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centenário da revolução russa

- Publicada em 24 de Outubro de 2017 às 22:27

Da Guerra Fria ao colapso


LEHTIKUVA/AFP/JC
Quem viu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se dissolver, em dezembro de 1991, possivelmente não acompanhou com atenção o processo de desestruturação do bloco de países socialistas. O fim da experiência iniciada 74 anos antes foi o ponto final de uma série de decisões e ações políticas e econômicas internacionais, e, principalmente, das próprias nações integrantes do superestado soviético.
Quem viu a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se dissolver, em dezembro de 1991, possivelmente não acompanhou com atenção o processo de desestruturação do bloco de países socialistas. O fim da experiência iniciada 74 anos antes foi o ponto final de uma série de decisões e ações políticas e econômicas internacionais, e, principalmente, das próprias nações integrantes do superestado soviético.
Com a morte de Josef Stálin, em 1953, Nikita Khrushchev assumiu o comando da URSS. Foi sob a liderança dele que a tensão acerca de uma guerra nuclear com os norte-americanos chegou ao ápice. A Guerra Fria - sistema de equilíbrio político-militar no qual as duas potências se provocavam, mas evitavam lançar o primeiro míssil - moldou a segunda metade do século XX.
Khrushchev comandava a URSS na assinatura do Pacto de Varsóvia (aliança militar entre os países socialistas do Leste), em 1955, e era ele quem dava as cartas quando da Crise dos Mísseis (durante 13 dias, em outubro de 1962, um impasse entre EUA e URSS envolvendo a instalação de mísseis nucleares soviéticos em Cuba quase levou o mundo a um conflito atômico).
O governo de Khrushchev marcou uma mudança na política econômica, diminuindo as perseguições políticas e estimulando o consumo. Stálin prometeu a universalização dos serviços, e isso aconteceu, com as desigualdades tendo sido reduzidas. Khrushchev quis, então, dar o passo seguinte. Ao aumentar a produção de bens de consumo e diminuir o investimento nos bens de capital, o governo satisfez o desejo da população, mas, posteriormente, outro descontentamento surgiu. "Se você começa a encher de eletrodomésticos, mas não investe o suficiente em energia, mais adiante haverá um problema", diz o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Paulo Visentini.
O modo impulsivo de gerir acabou por derrubar Khrushchev em 1964. No lugar dele, assumiu Leonid Brejnev, que estabilizou o regime. Com ele, a URSS chegou ao apogeu econômico, com as condições de vida melhorando significativamente na década de 1970. A estabilização, porém, gerou uma burocracia acomodada.
Foi na década de 1970, contudo, que a superestrutura começou a colapsar. O aumento do preço do petróleo permitiu que a URSS acumulasse capital. Com o dinheiro obtido, patentes tecnológicas foram compradas. A tecnologia importada, no entanto, traz consigo um problema: exige constante atualização. Quando os soviéticos adotaram essa política, o preço do petróleo estava em alta. O bloco não se deu conta, porém, de que ficou dependente do mercado internacional. Nos anos 1980, o preço do petróleo caiu, e ocorreu um estrangulamento econômico.
Paralelamente, os EUA de Ronald Reagan desencadearam uma corrida armamentista que a URSS não tinha recursos para competir. Assim, a sociedade começou a se desencantar. Quando Mikhail Gorbachev assumiu o governo, em 1985, havia esperança de uma renovação. O que ocorreu, no entanto, foi uma desagregação com a consequente cisão no Partido Comunista: de um lado, Gorbachev, o líder da URSS, e, de outro, Boris Yeltsin, o presidente da Rússia.
Enquanto o primeiro queria realizar algumas reformas, o segundo desejava acabar com tudo o que estava estabelecido. "A URSS se dissolve não porque as repúblicas saíram do bloco, mas porque a Rússia saiu", diz Visentini. A força para mudança existia dentro da Rússia, mas não da União Soviética. A maioria das repúblicas ficou independente contra a vontade.
Em 1991, Yeltsin decide que toda a arrecadação das empresas em território russo pertenceria ao governo da Rússia. Sem contar com uma fonte de financiamento, o bloco não se sustentou. "A força que sabotou o edifício foi a Rússia de Yeltsin", conclui Visentini.

Revolução deixou legados econômicos, políticos e sociais

O fim da experiência soviética foi impactante. No primeiro momento, houve um alívio com o fim da Guerra Fria e a atenuação do risco de uma guerra nuclear. O que se viu, entretanto, sem a dicotomia URSS/EUA, foram explosões de conflitos localizados. "Houve um desequilíbrio. Saímos de um sistema, mas ainda não criamos outro", afirma Visentini.
Considerando que as ideias de Karl Marx tinham como base sociedades industrializadas, o fato de a revolução ter ocorrido em uma nação predominantemente agrícola já é um legado. "Foi um país atrasado que conseguiu, com força própria, se tornar uma superpotência", pondera o professor da Ufrgs. O acadêmico destaca, ainda, que a Rússia e a China foram os dois únicos países que conseguiram, durante o século XX, se desenvolver, ao mesmo tempo, social e economicamente.
O professor Fabiano Mielniczuk, doutor em Relações Internacionais pelo Iripuc-Rio, acredita que a resposta ao experimento de uma economia planificada pode ser resgatada. "Durante a década de 1930, a economia mundial explodiu e, em contrapartida, a URSS crescia 11% ao ano. Isso despertou um medo nos países do Ocidente a respeito da ineficiência do capitalismo em relação à economia planificada", argumenta.
Ao fim da Segunda Guerra, a opinião popular sobre a importância da Rússia na derrota no nazismo preocupava o Ocidente. Para evitar que o comunismo crescesse, o mundo liberal reagiu com o fortalecimento do estado de bem-estar social. Com o fim da Guerra Fria e da própria URSS, esse estado é desmantelado, e a ideologia neoliberal surge com força.
O grande legado da experiência comunista, para Mielniczuk, foi a resposta social-democrata e a aceitação deste modelo como uma forma de diminuir a legitimidade dos partidos comunistas na Europa. "Era cool ser comunista nos anos 1950 e 1960. Mais tarde, depois de repressões às manifestações por liberdade dentro de um partido comunista, os intelectuais começaram a ver que não era bem assim", justifica.
No entanto, para o diretor da Audiplo-Educação e Relações Internacionais, se comparado ao regime ocidental da época, é possível dizer que o comunismo deu certo. "Os custos foram altíssimos em termos de pressão política, de degradação ambiental, mas o progresso da URSS foi muito maior no período", explica. Por outro lado, enquanto o Ocidente foi capaz de se reinventar nos anos 1970, com a Terceira Revolução Industrial, o mesmo não ocorreu na URSS. "É muito mais difícil ter recursos para investir em uma renovação tecnológica em uma economia planificada", aponta o professor.
Outros levantes ocorreram na esteira do movimento de 1917, como a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959). O Partido Comunista que liderou o processo na China foi criado, nos anos 1920, por influência do Partido Comunista soviético. No entanto, a China não importou as particularidades do Socialismo em Um País Só. "Os chineses estudaram muito o caso da URSS para evitar repetir erros", aponta Mielniczuk.
No caso cubano, a revolução de Fidel Castro não foi vista com bons olhos pelos soviéticos. Conforme Visentini, havia um receio em Moscou de que um regime comunista na ilha caribenha fosse visto como uma interferência da URSS na região, o que soaria como provocação aos Estados Unidos.
Embora ainda existam entusiastas do regime soviético, Visentini acredita que o sistema não irá se repetir. "O centenário da Revolução Russa é um convite para se refletir. Já passou e nada se repete, nenhuma revolução foi igual à outra. A Rússia não vai voltar a ser o que era, isso não existe", garante.
Hoje, a Rússia é um país liberal, com governo de economia de mercado. Sob o comando de Vladimir Putin, o Estado é forte e controla os principais setores da economia. O Partido Comunista recebe, em média, 15% dos votos nas eleições. "Ninguém adota o comunismo como alternativa. Quem viveu o comunismo no Leste da Europa já o esqueceu", finaliza Mielniczuk.
Visentini reforça a visão de que, no Leste europeu, os povos estão felizes porque o comunismo terminou. No caso dos russos, porém, há uma ambiguidade na percepção pós-URSS. "Naquela época, eles eram uma superpotência. Eram amados, respeitados ou temidos. Coisa que a Rússia posterior não foi mais", conclui.

Revolução deixou legados econômicos, políticos e sociais

O fim da experiência soviética foi impactante. No primeiro momento, houve um alívio com o fim da Guerra Fria e a atenuação do risco de uma guerra nuclear. O que se viu, entretanto, sem a dicotomia URSS/EUA, foram explosões de conflitos localizados. "Houve um desequilíbrio. Saímos de um sistema, mas ainda não criamos outro", afirma Visentini.
Considerando que as ideias de Karl Marx tinham como base sociedades industrializadas, o fato de a revolução ter ocorrido em uma nação predominantemente agrícola já é um legado. "Foi um país atrasado que conseguiu, com força própria, se tornar uma superpotência", pondera o professor da Ufrgs. O acadêmico destaca, ainda, que a Rússia e a China foram os dois únicos países que conseguiram, durante o século XX, se desenvolver economicamente e socialmente ao mesmo tempo.
O professor Fabiano Mielniczuk, doutor em Relações Internacionais pelo IRIPUC-Rio, acredita que a resposta ao experimento de uma economia planificada pode ser resgatada. "Durante a década de 1930, a economia mundial explodiu e, em contrapartida, a URSS crescia 11% ao ano. Isso despertou um medo nos países do Ocidente a respeito da ineficiência do capitalismo em relação à economia planificada", argumenta.
Ao fim da Segunda Guerra, a opinião popular sobre a importância da Rússia na derrota no nazismo preocupava o Ocidente. Para evitar que o comunismo crescesse, o mundo liberal reagiu com o fortalecimento do estado de bem-estar social. Com o fim da Guerra Fria e da própria URSS, esse estado é desmantelado e a ideologia neoliberal surge com força.
O grande legado da experiência comunista, para Mielniczuk, foi a resposta social-democrata e a aceitação deste modelo como uma forma de diminuir a legitimidade dos partidos comunistas na Europa. "Era cool ser comunista nos anos 1950 e 1960. Mais tarde, depois de repressões às manifestações por liberdade dentro de um partido comunista, os intelectuais começaram a ver que não era bem assim", justifica.
No entanto, para o diretor da Audiplo-Educação e Relações Internacionais, se comparado ao regime ocidental da época, é possível dizer que o comunismo deu certo. "Os custos foram altíssimos em termos de pressão política, de degradação ambiental, mas o progresso da URSS foi muito maior no período", explica. Por outro lado, enquanto o Ocidente foi capaz de se reinventar nos anos 1970, com a Terceira Revolução Industrial, o mesmo não ocorreu na URSS. "É muito mais difícil ter recursos para investir em uma renovação tecnológica em uma economia planificada", aponta o professor.
Outros levantes ocorreram na esteira do movimento de 1917, como a Revolução Chinesa (1949) e a Revolução Cubana (1959). O Partido Comunista que liderou o processo na China foi criado, nos anos 1920, por influência do Partido Comunista soviético. No entanto, a China não importou as particularidades do Socialismo em Um País Só. "Os chineses estudaram muito o caso da URSS para evitar repetir erros", aponta Mielniczuk.
No caso cubano, a revolução de Fidel Castro não foi vista com bons olhos pelos soviéticos. Conforme Visentini, havia um receio em Moscou de que um regime comunista na ilha caribenha fosse visto como uma interferência da URSS na região, o que soaria como provocação aos Estados Unidos.
Embora ainda existam entusiastas do regime soviético, Visentini acredita que o sistema não irá se repetir. "O centenário da Revolução Russa é um convite para se refletir. Já passou e nada se repete, nenhuma revolução foi igual a outra. A Rússia não vai voltar a ser o que era, isso não existe", garante.
Hoje, a Rússia é um país liberal, com governo de economia de mercado. Sob o comando de Vladimir Putin, o Estado é forte e controla os principais setores da economia. O Partido Comunista recebe, em média, 15% dos votos nas eleições. "Ninguém adota o comunismo como alternativa. Quem viveu o comunismo no Leste da Europa já o esqueceu", finaliza Mielniczuk.
Visentini reforça a visão de que, no Leste europeu, os povos estão felizes porque o comunismo terminou. No caso dos russos, porém, há uma ambiguidade na percepção pós-URSS. "Naquela época, eles eram uma superpotência. Eram amados, respeitados ou temidos. Coisa que a Rússia posterior não foi mais", conclui.