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Direito Internacional Público

- Publicada em 31 de Outubro de 2017 às 08:19

Possibilidade de guerra nuclear expõe fragilidades jurídicas

Com retórica belicista, os presidentes da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e dos Estados Unidos, Donald Trump, elevam risco de conflito

Com retórica belicista, os presidentes da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e dos Estados Unidos, Donald Trump, elevam risco de conflito


/KCNA VIA KNS/DIVULGAÇÃO/JC
A tensão existente entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, que vem marcando a pauta internacional, não é recente. Desde 1950, quando a Coreia do Norte (oficialmente, República Popular Democrática da Coreia) invadiu a Coreia do Sul (oficialmente, República da Coreia), deflagrou-se a Guerra da Coreia, cuja trégua só foi assinada três anos depois. No entanto, não houve um consenso de paz, e as Coreias permanecem, tecnicamente, em guerra até hoje.
A tensão existente entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, que vem marcando a pauta internacional, não é recente. Desde 1950, quando a Coreia do Norte (oficialmente, República Popular Democrática da Coreia) invadiu a Coreia do Sul (oficialmente, República da Coreia), deflagrou-se a Guerra da Coreia, cuja trégua só foi assinada três anos depois. No entanto, não houve um consenso de paz, e as Coreias permanecem, tecnicamente, em guerra até hoje.
O desenvolvimento de armas nucleares foi a maneira encontrada pelo governo norte-coreano para evitar que a campanha pela unificação das Coreias, aventada por diversas nações, ganhasse força ao redor do mundo. A Coreia do Norte vive um regime comunista, de partido único, sob o comando da dinastia Kim. O atual líder supremo, Kim Jong-un, recebeu, nas eleições mais recentes, 100% dos votos - não há oposição nem discordância, dentro do país, a respeito da soberania de Kim. Hoje, o mundo pouco sabe sobre a nação, que proíbe a liberdade de imprensa e qualquer intervenção externa.
O que se sabe, no entanto, é que Kim Jong-un não mede palavras ao ameaçar os Estados Unidos, já tendo dito, inclusive, que pretendia destruir o país completamente, ao que Donald Trump, o atual presidente norte-americano, garantiu que responderia com "fogo e fúria jamais vistos". A tensão se agrava à medida em que boatos de que Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, conseguiu miniaturizar uma ogiva nuclear para caber em um míssil intercontinental, algo há muito temido pelos Estados Unidos.
A possibilidade de eclosão de uma guerra nuclear - a primeira na história - é vista como real pelo advogado e professor de Direito Internacional Valerio Mazzuoli. "Há governantes que não têm a mínima preocupação com a segurança do planeta e vislumbram apenas interesses pessoais. Levo muito a sério as ameaças que a Coreia do Norte tem feito", argumenta o autor do livro "Curso de Direito Internacional Público" (Revista dos Tribunais, preço sugerido R$ 303,90).
O presidente da Comissão de Relações Internacionais e Integração do Mercosul da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Rodrigo Prestes da Silva, acredita que um conflito nuclear é uma possibilidade remota. "Provavelmente, haveria uma mobilização contrária da China e da Coreia do Sul. Não é do interesse deles entrar em guerra", explica Silva. A Coreia do Sul, inclusive, teme uma unificação com uma Coreia do Norte em colapso, ao exemplo do que houve com as Alemanhas Oriental e Ocidental pós-queda do Muro de Berlim, em 1989. Além disso, a população norte-coreana, no caso de uma guerra, procuraria refúgio próximo, provavelmente no território chinês ou sul-coreano.
A verdade é que, do ponto de vista jurídico, o Direito Internacional Público (DIP) pouco pode fazer para impedir o início de uma guerra. "É lindo na teoria, mas absolutamente ineficaz na prática. Uma vez que um chefe de Estado resolve apertar um botão e lançar uma ogiva nuclear, não haverá DIP para salvar ninguém", avalia Mazzuoli.
O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) é o principal mecanismo de tomada de decisões envolvendo segurança. Atualmente, os membros do Conselho já impuseram algumas sanções à Coreia do Norte, mas uma moção para se iniciar um conflito armado na região pode vir a ser solicitada por um dos países. "Tanto a Rússia como a China têm poder de veto e, provavelmente, barrariam uma moção nesse sentido", explica Silva. Além disso, Estados Unidos e Coreia do Norte estariam obrigados a cumprir as decisões do Conselho de Segurança - no entanto, isso nem sempre ocorre, e não há muita opção, na lei, para punir os países que descumprem regramentos internacionais.

Autonomia dos países se sobrepõe a tratados supranacionais

Para evitar que a produção de armas nucleares cresça exponencialmente pelo mundo, foi assinado, em 1968, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, firmado por 189 países, entre eles, o Brasil. Desses países, cinco - Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China - reconhecem ser detentores de armas nucleares. A Coreia do Norte revogou o tratado em 2003, o que abre campo para que o país aja em desacordo com as normas internacionais. "O tratado é preventivo, mas é preciso repressão aos atos atentatórios da segurança internacional, e nisso o Conselho de Segurança da ONU tem papel fundamental", avalia o professor de Direito Internacional Público Valerio Mazzuoli.
O regramento internacional não permite que um país ataque de modo preventivo - apenas revide. No entanto, o presidente da Comissão de Missão de Relações Internacionais e Integração do Mercosul da seccional gaúcha da OAB, Rodrigo Prestes da Silva, esclarece que, às vezes, os países interpretam que o ataque é a melhor defesa. No caso de um ataque atual ou iminente, a Carta da ONU autoriza a legítima defesa - no artigo 51, consta que "nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais". Uma vez que ainda não houve ação armada contra os EUA, apenas ameaças, uma defesa bélica não se justifica. "Isso também gera um clima de tensão no cenário internacional, porque qualquer ato de Estado que seja precipitado pode transformar a vítima em criminoso. É realmente muito complicado", pondera Mazzuoli.
Atualmente, a criação de um Direito Internacional supranacional, que fique acima de leis internas dos países, é vista como utópica por Silva. "Já existem países que abrem parte da soberania, como a Holanda, onde tratados são colocados acima da constituição holandesa, e a Costa Rica, que abriu mão de possuir um exército. Ainda faltam 191 países, mas já temos esses primeiros passos", detalha. A posição de Mazzuoli, no entanto, é mais pessimista. Apesar de reconhecer que é "defensável e imperioso" um DIP supranacional, na prática, o que se vê é um profundo desrespeito às normas que os estados mesmo criam. "Não há tolerância, respeito ao outro e braços dados nas relações internacionais na prática. Os Estados treinam diplomatas para dar conta das relações pacíficas entre as nações, mas os chefes que estão no poder jogam tudo no ralo", lamenta o professor, autor de mais de 20 livros na área.
Ambos concordam, porém, que um governo como o de Trump, que retira os EUA de organizações como a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e que desautoriza acordos como o com o Irã, expõe a fragilidade da efetividade do DIP. "É uma das facetas mais lamentáveis da conduta internacional. Temos que pensar urgentemente em um novo modelo de Direito Internacional, que tenha força, e em uma reforma urgente das Nações Unidas, especialmente do Conselho de Segurança, pois não é brincadeira o que vem acontecendo. Depois de tantos livros e estudos, estou convencido que o DIP tem fracassado constantemente", conclui Mazzuoli.