os equívocos e as superficialidades que se espalham pela narrativa. E como o filme é um desses que se beneficiam do interesse que o tema abordado desperta, vale a pena um olhar mais demorado sobre o que ele pretende e o que consegue realizar. Estamos diante de um trabalho que ilustra com perfeição o fato de que, por vezes, é enorme o espaço que separa a intenção e o realmente alcançado. Cinema, entre outras coisas, é a arte da síntese, não importando o tempo de projeção de um filme. Um curta-metragem pode ser tão eloquente quanto um longa de quatro horas. Mas ambos serão importantes se os temas focalizados forem expostos de forma concisa, sem adereços dispensáveis e, sobretudo, sem que acontecimentos verdadeiros ou situações criadas para esclarecer aqueles não sofram do mal da superficialidade. Um dos personagens focalizados pelo filme, Sigmund Freud, foi, no ano de 1962, protagonista de um dos melhores filmes de John Huston. Num episódio bastante revelador - e que hoje integra a história do cinema - o cineasta encomendou a Jean-Paul Sartre o roteiro sobre o qual iria trabalhar.
Sartre trabalhou durante oito meses e entregou a Huston um roteiro de 450 páginas. Huston pediu então uma redução. Em vez disso, Sartre, depois de algum tempo, apareceu com um roteiro de 870 páginas. Houve nova discussão, e o filósofo e romancista voltou com um novo texto, este com mil páginas. O próprio Sartre terminou reconhecendo que um filme baseado em seu trabalho teria oito horas de duração, o que não seria viável. Este conflito entre um cineasta e um escritor exemplifica que a imagem na tela exige síntese, antes de mais nada. A volta ao lar depois da guerra foi sintetizada e engrandecida por Griffith no plano da mão que acaricia a cabeça do combatente na porta da casa em Nascimento de uma nação. E Eisenstein sintetizou a repressão nas cenas da escadaria em O encouraçado Potemkin, um massacre que nunca aconteceu e que o cineasta inventou para definir a força da opressão. Estes dois mestres apontaram o caminho e, de certa forma, definiram a sua arte, e, com as variações que o tempo e as inovações fazem aparecer, é isso que até hoje tem sido feito. A realizadora de Lou faz o contrário. Em vez de focalizar um episódio revelador, como Huston fez no seu filme sobre Freud, ela acumulou, de forma superficial, uma série de acontecimentos, que vão da opressão familiar à luta pela emancipação feminina, passando pela repressão sexual, pela tirania nazista e pelos retratos de figuras como Nietzsche e Rilke.
O resultado é um acúmulo de situações que terminam se desfazendo em situações tão artificiais como aquele recurso de fazer os personagens se moverem em gravuras da época. Melhor é o recurso da lupa utilizada pela protagonista, uma forma de ilustrar seu empenho em entender melhor tudo o que havia acontecido. Em alguns trechos, o filme tenta uma aproximação com Jules e Jim, um dos grandes momentos da obra de Truffaut, mas falta um texto de qualidade para acompanhar as imagens, e nada do que se ouve pode ser comparado à partitura de Georges Delerue. George Roy Hill, em Butch Cassidy, homenageou aquela obra-prima de forma mais apropriada, inclusive pela utilização da bicicleta. Assim, Lou é desses filmes que, embora seja a escolha de um tema merecedor de atenção, faz muito pouco para se constituir em algo que lance alguma luz sobre os acontecimentos que abordam. A mãe que oprime, a jovem que procura escapar dos limites impostos, o regime que vê no marxismo e na psicanálise ciências que devem ser exterminadas por serem oriundas do judaísmo, e as distorções geradas pela repressão sexual são temas que aparecem no filme, mas são diluídos por uma direção que transforma personagens em bonecos bem maquiados, mas desprovidos de vida.
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