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Finanças

- Publicada em 09 de Outubro de 2017 às 21:46

Juros, spread e inadimplência prejudicam crédito no Brasil

Para Luiz Rabi, da Serasa Experian, consumo está voltando a ser financiado e inadimplência já mostra queda

Para Luiz Rabi, da Serasa Experian, consumo está voltando a ser financiado e inadimplência já mostra queda


/ITAMAR AGUIAR/AG. FREELANCER/FOLHAPRESS/JC
A copeira Maria Aparecida de Souza, de 47 anos, comprou em julho uma televisão de 43 polegadas, com tecnologia 4K, em 14 prestações mensais de R$ 347,00 numa grande rede varejista. À vista, o aparelho custa R$ 2,4 mil; mas, financiado, o valor sobe a R$ 4,8 mil ao fim do prazo. Embora a prestação seja razoável, a taxa de juros mensal embutida no crediário é de 11,18%, o que equivale a 256,71% ao ano, mais de 30 vezes maior que a taxa básica de juros (Selic), hoje em 8,25%. Ou seja, na prática, Maria Aparecida comprou uma TV, mas vai pagar duas.
A copeira Maria Aparecida de Souza, de 47 anos, comprou em julho uma televisão de 43 polegadas, com tecnologia 4K, em 14 prestações mensais de R$ 347,00 numa grande rede varejista. À vista, o aparelho custa R$ 2,4 mil; mas, financiado, o valor sobe a R$ 4,8 mil ao fim do prazo. Embora a prestação seja razoável, a taxa de juros mensal embutida no crediário é de 11,18%, o que equivale a 256,71% ao ano, mais de 30 vezes maior que a taxa básica de juros (Selic), hoje em 8,25%. Ou seja, na prática, Maria Aparecida comprou uma TV, mas vai pagar duas.
Seu caso é um retrato da situação atual do mercado de crédito no Brasil, segundo uma pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), que analisa os últimos 10 anos. Embora haja sinais recentes de que o mercado de crédito esteja melhorando, na década passada, dos cinco principais indicadores do segmento, três pioraram.
Os juros, o spread (diferença entre o custo do dinheiro para o banco na captação e quanto ele cobra do consumidor ao conceder o crédito) e a inadimplência subiram. Houve melhora apenas no volume de recursos ofertado e nos prazos de financiamento, mostra o levantamento da Anefac. "Os juros e os spreads elevados, a maior seletividade dos bancos, a inadimplência e a pouca oferta de recursos ainda tornam a qualidade do crédito ruim no Brasil. Os juros cobrados na compra da TV da Maria Aparecida, por exemplo, são absurdos", avalia o diretor de Pesquisas Econômicas da Anefac e responsável pelo levantamento, Miguel Ribeiro de Oliveira.
O levantamento da Anefac mostra ainda que o estoque de crédito contratado no País subiu de 32,3% do PIB para 48,5% até junho (de R$ 1,076 bilhão para R$ 3,078 bilhões, um salto de 183%). Mesmo com mais dinheiro disponível para empréstimos, esse patamar ainda é muito baixo quando comparado a países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão ou nações da Europa, onde o estoque de crédito passa dos 100% do PIB. No Brasil, a proporção de crédito em relação ao PIB já chegou a superar os 50%, em 2012, mas regrediu com o aumento da inadimplência e do desemprego, levando os bancos a ficarem mais seletivos na hora de emprestar.
Outro indicador positivo levantado pelo estudo da Anefac é o crescimento no número médio de prestações, que foi ampliado de 13,5 para 53,8 meses para pessoa física, nos últimos 10 anos. Mas a taxa de juros média cobrada nos empréstimos também subiu no mesmo período, sobrecarregando o consumidor que opta pelos parcelamentos mais longos. Os juros saltaram de 37% para 46,1% ao ano, alta de 9,1 pontos percentuais.
"O Banco Central (BC) vem baixando a taxa de juros (Selic), mas, ainda assim, ela é alta (8,25%) quando comparada aos juros americanos (de 1% a 1,25% ao ano) ou a alguns países europeus, onde a taxa é negativa", observa Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, empresa de análises e informações para decisões de crédito.
Considerando apenas o juro cobrado das pessoas físicas, na última década, a taxa saltou de 48,4% ao ano em 2007 para 63,3% atualmente, um aumento de 14,9 pontos percentuais, aponta o estudo da Anefac. O ganho dos bancos também ficou mais gordo. O spread anual cresceu de 26,1% para 36,5% ao ano, uma elevação de 10,4 pontos percentuais. Considerando apenas as pessoas físicas, o salto foi 15,8 pontos percentuais, de 37,7% para 53,5%. "O spread continua alto, porque cresceu a inadimplência, o que aumentou o risco dos bancos nos empréstimos. E, nos últimos anos, com muitas empresas investigadas, os bancos tiveram perdas e aumentaram suas provisões. Tudo isso se reflete nas taxas cobradas do consumidor", explica Ribeiro de Oliveira.
Em setembro, o BC divulgou sinais de estabilização nos indicadores de crédito neste segundo semestre. Por exemplo, a concessão de crédito para pessoa física, em agosto, subiu 0,6% em relação ao mesmo período de 2016, depois de 38 meses no campo negativo. Os destaques foram o crédito consignado, que já vinha crescendo, os financiamentos de veículos e o cartão de crédito à vista. No mês passado, as concessões do consignado avançaram 11%; no ano, crescem 25%.

Mercado deve ter crescimento zero em 2017, afirma BC

Para 2017, o Banco Central (BC) estima que o mercado de crédito tenha crescimento zero, o que significa uma contração em termos reais, já que a inflação ficará em torno de 3%. Mesmo assim, o resultado será melhor do que em 2016, quando o estoque de crédito recuou 9,2%.
Na avaliação de especialistas, a recuperação do crédito começa a acontecer, mas de forma gradual. Para Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, o consumo está voltando a ser financiado por conta da queda de juros e da melhora no mercado de trabalho. E a inadimplência também mostra queda, o que ajuda a reduzir o risco dos empréstimos. "Pelo menos até meados do ano que vem, teremos esse ciclo positivo no crédito", avalia.
Mesmo assim, preveem os especialistas, o Brasil ainda levará anos para ter condições de crédito mais próximas de países do exterior. Para isso, a trajetória de queda de juros deve continuar, e os bancos terão de emprestar mais. A inflação também terá que continuar controlada e o risco país (que mede o grau de confiança dos investidores no Brasil), recuar ainda mais.
O economista Flavio Calife, da Boa Vista SCPC, observa que serão necessárias outras medidas para reduzir o risco dos empréstimos, como a adoção do cadastro positivo. "A adoção do cadastro positivo, por exemplo, no qual os bons pagadores têm melhores condições de financiamento, ajuda a reduzir o risco dos bancos para emprestar."

Simulação Fonte: Miguel Ribeiro de Oliveira, Anefac

Peso dos juros:
O impacto das taxas pode ser verificado numa simulação de compra de um bem
Exemplo:
A compra de uma TV de 43 polegadas, em 14 prestações de R$ 347,00 cada
Preço à vista:
Neste exemplo, a TV custa à vista R$ 2,4 mil
Preço da compra financiada:
O preço total pago nessa simulação, após 14 meses, seria de R$ 4,8 mil, ou seja, o dobro do valor pago à vista
Juros:
Neste exemplo, os juros mensais são de 11,18%. Isso representa uma taxa anualizada de 256,71%.