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Cinema

- Publicada em 29 de Maio de 2017 às 12:44

Fantasmas do passado

A nova demonstração de que o cinema erguido a partir de personagens e situações pertencentes ao mundo real reúne as virtudes maiores outra vez é ofertada ao espectador pela dupla formada por Mariano Cohn e Gastón Duprat, os realizadores deste O cidadão ilustre. Selecionado para a mostra principal do Festival de Veneza do ano passado, o filme terminou consagrando Oscar Martinez, que foi o vencedor na disputa pela melhor interpretação masculina. O trabalho do ator é realmente extraordinário, mas tal atuação não é algo que se destaque no filme, pois, além de vir acompanhada de outras atuações admiráveis, ela é um instrumento perfeito que os dois diretores utilizam para falar sobre o tema da criação artística e suas relações com suas fontes principais: as vivências e o poder de observação do criador. Tecendo suas variações com ironia e sentido crítico, os cineastas brindam o espectador com um relato primoroso, sempre novo e surpreendente a cada cena, algo que também deve ser creditado ao roteiro de Andres Duprat, irmão de um dos diretores.
A nova demonstração de que o cinema erguido a partir de personagens e situações pertencentes ao mundo real reúne as virtudes maiores outra vez é ofertada ao espectador pela dupla formada por Mariano Cohn e Gastón Duprat, os realizadores deste O cidadão ilustre. Selecionado para a mostra principal do Festival de Veneza do ano passado, o filme terminou consagrando Oscar Martinez, que foi o vencedor na disputa pela melhor interpretação masculina. O trabalho do ator é realmente extraordinário, mas tal atuação não é algo que se destaque no filme, pois, além de vir acompanhada de outras atuações admiráveis, ela é um instrumento perfeito que os dois diretores utilizam para falar sobre o tema da criação artística e suas relações com suas fontes principais: as vivências e o poder de observação do criador. Tecendo suas variações com ironia e sentido crítico, os cineastas brindam o espectador com um relato primoroso, sempre novo e surpreendente a cada cena, algo que também deve ser creditado ao roteiro de Andres Duprat, irmão de um dos diretores.
A primeira cena do filme, aquela na qual o protagonista recebe o Prêmio Nobel, já nos apresenta um homem vivendo uma situação de desconforto. A roupa utilizada e o visível distanciamento do cerimonial antecipam um discurso curto e no qual o autor laureado deixa clara a constatação de que foi transformado numa instituição aceita pelos criticados em sua obra. O escritor poderia ter recusado o prêmio, e não seria o primeiro a fazê-lo. O filme, portanto, não é daqueles que exaltam o comportamento de seus personagens, e sim uma obra que opta por um olhar irreverente, o que resulta por vezes em cenas marcadas por uma crítica sarcástica. A outra consagração, a que ele recebe na cidade onde nasceu e para a qual nunca tinha voltado, expõe as precariedades e as deficiências de um mundo do qual parece impossível o afastamento. Sem dúvida, a atitude e as palavras do protagonista na cerimônia em Estocolmo têm suas raízes no que é focalizado na cidade-natal. Voltando às suas fontes de inspiração, padece o castigo por ter abandonado seu mundo. Vivenciando momentos ridículos e entrando em conflito com alguns fantasmas do passado, o escritor laureado se transforma em personagem de um drama através do qual os dois realizadores e seu roteirista pintam um quadro revelador não de uma cidade, pois esta é um símbolo daquele universo do qual o personagem procura fugir, algo exposto com clareza nas dezenas de convites recusados.
Num tom próximo da comédia e aos poucos se aproximando de situações dramáticas, o filme organiza uma espécie de desfile de deformidades. Instituições políticas e familiares surgem em cena e começam a ser desmontadas. O imitador de porcos selvagens não é apenas um cômico, pois seu primitivismo será o deflagrador de toda uma agressividade nem sempre contida. E há também o olhar devastador sobre a arte transformada em ritual destinado a expor vaidades. O trabalho de seleção de quadros para uma exposição e as consequências por ele geradas explicitam em cena outro exemplo de uma feira de futilidades. Neste mundo são poucos os que resistem e assim é sincero o aplauso do escritor para os que ainda estão presentes em sua última palestra. E assim também seu apoio ao jovem que provavelmente será o próximo herói da cidade. Os carros que falham em momentos decisivos compõem um tema que se repete e resume a falência de uma sociedade. E quando o protagonista é praticamente expulso da casa em que nasceu, o filme revela a impossibilidade de uma volta ao vivido. O próprio personagem constata a inutilidade de tal operação, ao revelar que pensava poder voltar como esse estivesse assistindo a um filme. Esta não é a única referência ao cinema. A outra é discutível. Ninguém poderá negar o talento de Leni Riefenstahl e sua contribuição ao documentário cinematográfico, mesmo que sua obra tenha sido contaminada e maculada pelo nazismo, mas é exagerada a importância a ela atribuída pelo escritor protagonista. Mas este é um detalhe, num relato que exibe competência e capacidade de manter a atenção em todos os momentos.
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