Os repetidos incidentes que acontecem em ruas do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, envolvendo moradores e frequentadores de bares, estão a mostrar que chegamos a um ponto quase de ruptura da civilidade. De um lado, o individualismo atroz em que os personagens buscam diversão a qualquer custo, mesmo que à custa do sossego dos outros. De outro, a justa busca, pelos moradores, de condições necessárias ao descanso com um mínimo de conforto sonoro.
Não há bom senso, e o pouco que existia evaporou-se mais rápido que vidro aberto de éter. Se fosse um episódio isolado, ainda poderíamos culpar uma pequena parcela da população, mas é um problema recorrente e em várias atividades do dia a dia da cidade.
Louve-se o esforço da Brigada Militar em apaziguar os ânimos buscando sempre um acerto com as partes, de modo a se ter um mínimo de respeito para com os moradores. E aí surge o velho problema calcado em uma convicção expressa em um enunciado simples: o de que a sua liberdade termina quando atinge a liberdade do outro.
É um princípio básico, mas, infelizmente, isso não é sequer cogitado. O pior é que muita gente ignora os princípios básicos de cidadania, expressão tão repetida e, ao mesmo tempo, tão desprezada. É como se a lei da selva tivesse se transferido de mala e cuia para o asfalto.
Mas não é só em Porto Alegre que a situação é tensa - naturalmente que piorada pelo consumo excessivo de drogas lícitas, como o álcool, e ilícitas. Psiquiatras e sociólogos já cansaram de alertar que o grande mal do nosso mundo é o álcool em excesso.
O pior é que, além de ser a porta de entrada para drogas pesadas, seu consumo atinge adolescentes de ambos os sexos. Quem já viu in loco como a cultura do ficar bêbado se enraíza na nossa juventude sabe do que estamos falando. Para piorar ainda mais o quadro, muitos pais são omissos ou acham que "é fase", que "isso passa".
Para um grande percentual de jovens e adultos, infelizmente, não é fase, e também não passa, fica. Cerca de 30% dos que bebem tornam-se dependentes do álcool, assim como quem usa drogas ilícitas. E daí para um comportamento antissocial é um pequeno passo, e para uma pane mental irreversível é um pequeno passo e meio. Não precisa fazer pesquisa para ver a devastação que causa na nossa juventude, agravada pela dissolução da unidade familiar ou da omissão de pais.
Os tempos são de vaca não reconhecer bezerro, como se diz no campo. E é um mal mundial, acobertado ou ignorado por décadas e décadas. E não só aqui. Vemos episódios semelhantes mesmo em países mais adiantados, como é o caso dos Estados Unidos, volta e meia sofrendo terremotos racistas e ideológicos. Essa epidemia grassa em todo mundo, como se o episódio bíblico da Torre de Babel se tornasse uma realidade palpável, todos falando línguas diferentes e ninguém se entendendo mais.
Como mudar isso? Para começar, teria que haver um gigantesco esforço mundial para reconhecer que a química lícita ou ilícita domina corações e mentes. Passando para o caso brasileiro, enquanto continuarmos a colocar panos quentes, desprezando todos os sinais de perigo, marcharemos, alegre e irresponsavelmente, para o descontrole geral, seja no macro ou até em pequenas rusgas de rua que acabam em enormes conflitos, como na nossa Cidade Baixa.