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entrevista especial

- Publicada em 27 de Agosto de 2017 às 22:24

Mudar sistema eleitoral pode gerar um 'Frankenstein', diz Peres

"Adotar o distritão vai aumentar o gasto das campanhas individuais"

"Adotar o distritão vai aumentar o gasto das campanhas individuais"


fotos: MARCO QUINTANA/JC
A dinâmica imposta pelas constantes mudanças na proposta de reforma política em andamento no Congresso Nacional dificultará que ela se estruture no tempo. Esse é o histórico das reformas já adotadas no Brasil segundo o cientista político Paulo Peres. "A cada nova eleição temos mudanças, de modo que não temos a construção de uma institucionalidade das regras do jogo", avalia. O debate será retomado amanhã, com principal foco na decisão sobre como serão as eleições proporcionais.
A dinâmica imposta pelas constantes mudanças na proposta de reforma política em andamento no Congresso Nacional dificultará que ela se estruture no tempo. Esse é o histórico das reformas já adotadas no Brasil segundo o cientista político Paulo Peres. "A cada nova eleição temos mudanças, de modo que não temos a construção de uma institucionalidade das regras do jogo", avalia. O debate será retomado amanhã, com principal foco na decisão sobre como serão as eleições proporcionais.
Contrário ao modelo do distritão, ele e outros profissionais da área entregaram uma carta ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), pedindo que a proposta seja rejeitada. Para Peres, a transição deste sistema para o distrital misto não precisaria existir.
Sobre a ideia de adoção do parlamentarismo, o cientista político é contrário e lembra que o sistema já foi rejeitado pelos brasileiros. "Fica parecendo que, depois de tentar duas vezes e a população dizer que não quer, vai se parar de perguntar e fazer. Terá muita dificuldade de ter legitimidade."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Paulo Peres fala sobre o financiamento público de campanha, recurso que considera viável se calculado como o valor que cada eleitor contribuiria. "A democracia tem custos." Para ele, o maior receio deve ser quanto a outras fontes de recurso, como o financiamento empresarial ou mesmo por pessoas físicas. "Se quisermos eliminar a influência das grandes empresas, o financiamento terá que ser público, mas vai ser caro", opina.
Jornal do Comércio - Esse é o momento de se fazer uma reforma política, nos moldes que se pretende?
Paulo Peres - Desde a Constituição de 1988, estabelecemos uma dinâmica muito reformista no Brasil. A discussão sobre a reforma política é recorrente, dando a entender que a gente precisa fazer reformas para resolver determinados problemas que não necessariamente serão resolvidos assim. Não obstante, isso passa a ideia que não fazemos reformas políticas. O problema, na minha avaliação, é que fazemos demais. A cada nova eleição, temos mudanças, às vezes maiores, às vezes menores, de modo que não temos a construção de uma institucionalidade das regras do jogo, que demandaria muito tempo sem alteração. Toda vez que temos crise política, volta a discussão sobre reforma. Como estamos, novamente, diante de uma grave crise política, é óbvio que esse tema voltaria. De certa maneira, é legítimo voltar a discutir isso, porque estamos tentando resolver os problemas. Mas estamos diante da possibilidade de alterar questões muito importantes para serem feitas de maneira tão apressada. E mais. Neste momento de grave crise de legitimidade dos parlamentares, parte dessas reformas vêm mais com a intenção de suprir o desejo deles continuarem na carreira política do que propriamente de resolver problemas estruturais do sistema político brasileiro.
JC - Mesmo identificando esses problemas, temos a percepção de que, de alguma maneira, essa reforma vai sair. Isso pode ensejar uma nova reforma futura?
Peres - Acredito que sim, justamente por termos esse ímpeto reformista. Significa que as reformas que vêm sendo feitas não correspondem às expectativas, pelo menos da população. O que tem de proposta pode gerar uma espécie de "Frankenstein institucional" no que se refere, pelo menos, ao sistema eleitoral. Como, por exemplo, a proposta do distritão, que é proposto como uma transição para as próximas eleições, para que, em 2022, se adote o sistema em que se quer chegar, o distrital misto. Na verdade é uma falácia. Não precisaríamos de uma transição, uma coisa não tem nada a ver com a outra, poderíamos já adotar o distrital misto. E mesmo adotando o distrital misto, não vamos resolver os problemas que temos. Por outro lado, tentando articular os desejos e os interesses de diversos partidos que estão nesse debate, já se começa a cogitar a adoção de uma espécie de distritão misto. Vão emendando, porque veem que não conseguem acordo. Quando mudam as regras, alguns jogadores vão perder, mas eles fazem parte do debate, então não aceitam. Para atraí-los, se contempla o que querem. Quando vê, está se montando um monstro, que muitas vezes é dar outros nomes para a mesma coisa que temos agora, ou piorar a situação.
JC - O sistema distrital misto seria opção viável ao nosso sistema de eleição?
Peres - Na Associação Brasileira de Ciência Política, elaboramos um documento que foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), em que mais de 100 cientistas políticos assinaram contrários ao distritão. A maioria entende que teremos efeitos negativos. Toda eleição é distrital, mesmo a proporcional. Dar o nome de distrital é esconder que se defende uma eleição e representação majoritária pura. Quando acontece em um distrito pequeno, elegerá apenas um representante pelo distrito. A mudança do distritão é que será um distrito grande, em que se disputam várias cadeiras. No Brasil, provavelmente continuarão sendo os estados. Temos que discutir os efeitos que se esperam. Se achamos que o sistema proporcional é problemático, por que mantê-lo no misto? Se achamos que o sistema majoritário puro pode trazer problemas, por que adotá-lo combinado com o proporcional? Sim, pode ser uma tentativa. Não faço defesa de nenhum modelo em específico ou rejeição completa, a não ser o caso do distritão, mas vejo que essa discussão volta, como já aconteceu no passado: como uma espécie de cortina de fumaça que esconde, de fato, o verdadeiro problema, que são as lideranças políticas que temos.
JC - Para o financiamento de campanhas, propuseram um fundo com valor alto vinculado à Receita, com a justificativa de que é caro fazer campanha no Brasil. Teria como fazer campanha mais barata?
Peres - O ponto de partida tem que ser o seguinte: a democracia tem custos. A questão é o montante aceitável de gastos, a maneira de gastar e a fonte. Esse é um problema discutido no mundo inteiro hoje. Como a democracia que temos é competitiva nos partidos, se estabelece nela uma lógica de mercado, querendo ou não, porque estão concorrendo por votos, tem muita propaganda, produtos, que em um processo eletivo fica muito elevado. É óbvio que poderíamos pensar em uma forma de se reduzir os custos de campanha. O problema é se, ao mexer, não se criam dificuldades para o funcionamento da lógica da competição democrática. Como se propõe reduzir os custos: se limita quanto os partidos têm na mão para gastar. Mas isso não elimina a possibilidade de caixa-2. Já há financiamento público para política no Brasil, o Fundo Partidário é de quase R$ 800 milhões, a propaganda de rádio e televisão é gratuita para partidos, nós financiamos nos meios de comunicação. O que se discute é o financiamento eleitoral, que o fundo partidário não é o suficiente pelas eleições. Então vai ser por quem? Pode ser por empresas, como era até agora a pouco? Mas o financiamento por empresa gera corrupção, propina e favorecimento. Aí pode ser por pessoas privadas, mas com limite, porque pessoas muito ricas podem financiar seus interesses. Eles notaram que, se adotar o distritão, vai aumentar o gasto das campanhas individuais, mas de onde viria o dinheiro? Estão assustados com a Lava Jato, que qualquer deslize pode ser pego na questão do financiamento. Para tentar resolver isso, estão discutindo financiamento público exclusivo, mas ele também tem seus problemas. Quanto dinheiro vai ser dado? Como vai ser distribuído? A população fica insatisfeita com isso. Têm muitos que defendem financiamento público exclusivo, acho que pode ser adotado. Se quisermos eliminar a influência das grandes empresas, o financiamento terá que ser público, mas vai ser caro. Uma forma de limitar os gastos é limitar o número dos partidos.
JC - Sobre o fim das coligações, o senhor acredita que pode melhorar o sistema de como é hoje? No relatório da deputada Shéridan (PSDB-RR) se aprovou a possibilidade de criar federações e subfederações, que parece ser a mesma coisa.
Peres - Se olhar as reformas do ponto de vista estrutural, o objetivo que está lá na frente é reduzir o número de partidos. Que reformas tocam nisso? O fim das coligações, a cláusula de barreira, adotar o sistema de representação majoritária com o distritão. Por outro lado, visa atuar sobre um outro problema, o custo e o financiamento das campanhas. Muitos partidos e o financiamento de campanhas cada vez mais caras estimulam o uso de caixa-2. Esses partidos, que são vários quando contamos a quantidade de parlamentares que serão atingidos de maneira direta pelo fim das coligações e pela cláusula de barreira, se juntam e têm grande poder na discussão. Nesse contexto, surge a proposta de federações. Significa que pequenos partidos que não conseguiram atingir a cláusula de barreira, mas que conseguiram eleger representantes, vão poder, ainda assim, ter acesso a alguma coisa do fundo partidário e do tempo de rádio e televisão, desde que funcionem dentro de uma federação partidária, que é um tipo de aliança. Só que, ao fazer uma federação nacional, ela terá que ser reproduzida no resto dos estados. Com exceção das eleições estaduais, que poderão ter subfederações, alianças apenas eleitorais, que têm que reproduzir a nacional, mas não completamente. Em que medida isso aí não é abrir disfarçadamente um tipo de coligação, só que mais amarrada?
JC - Vale para os grandes também?
Peres - Vale para todo mundo. É manter, de alguma maneira, a coligação, só que de um modo mais rígido, que dificulta articulação dos partidos nas regiões. O preço de acabar com partidos que, de fato, são de aluguel, é levar junto aqueles históricos que talvez sejam dos poucos programáticos no Brasil, como o PSOL.
JC - Recentemente, se levantou o debate de adotar um sistema parlamentarista, sem passar por consulta popular.
Peres - Nós já fizemos dois plebiscitos do parlamentarismo, um às vésperas do golpe militar, que foi a forma de deixar o João Goulart assumir, em um sistema parlamentarista. O outro grupo disse que aceitaria se fizesse um plebiscito, que foi feito e venceu o presidencialismo - depois de funcionar um parlamentarismo muito instável, que deve ser um alerta para quem propõe isso hoje. Aí, em 1993, havia um grupo dentro da Constituinte que era parlamentarista, que, em parte, é o mesmo que defende ainda hoje, dentro do PMDB e do PSDB, e colocaram na Constituição o dispositivo de se fazer um plebiscito. O parlamentarismo foi derrotado de novo. Agora, volta a se discutir.
JC - E pode ser instituído sem passar por novo plebiscito?
Peres - Temos o modelo presidencialista, alterar ele é mudança constitucional. A questão é saber se pode ser feita só pelo Congresso? Pode. Mas mexer em algo tão estrutural do nosso sistema político não é algo que demanda uma consulta popular pelo menos? Principalmente se olhar a história. Tivemos duas consultas sobre forma de governo, uma foi recente, em 1993, e a população disse não. Fica parecendo que, depois de tentar duas vezes e a população dizer que não quer, vai se parar de perguntar e fazer. Terá muita dificuldade de ter legitimidade.
JC - E o semipresidencialismo, é possível?
Peres - Seria possível, mas estamos entrando no debate da forma de governo. Mas adotar o parlamentarismo não significa que vamos deixar de ter a dinâmica que temos hoje. Governos e presidentes precisarão de coalizão para governar, e o primeiro ministro depende de ter maioria para continuar no cargo. Em um país que teve dois processos de impeachment em sua democracia recente e (Michel) Temer (PMDB) sob risco, não temos histórico de sustentação de maioria ao chefe do Executivo. E a adoção do parlamentarismo pode ser uma forma de manipulação institucional para evitar que a população escolha diretamente o chefe do Executivo. Desde a abertura democrática, em termos ideológicos, sempre a maioria do Congresso é de centro para a direita. Se for o Congresso quem elege o chefe do Executivo, dificilmente teremos um chefe de esquerda. O que está no horizonte é o problema do (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) ser eleito na próxima eleição. Se for eleito presidente em um sistema semipresidencialista, a população ficaria contente, mas não teria poder. Vem ao reboque de um casuísmo instantâneo.

Perfil

Paulo Sérgio Peres nasceu em São Paulo, capital, em 1968, e é graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É docente dos cursos de Ciências Sociais e Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), e do programa de pós-graduação em Ciência Política da Ufrgs, atuando como professor adjunto. É diretor da Regional Sul da Associação Brasileira de Ciência Política. Tem mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), onde defendeu uma tese sobre o sistema partidário brasileiro, analisando o período entre 1982 e 2004. Peres também atua em temas como instituições políticas brasileiras, teoria democrática e história, epistemologia e metodologia da Ciência Política, e possui artigos publicados em congressos e livros especializados nessas áreas. Antes de lecionar na Ufrgs, Peres foi professor substituto na Universidade Federal de São Carlos e professor adjunto de Ciência Política na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).