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Entrevista especial

- Publicada em 14 de Maio de 2017 às 21:51

Ritmo das reformas foi lento em um ano, avalia Moya

''Não foi suficiente o PMDB ascender à presidência para construir uma maioria'', afirma

''Não foi suficiente o PMDB ascender à presidência para construir uma maioria'', afirma


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Um ano depois de o peemedebista Michel Temer ter assumido a presidência da República - quando o Senado recebeu o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) -, o ritmo de aprovação das reformas estruturantes do Estado corre em um ritmo lento. Essa é a avaliação do cientista político Maurício Assumpção Moya, que acredita que o Legislativo, mesmo mais amigável a Temer, é "sem compromisso com o governo. O Congresso tem mais simpatia a esse governo do que tinha pela Dilma, mas não quer dizer que o apoia automaticamente", pondera. 
Um ano depois de o peemedebista Michel Temer ter assumido a presidência da República - quando o Senado recebeu o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) -, o ritmo de aprovação das reformas estruturantes do Estado corre em um ritmo lento. Essa é a avaliação do cientista político Maurício Assumpção Moya, que acredita que o Legislativo, mesmo mais amigável a Temer, é "sem compromisso com o governo. O Congresso tem mais simpatia a esse governo do que tinha pela Dilma, mas não quer dizer que o apoia automaticamente", pondera. 
Isso acontece, segundo Moya, porque "ficou mais acirrada a batalha de informação", o que coloca os parlamentares em evidência e com o risco de serem cobrados por seus eleitores em 2018.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o cientista político também avalia o protagonismo do Poder Judiciário como o principal agente de mudanças no País atualmente. "Em uma democracia na qual quem inova é o Judiciário, significa que o Executivo e o Legislativo não estão funcionando. Quando o Judiciário assume protagonismo em um regime de governo é porque não há governo."
Jornal do Comércio - O presidente Michel Temer fez, na sexta-feira, o balanço de seu primeiro ano de governo, em uma apresentação intitulada "um ano de conquistas". Resumidamente, que balanço o senhor faz do período?
Maurício Assumpção Moya - Em um ano de governo, ele melhorou a relação com o Congresso, isso é importante. Aprovou a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos gastos, que alcança 20 anos, mas, na prática, ainda não aconteceu, porque só vai valer para o próximo orçamento. As reformas trabalhista, da Previdência e tudo o mais ainda estão em discussão. E, se for ver por outro lado, quantos ministros estão denunciados?
JC - Mas, a seu ver, qual foi a tônica desse ano? O presidente não teve tempo para tomar as medidas que entende como necessárias?
Moya - Tempo ele teve. É que as medidas são impopulares, nossos congressistas são populistas, conservadores e sem compromisso com o governo. Se tivessem, não teriam que negociar cada etapa, com tira cargo, põe cargo, libera emenda... acho que o Congresso não mudou da Dilma para o Temer. Mudou a relação, mas são as mesmas pessoas. Por mais que houvesse um consenso anti-Dilma ou anti-PT no Congresso, quando eles foram afastados do governo, acabou o consenso, teve que renegociar tudo. Então não foi suficiente o PMDB ascender à presidência para construir automaticamente uma maioria. O Congresso tem mais simpatia a esse governo do que tinha pela Dilma, mas não quer dizer que apoia automaticamente.
JC - E a disposição de diálogo?
Moya - A disposição de diálogo entre os dois (Executivo e Legislativo) aumentou, isso não há dúvida. Mas o efeito concreto é pouco, porque é um ano de uma agenda que não é novidade. Olha a Previdência, Fernando Henrique (Cardoso, PSDB) queria mexer, o (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) fez, a Dilma não, então tem 15 anos dessa agenda. Na reforma trabalhista, eles querem acabar com o imposto sindical, mas o (Fernando) Collor (PTC) propôs isso. E, em um ano, Temer não conseguiu convencer os deputados, porque eles não querem isso, eles sabem que é impopular, que quem votar a favor dessas reformas vai aparecer na mídia e vai ter que se explicar nas próximas eleições, e voto é o que eles têm de mais precioso. Além do foro privilegiado, que eles estão para perder, a gente vai olhar para trás na história do Brasil como uma chance perdida, não falando das reformas, mas da política mesmo. Um terço do Senado foi denunciado, mais de 20 deputados, oito governadores, a gente está vendo que a política brasileira está sendo revista. É um momento de repactuamento social explícito, que está sendo construído, porque, se essas práticas forem punidas, os próximos eleitos vão tomar mais cuidado, mas, se forem toleradas, vamos ter isso para sempre.
JC - Como o senhor enxerga que 2018 pode ser com base nessa repactuação?
Moya - Eu não sou muito otimista devido ao tempo. Obviamente vai ter "bois de piranha" e ter quem escape. Como o Judiciário é lento, não vão decidir antes das eleições.
JC - Mas a população não pode separar o "joio do trigo"?
Moya - A gente tem que reconhecer que o brasileiro é tolerante com a corrupção, não tem como negar. Ele é, digamos, seletivo nessa sanha por punição. Alguns crimes são imperdoáveis, outros são relevados. E essa tolerância tem a ver com o conceito de "rent-seeking" (busca por renda). As sociedades que se relacionam com o Estado para buscar renda, têm estados menos eficientes. O político ou o cidadão vê no Estado sua fonte de renda, quer a conquista do Estado. Quando ela ascende a ele, tem fonte de benefícios, de renda. Há políticos que ganham eleições para promover políticas públicas, mas boa parte da classe política encaminha recursos, nomeia pessoas e busca se manter no cargo. E o cidadão quer ser juiz não para ajudar a julgar, prender bandido. É porque juiz ganha bem, tem benefício. Para nossa sociedade, o Estado é um prêmio para quem o conquista.
JC - Há alguma chance de Temer reverter esse cenário de impopularidade?
Moya - O Temer recuperar apoio? Não tem a menor chance. Ele está jogando todas as cartas que pode, porque sabe que é impopular, e, por mais que o Congresso esteja disposto a apoiá-lo, sabe que boa parte da população é resistente a essas mudanças, e pode refletir em uma não reeleição (de parlamentares).
JC - Logo da estreia de Temer no governo, ele lançou o mote "não fale em crise, trabalhe". Um ano depois, qual a validade e efetividade desse slogan?
Moya - Isso não cola mais, porque a resposta para isso é "ok, então me dê o trabalho, me dê o emprego". A gente vê que a criação de empregos não aumentou. Em que pontos podemos avaliar bem Temer? Recuperou a confiança da economia porque tirou a Dilma, aprovou a PEC, encaminhou as reformas... mas aprovou? Ou seja, é pouco para um ano, para uma agenda já colocada, um Congresso já conhecido. O avanço foi pequeno.
JC - Houve medidas pontuais do Executivo, como a liberação do FGTS de vínculos inativos e iniciativas tidas como populares na área econômica, como a criação do cartão-reforma, o seguro-emprego...
Moya - O que o Executivo pode fazer sem precisar do Congresso ele fez, mas não é muita coisa. Liberar FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), baixar juros, são boas medidas, mas, olhando para o que tinha de ser feito quando o Temer assumiu e o que foi feito, não há a menor dúvida de que ele mesmo está insatisfeito, porque acreditava que teria sido mais fácil negociar com Congresso e, no entanto, isso não acontece. E ficou mais acirrada a batalha de informação. Porque o governo precisa divulgar suas propostas e medidas, mas os atores que se sentem prejudicados - e não falo só do PT, mas sindicatos, juízes do trabalho, estão se posicionando publicamente, e, hoje em dia, as pessoas se informam muito por Facebook e WhatsApp. Acho que o discurso do governo, por conter contradições, fica evidente para quem se informa um pouco. Basta comparar a reforma da Previdência e a Lei da Terceirização. O motivo para Previdência é arrecadar mais por mais tempo. E terceirização, com a flexibilização do emprego, vai diminuir a arrecadação... querem o crescimento do emprego, mas isso não é emprego, é trabalho. A relação de emprego fica mais precarizada. Para ter mais trabalho, vai ter de ter menos emprego. As pessoas percebem isso, e essa informação circula, e fica mais difícil para o discurso do governo ser aceito sem nenhuma contestação.
JC - Com vários ministros do Temer envolvidos com denúncias da Lava Jato, o "grande acordo nacional" para barrar as investigações, nas palavras do então ministro Romero Jucá (PMDB), está sendo executado?
Moya - Isso está em curso, mas não dá para saber para onde está indo, porque é feito bem nos bastidores. Mas não há dúvida de que políticos estão preocupados. A gente viu a proposta do senador Renan Calheiros (PMDB) do abuso de autoridade, a não criminalização do caixa-2, e esse balão de ensaio para postergar as eleições de 2018 - que não vai vingar, mas há uma reação dos políticos para tentar se proteger, porque sabem que, por mais que tenha um acordão, alguém vai ter de pagar o pato, não dá para livrar todo mundo. É uma incógnita, não dá para saber para onde vamos. Estamos na mão do Judiciário, do Supremo Tribunal Federal (STF).
JC - Levando em conta a atual conjuntura nacional, como fica a estabilidade da democracia? Ela sofre algum risco, de alguma maneira?
Moya - Mesmo que houvesse um cenário de postergação de eleições, é postergar, mas vai ter eleição. Não há perigo de uma ditadura ou de um golpe militar. Eu acho que a democracia não está pior do que antes, mas agora estamos vendo como ela é e como são feitos os acordos e nossa política, e as nossas campanhas. Essa campanha eleitoral não foi diferente das outras, sempre houve caixa-2, então não é que está pior, mas agora dá para ver. A gente está vendo que ela é muito vulnerável ao poder do dinheiro. Os políticos são muito mais preocupados em atender aos interesses econômicos e de empresas grandes do que da população. Isso está ficando mais visível. Se haverá uma depuração da política, só dá para saber depois do resultado das eleições.
JC - Olhando as pesquisas de intenção de voto, há um apoio crescente a posições mais radicais...
Moya - Acho que as questões que dividem as opiniões estão sendo colocadas na mesa, as pessoas estão tendo que se posicionar. De certa forma, estou feliz de ver que este é um momento de crise, e é aí que as coisas mudam. A gente não avança em banho-maria, mas com embates, e alguém ganha. E aí, quem ganha fica com o bônus e o ônus. As reformas que o governo diz que tem que fazer, eu queria que elas não tivessem de ser feitas, mas reconheço que não há escapatória, porque as forças econômicas pressionam para que se reduza o custo da mão de obra no Brasil, ou vão investir na China, na África.
JC - O governo vai conseguir aprovar as reformas?
Moya - Acho que sim, mas essa negociação vai ser custosa, vai haver custos políticos e financeiros. A população está atenta, e organizações à esquerda farão todo o barulho que puderem, e têm esse direito. Uma parte da classe média que apoiava o Temer no início, no pós-impeachment, também já percebeu, já perdeu essa intensidade de apoio, já começa a repensar. Acho que os impulsos para a mudança virão do Judiciário.
JC - Por quê?
Moya - Porque mesmo setores mais articulados - como os sindicatos - fazem barulho, mas não saem na mídia. Eles ganham apoio de um lado, mas, do outro, falam que são baderneiros, e isso não vai ser decisivo. O Judiciário vai botar senador na cadeia? Vai botar governador na cadeia? Se fizer isso, as pessoas vão ver. Mas esse acordo nacional, com 513 deputados, 81 senadores, 20 ministros, 27 governadores, não lota o estádio do Zequinha.
JC - Mas é um grupo que detém poder.
Moya - Isso mesmo. Mas falar de acordo nacional é porque Brasília acha que é o Brasil, mas são 1.000, 1.200 pessoas muito poderosas que estão preocupadas com o seu próprio futuro. E, se dessas 1.200, se perderem 20, não muda nada. Se perderem 200, aí vai ser alguma coisa. E de onde pode vir a mudança? Da população em geral? Não para 2018. Do governo? Do Congresso? Não. Essa mudança vai vir do Judiciário, que é de onde tem vindo ultimamente.
JC - O que isso significa?
Moya - Se a gente for ver como Ciência Política, é o pior cenário, porque o Judiciário é o poder mais conservador. Em uma democracia na qual quem inova é o Judiciário, significa que o Executivo e o Legislativo não estão funcionando. Quando o Judiciário assume protagonismo em um regime de governo, é porque não há governo. Dizem que o Judiciário só reage, mas se ele tem que reagir a muita coisa é porque os outros não estão bem. Isso é um diagnóstico do nosso tempo. O Judiciário nem deveria ter esse poder todo, mas, se tem esse poder, cai tudo na mão dele. O STF teve que julgar quem foi o campeão brasileiro de futebol de 1987, fala sério. Essa negociação (das reformas) é lenta, custosa, a população é resistente. E você vê um Executivo com vontade, mas sem força; um Congresso resistente, a população polarizada, uma está travando a outra. Só quem está conseguindo andar destravado é o Judiciário.

Perfil

Maurício Assumpção Moya nasceu em São Paulo em 1975. É professor adjunto do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) desde 2009. Ministra a disciplina de Reforma do Estado e Agências Regulatórias aos cursos de Ciências Sociais e Políticas Públicas. Possui graduação em Ciências Sociais, mestrado e doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), com estágio como pesquisa-dor-visitante na Yale University (EUA). Tem experiência na área de Ciência Política, com ênfase em Instituições Políticas Brasileiras, atuando principalmente com relações Executivo-Legislativo, políticas públicas, processo legislativo, CPIs, medidas provisórias e reformas. Seus principais trabalhos estão relacionados a privatizações, segurança, assistência social e vetos presidenciais. Tem se dedicado ao ensino de métodos de pesquisa, primeiro no Consórcio de Informações Sociais (CIS) e, posteriormente, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Ufrgs.