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CENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO RUSSA

- Publicada em 20 de Outubro de 2017 às 16:28

Há 100 anos, Revolução Russa reescrevia a história

Em outubro de 1917, bolcheviques liderados por Lênin tomaram o poder e instalaram regime socialista

Em outubro de 1917, bolcheviques liderados por Lênin tomaram o poder e instalaram regime socialista


REPRODUÇÃO/JC
Juliano Tatsch e Suzy Scarton
Juliano Tatsch e Suzy Scarton
Como teria sido o século XX e como seria o mundo hoje se homens e mulheres revolucionários, da cidade e do campo, não tivessem se levantado em 1917 para dar fim ao império russo e implantar o primeiro Estado socialista da história? Passados 100 anos da revolução que balançou o tabuleiro do jogo geopolítico mundial, muito já foi debatido, estudado e julgado a respeito do episódio. Criticado por um lado, defendido por outro, o regime instalado pelos bolcheviques em outubro de 1917 é, inegavelmente, um marco sem precedentes na história. Assim ele precisa ser, mais do que condenado ou saudado, compreendido.
Após a libertação da dominação mongol, no final do século XIII, os russos se estabeleceram como líderes dos povos eslavos, expandindo consideravelmente seu território - cerca de sete vezes - até o momento em que o último czar, Nicolau II, subiu ao trono, em 1894. A explosão populacional, somada à miséria em um país onde 80% da população vivia em áreas rurais, acabaria por criar um cenário de crescente convulsão social. Na Rússia imperial, a palavra do czar era a lei.
A primeira tentativa de derrubar o czarismo se deu no final de 1825. Forças russas repeliram a tentativa de invasão napoleônica em 1812 e perseguiram as tropas francesas até Paris dois anos depois. Após entrarem em contato com os ideais liberais, oficiais russos retornaram ao país e formaram uma sociedade secreta com o objetivo de dar fim ao regime autocrático. Em dezembro de 1825, o grupo, que ficou conhecido como os Dezembristas, tentou um golpe, mas fracassou. Todos os integrantes foram executados a mando do czar Nicolau I (1825-1855). Conforme o doutor em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Fabiano Mielniczuk, a iniciativa foi pouco significativa, mas mostrou que havia uma semente liberal plantada.
A derrota para a Inglaterra na Guerra da Crimeia (1853-1856), expondo o atraso tecnológico e militar do país, desestabilizou ainda mais o ambiente interno. Como resposta, Alexandre II, que subiu ao trono em 1855, em um breve aceno liberal, determinou o fim da servidão, em 1861. Segundo Mielniczuk, o que houve de fato, porém, foi uma negociação para que os camponeses comprassem as terras de seus antigos senhores, pagando com trabalho na própria propriedade. Assim, uma medida pretensamente liberal acabou por gerar ainda mais desagrado no campo.
Sem espaço para dar vazão aos pensamentos liberais, a juventude crítica encontrou eco nos ideais socialistas. Em 1879, é criado o Vontade do Povo, grupo anarquista responsável pelo assassinato do czar Alexandre II, em 1881, o qual deu origem ao Partido Socialista Revolucionário, surgido em 1902. O czar assassinado foi sucedido por Alexandre III, que governou, sem conseguir estabilizar a nação, de 1881 até 1894, quando, por fim, assumiu Nicolau II.
O movimento de abertura política crescia, e, em 1898, foi criado o Partido Operário Social-Democrata. Cinco anos depois, devido a divergências internas, a organização se dividiu em dois braços: mencheviques e bolcheviques. A principal diferença entre os dois grupos, segundo o jornalista norte-americano John Reed, que acompanhou in loco os acontecimentos que antecederam e resultaram na revolução, era que os mencheviques consideravam a Rússia não economicamente madura para a revolução social, sendo possível apenas uma revolução política. "Para eles, as massas não estavam preparadas para tomar o poder. Os mencheviques acreditavam que a Rússia precisava, antes, passar pelas etapas de desenvolvimento econômico e político vividas pela Europa ocidental", diz Reed, autor do célebre livro "Dez dias que abalaram o mundo".
Os bolcheviques - liderados por Vladimir Ilich Ulianov, de codinome Lênin -, por sua vez, destaca Reed, "propunham a insurreição proletária imediata e a tomada das rédeas do governo, a fim de acelerar o advento do socialismo por meio da tomada à força da indústria, das terras, dos recursos naturais e das instituições financeiras". Foi essa visão, de uma revolução mais radical, que se impôs.

Fragmentação política, debilidade pela guerra e ascensão da esquerda

A tensão na maior nação em território do planeta seguia crescendo e, em 1905, houve mais uma tentativa de derrubar o regime czarista. O país estava, novamente, envolvido em uma guerra (contra o Japão, pelo domínio da Manchúria e da Coreia), na qual as derrotas militares se sucediam.
Durante o conflito, um incidente marcou um ponto de inflexão. No dia 9 de janeiro de 1905, uma multidão liderada por um padre rumava em direção ao Palácio de Inverno do czar, em São Petersburgo. O grupo desejava entregar uma petição ao líder. Nicolau II, porém, não estava no local, e sua guarda abriu fogo, promovendo um massacre.
O professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) Paulo Fagundes Visentini aponta que esse acontecimento "rompeu o elo entre o povo e o seu soberano".
Como resposta, uma insurgência se espalhou pelo país, com greves, saques, destruição de propriedades e assassinatos de nobres. O imperador tentou arrefecer os ânimos propondo reformas e convocando a Duma, o parlamento consultivo. Em setembro, foi assinado o acordo de paz com o Japão. Em outubro, os primeiros Sovietes - conselhos - de operários e soldados se formaram.
Sem liderança, no entanto, os revolucionários foram sufocados pela repressão. Os sovietes foram esmagados, ataques violentos com fins antissemitas, conhecidos como pogroms, ocorreram, e a Duma foi esvaziada. O espírito revolucionário, porém, sobreviveu.
Com o passar dos anos, a perseguição por parte do império diminuiu, e os movimentos contestadores voltaram a crescer. Pressionado, por um lado, pela França e pela Inglaterra, e, por outro, pelo círculo de poder interno, que acreditava em um conflito militar como forma de unir a nação, Nicolau II ingressou na Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
A decisão, entretanto, debilitou ainda mais o país. Com a mobilização de 12 milhões de soldados, sem armamentos e mantimentos, derrotas foram se acumulando em 1916. A soma de fatores - Exército enfraquecido, fome interna e desestruturação do governo - acabou por colapsar o império. Em fevereiro de 1917, revoltas e uma greve de quase 300 mil operários, apoiada pelo Parlamento, acabou por levar à renúncia do czar, em 2 de março.
Com o fim da dinastia Romanov - há três séculos no poder -, o comitê criado pelos membros da Duma para articular uma saída negociada para a crise se tornou um governo provisório. Paralelamente, os sovietes se reorganizavam. A partir daí, estabeleceu-se um governo dual. De um lado, um poder provisório (formal), que representava os interesses da elite conservadora; e, de outro, os sovietes, com grande presença dos bolcheviques.
O governo provisório, porém, tinha se comprometido a seguir na guerra, algo que o país já não mais suportava. "Ninguém mais aguentava a guerra. Os soldados desertavam e voltavam para casa. Então, já estava em marcha. Só faltava uma liderança", destaca Visentini.
Essa liderança surgiu em abril, quando Lênin retornou do exílio na Suíça. Um mês depois, o até então menchevique Leon Trótski mudou de lado e aderiu às teses leninistas. A tensão se mantinha, com ofensivas russas derrotadas na guerra e a tentativa de derrubada do governo provisório. Percebendo o avanço da esquerda, o governo ainda tentou conter a marcha revolucionária, mas não teve forças para isso.
Por fim, mobilizando a Guarda Vermelha e atraindo a população com o lema "Paz, pão e terra", os bolcheviques tomaram o poder, em 25 de outubro. A história mundial estava sendo escrita no Leste europeu.