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Teatro

- Publicada em 12 de Junho de 2017 às 13:23

Dramaturgia militante

A apresentação, num fim de semana recente, da peça O topo da montanha, da dramaturga afro-norte-americana Katori Hall, quebrou a rotina de nossa programação teatral. Primeiro, porque é uma peça sobre Martin Luther King. Segundo, porque traz a dupla Thaís Araújo-Lázaro Ramos para a convivência com o público sul-rio-grandense. Terceiro, porque, como parte da própria proposta de produção do grupo, havia, implicada na realização da obra, uma militância da comunidade afro-brasileira, que se tem repetido ao longo de todas as cidades em que a peça é mostrada, como se depreende de artigo da historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, ela própria uma negra, autora de interessante livro sobre a imprensa negra no Brasil.
A apresentação, num fim de semana recente, da peça O topo da montanha, da dramaturga afro-norte-americana Katori Hall, quebrou a rotina de nossa programação teatral. Primeiro, porque é uma peça sobre Martin Luther King. Segundo, porque traz a dupla Thaís Araújo-Lázaro Ramos para a convivência com o público sul-rio-grandense. Terceiro, porque, como parte da própria proposta de produção do grupo, havia, implicada na realização da obra, uma militância da comunidade afro-brasileira, que se tem repetido ao longo de todas as cidades em que a peça é mostrada, como se depreende de artigo da historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, ela própria uma negra, autora de interessante livro sobre a imprensa negra no Brasil.
Assim, houve pelo menos dois aspectos a se acompanhar na performance deste trabalho: de um lado, a obra teatral em si, com sua dramaturgia e concretização no espetáculo. De outro, a presença de uma plateia, não apenas entusiasmada com a dupla de intérpretes da televisão, quanto admiradora da dupla de atores negros brasileiros, que tem se vinculado cada vez mais a tal militância. Ao final do espetáculo, acabou surgindo um terceiro aspecto, que é um posicionamento político-ideológico dos atores em relação ao atual contexto político brasileiro, com a campanha contra o presidente da República.
O topo da montanha propõe uma situação inusitada: na última noite de sua vida (sem o saber, até certo momento), King conhece uma camareira no motel em que se encontra, em Memphis, numa turnê em que realiza uma série de comícios em igrejas negras, através do país, a favor da liberdade para os negros norte-americanos. Esta camareira, Camae, vem a se saber depois, é, na verdade, um anjo enviado por Deus, não só para antecipar a King sua morte, no dia seguinte, como lhe fazer companhia nestes últimos momentos. Assim, a proposta dramática da obra é acompanhar o reverendo Martin Luther, naquele ápice de sua vida, retirando-lhe qualquer capa de heroísmo. Pelo contrário, mostrando-o como um simples homem, um pouco conquistador, fumante inveterado e profundamente apegado à vida, com medo de morrer. Como qualquer ser humano teria.
Katori Hall, embora norte-americana, com título na Universidade de Colúmbia em Estudos Afro-americanos em Escrita criativa, e graduada na Universidade de Harvard em Repertório de Dramaturgia Norte-americana, foi a primeira negra a ganhar o prêmio Laurence Olivier, na Inglaterra, para peça inédita, em 2010, justamente por esta obra. Seu texto estreou na Broadway em 2011, na interpretação de Samuel L. Jackson, enquanto Luther King, e Angela Basset, como a misteriosa camareira. No Brasil, o texto foi traduzido por Sílvio Albuquerque, o espetáculo teve direção do próprio Lázaro Ramos e assistência de direção de Thiago Gomes.
Natural de Memphis, consta que a dramaturga inspirou-se na figura da própria mãe, que era camareira neste hotel e chegou a conhecer Luther King, naquela mesma temporada em que ele foi assassinado, para idealizar a figura feminina da peça.
A grande qualidade do texto de Katori Hall é sua inventividade e criatividade, as múltiplas e constantes guinadas que acontecem ao longo do texto. Primeiro, claro, a situação-limite da última noite de vida do reverendo; depois, a presença de um anjo personificado na figura de uma camareira; enfim, a dramaturga tinha um grande desafio para concluir a obra, para que não se tornasse piegas: claro, pela História, já se sabia que Luther King morreria no dia seguinte, mesmo que ele implorasse a Deus para que isso não ocorresse (aliás, outra boa "sacada" é o fato de deus ser Ela - Maria?), em paralelo à criação de Ariano Suassuna, em O auto da Compadecida, em que Jesus é... negro... felizmente, a arte permite estes desvios e criações. Assim, o enredo faz um sem número de zigue-zagues até chegar a seu final.
As interpretações de Ramos e Thaís são muito pessoais. Na noite em que assisti ao espetáculo, houve um momento em que se perderam a rir em cena, o que é ruim. Mas, felizmente, isso não chegou a prejudicar o conjunto do espetáculo. São dois excelentes atores e que somam às suas competências profissionais, uma consciência crítica, o que dá maior veracidade a suas interpretações. Espero, sinceramente, que a peça possa retornar a Porto Alegre. Ela é oportuna, por todos os motivos.
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