Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 04 de Maio de 2017 às 21:42

Traições públicas e privadas

Parcialmente inspirada em Betrayal, de Harold Pinter, escrita em 1978, Patrícia Fagundes apresenta seu novo espetáculo, que ela denomina Fala do silêncio, numa produção da Cia. Rústica. A indicação da peça original que inspirou a diretora e dramaturga está explicitada no programa. A obra, aliás, já foi apresentada no Rio de Janeiro, há alguns anos. Há algumas cenas disponíveis no youtube. O que é de original na versão da realizadora gaúcha à diferença do texto original, editado em Portugal? Das cenas vistas, uma delas a de abertura, que é o diálogo entre os dois antigos amantes, num restaurante, logo depois do rompimento do casamento da mulher com o marido, haveria pouca coisa.
Parcialmente inspirada em Betrayal, de Harold Pinter, escrita em 1978, Patrícia Fagundes apresenta seu novo espetáculo, que ela denomina Fala do silêncio, numa produção da Cia. Rústica. A indicação da peça original que inspirou a diretora e dramaturga está explicitada no programa. A obra, aliás, já foi apresentada no Rio de Janeiro, há alguns anos. Há algumas cenas disponíveis no youtube. O que é de original na versão da realizadora gaúcha à diferença do texto original, editado em Portugal? Das cenas vistas, uma delas a de abertura, que é o diálogo entre os dois antigos amantes, num restaurante, logo depois do rompimento do casamento da mulher com o marido, haveria pouca coisa.
Mas basta ler o texto original ou assistir ao espetáculo e saber que Patrícia Fagundes escreveu uma peça sobre outra peça: ao texto original, que é um triângulo amoroso, cuja novidade é ter sua história desenvolvida da frente para trás, soma-se um conjunto de reflexões que a dramaturga/diretora adiciona, referências diretamente vinculadas à realidade imediata do Brasil. Por isso, Patrícia Fagundes modifica a datação da peça, atualizando-a para 2016 para trás, voltando até cerca de 2010. Até aí, seria apenas uma adaptação externa. Mas este deslocamento temporal permite à dramaturga concretizar justamente aquilo que lhe interessou: relacionar os acontecimentos do primeiro enredo - a traição - com esta mesma realidade.
Neste sentido, as "traições" referidas no título, que seriam apenas privadas, tornam-se traições públicas, relacionadas entre si, de modo que é como se a autora sugerisse: quem faz as pequenas traições cotidianas também comete traições maiores, vinculadas e refletidas na realidade social imediata do País. E então o texto ganha uma dimensão e uma perspectiva muito mais ampla, que poderia ser, certamente, ainda mais efetivada e aprofundada pela autora, mas que, na medida em que Patrícia Fagundes não quer transformar seu texto em militância, mas em depoimento, assim como se apresenta está bem.
O trabalho de direção de ator foi muito eficiente por parte da direção. O elenco está com o texto na ponta da língua, às vezes até demais, levando a que algumas cenas tenham certo matiz de coisa decorada e percam sua naturalidade, mas isso não chega a prejudicar o conjunto do espetáculo, extremamente afinado e cujo desenvolvimento, em hora e meia de duração, pega o espectador e o envolve, ora pela emoção, ora pelas referências externas ao drama, justamente aquelas que então se referem diretamente à realidade do entorno tanto da diretora quanto de cada espectador.
Priscilla Colombi, como Lúcia, é precisa, cortante, desafiadora. Leonardo Machado, como Roberto, traz a marca da dúvida e da angústia. Lisandro Belotto, com bela voz para a interpretação das canções que atravessam a dramaturgia, é o mais natural de todos, apresenta certa alegria de vida e de interpretação, ao mesmo tempo em que seu cinismo é mais evidente. Em síntese, cada personagem tem vida própria e ela é claramente perceptível por quem acompanha a obra.
Patrícia Fagundes demonstra maturidade, tanto enquanto dramaturga quanto diretora. Ela mescla linguagens, sem perder o foco e a consciência de estar realizando um espetáculo teatral. O uso do cinema, através de vídeos de Mauricio Cariraghi, contribui eficientemente para a narrativa. Suzy Weber teve importante participação na preparação corporal do elenco. A trilha sonora de Leonardo Machado, Priscilla Colombi e demais integrantes do grupo, ao vivo, torna a narrativa mais eficiente, às vezes fortemente crítica. Os figurinos de Carlos Scortegagna permitem uma composição eficiente quanto aos personagens, sugeridos enquanto parte de uma classe média alta, intelectualizada: escritores, editores, artistas, donas de galeria de arte etc.
Optando por realizar uma produção sem qualquer auxílio oficial, a Cia. Rústica define com clareza seu lugar no panorama de nossa produção teatral e colhe os frutos de seu trabalho: sala cheia, público atento e reação entusiasmada. Trata-se de trabalho sério, competente e que definitivamente coloca o grupo entre as referências da atual ribalta porto-alegrense.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO