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Rumos da Indústria

- Publicada em 02 de Maio de 2017 às 14:43

Futuro industrial gaúcho tende à especialização

Busca por segmentos deve contrapor dificuldades do Estado

Busca por segmentos deve contrapor dificuldades do Estado


KJPARGETER/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Ainda que por muito tempo conhecido como "o celeiro do Brasil" graças à sua produção agropecuária, nem só de campos é feita a história econômica do Rio Grande do Sul. Desde o início do século XX, o Estado sempre esteve, também, entre os principais redutos industriais do País. E é justamente nessa tradição fabril, em especial no setor metalmecânico, que pode estar a saída para a retomada do destaque da transformação gaúcha, que patina nas últimas décadas com dificuldades como a distância para os principais centros consumidores nacionais.
Ainda que por muito tempo conhecido como "o celeiro do Brasil" graças à sua produção agropecuária, nem só de campos é feita a história econômica do Rio Grande do Sul. Desde o início do século XX, o Estado sempre esteve, também, entre os principais redutos industriais do País. E é justamente nessa tradição fabril, em especial no setor metalmecânico, que pode estar a saída para a retomada do destaque da transformação gaúcha, que patina nas últimas décadas com dificuldades como a distância para os principais centros consumidores nacionais.
Vital para projetar o futuro, a localização geográfica do Rio Grande do Sul é decisiva, também, para entender o desenvolvimento da indústria local no decorrer dos anos. Na ponta do Brasil, relativamente afastado de São Paulo e dos demais estados do Sudeste, maiores centros de consumo, coube às empresas gaúchas buscarem a exportação com mais afinco do que a média nacional. Além disso, a grande vocação agropecuária também empurrou a atividade secundária aos setores ligados a essa produção, como alimentos e derivados do couro, por exemplo.
"É um modelo que funcionou bem por bastante tempo, mas que, a partir de meados dos anos 1990, passou a ter problemas", analisa a pesquisadora em economia da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Cecília Rutkoski Hoff. A época marca um ponto de virada, em especial no que toca às exportações, que teria efeitos em cadeia nas fábricas do Estado.
Nos primeiros anos da década, curiosamente, o Estado começava a surfar na expectativa trazida pela criação do Mercosul. Com o acordo comercial, a localização - por estar em posição quase equidistante em relação à São Paulo, Montevidéu e Buenos Aires - passava a ser um trunfo. Graças a isso, investimentos como a construção da fábrica da General Motors em Gravataí, por exemplo, foram atraídos, e reforçaram o direcionamento ao mercado externo.
A situação, porém, mudaria rapidamente. A ascensão da China e, depois, de outros países asiáticos minou a concorrência pelos mercados de baixo custo, que concorrem apenas pelo menor preço. Além disso, o Mercosul não decolou, com crises econômicas graves nos países do bloco marcando o fim da década. "Dentro do País, também começamos a ter desvantagens com o resto do Brasil nos custos da mão de obra", comenta Cecília, lembrando que empresas passaram a migrar suas unidades fabris para outros estados.
Com isso, a indústria gaúcha, que representava 8,3% do valor adicionado pela indústria no Brasil em 1996, cairia para 7,8% nove anos depois. Em 2014, último ano com o cálculo do PIB consolidado, o Estado recuperaria o terreno, chegando à casa dos 8,4%, mas com mudanças estruturais que indicam o caminho mais provável para o médio prazo.
Nesses 18 anos, os setores de bens de consumo, até então protagonistas da matriz industrial gaúcha e muito vinculados ao modelo antigo, viram seu tamanho relativo encolher. Alimentos (de 20,2% para 15,8%), couro e calçados (de 15,8% para 6,2%), bebidas (de 3,4% para 2,6%) e confecções (de 2,5% para 1,9%) passaram a responder por menor parcela do setor industrial do Estado.
Ao mesmo tempo, os setores mais ligados à metalmecânica foram os que mais cresceram. Em especial, as produções de máquinas e equipamentos (de 7,4% para 11,5%), outros equipamentos de transporte, que englobam o Polo Naval de Rio Grande (de 0,1% para 9,3%), e os produtos de metal (de 5,8% para 6,1%) resistiram às mudanças no panorama do mercado global.
Ambas as tendências são, na visão da pesquisadora da FEE, indicativos do caminho mais provável para um possível crescimento do setor secundário no Rio Grande do Sul. "A indústria tradicional se reduz, conservando alguns nichos de alto valor adicionado, mas ganhamos em dinamismo nessa indústria, que fornece bens de capital para o exterior e mesmo para a economia nacional", projeta Cecília.

Menos propenso à migração, setor metalmecânico pode ser motor do crescimento

Passando por uma das piores crises de suas histórias, os segmentos de máquinas, equipamentos de transporte e outros produtos de metal são, ainda assim, a grande aposta para uma evolução consistente da produção industrial gaúcha. Os principais motivos residem na demanda estrutural do País e no fato de que, por serem produtos mais complexos, essas indústrias são, também, menos propícias à transferência de suas plantas a outros estados, tendência vista nos últimos anos nos setores mais tradicionais de bens de consumo.
"O Rio Grande do Sul teve o privilégio de ser o berço das máquinas agrícolas do Brasil, e existe um conhecimento que fica na memória das pessoas. Isso facilita o desempenho das indústrias em relação ao investimento em qualquer estado que não tenha esse passado", argumenta Gilson Trennepohl, diretor-presidente da Stara, de Não-Me-Toque, uma das principais empresas do segmento no País. Mesmo com a expansão do agronegócio para o Centro-Oeste e o Norte do Brasil, uma mudança das fábricas levaria muito tempo para criar uma cadeia tão robusta quanta a gaúcha, acredita o presidente. Além disso, como são produtos com maior valor agregado, o custo do transporte acaba diluído, possibilitando a competição apesar da distância.
Outros mercados, ainda que atualmente em baixa, também devem ajudar na retomada. "O pré-sal, de alguma forma, vai ser explorado, e os investimentos em infraestrutura no Brasil terão que ser feitos. Então, em algum momento, haverá grande momento para essas indústrias", acrescenta a pesquisadora em economia da FEE, Cecília Rutkoski Hoff. A grande questão, na visão da pesquisadora, é a crise atual resistir por tanto tempo que seus efeitos se tornem permanentes. "Não chegamos nesse ponto ainda, mas há esse risco", afirma Cecília.
Presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico do Estado (Sinmetal), Gilberto Porcello Petry defende que a indústria continua tendo futuro, mas teve de procurar novos mercados e, ainda, enfrenta muitos desafios. "Em junho, completaremos três anos de recessão. É uma carga muito grande para suportar", ressalta Petry.
"A passagem pela crise vai ser lenta, mas já dá algum sinal de melhora. Temos muito mercado para crescer, mas foi necessário readequar tamanho e perfil de produtos", concorda o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Caxias do Sul (Simecs), Reomar Slaviero. Mercados como o de vagões de trem, por exemplo, tiveram de ser buscados para compensar a queda nos produtos tradicionais das indústrias. Ambos ainda relativizam a dificuldade de migração das plantas, já que, sem melhorias em quadros estruturais do Estado, em especial na área logística, argumentam que poderiam se tornar a única alternativa às empresas.
A situação mais crítica parece ser mesmo a do Polo Naval. Com as dificuldades da Petrobras, principal demandante de cascos, e a redução nas exigências de conteúdo nacional nas plataformas, a retomada no segmento parece mais distante. O fim da exigência de participação da estatal nos campos do pré-sal também torna o cenário menos otimista. "Substituindo a exploração por norte-americanos ou chineses, é provável que muito aço e insumos passem a ser importados de lá também", argumenta o também pesquisador da FEE André Scherer.
A pujança tão efêmera do segmento, caso se confirme a redução da indústria naval gaúcha, também coloca em risco o potencial ao redor de toda a cadeia. Itens como borrachas superespecíficas desenvolvidas para as plataformas poderiam ter usos em outros segmentos, o que consolidaria um novo segmento no Estado. "Nossas empresas seriam as grandes do mundo, porque ninguém produz esse tipo de item, mas não sabemos se não vamos perder tudo agora", continua Scherer.

Bens de consumo passam por nichos de alto valor adicionado

Mesmo que o crescimento do setor industrial gaúcho como um todo dependa do sucesso da indústria do metal, isso não significa que as plantas de bens de consumo, tão tradicionais no Estado, tenham os seus dias contados. Fabricantes de alimentos, bebidas, vestuário e brinquedos, entre outros, possuem potencial e know how para continuarem com força. Para competirem no mercado interno e externo, porém, o caminho passa, muito provavelmente, pela mira em nichos de alto valor agregado, fugindo da concorrência apenas pelo preço mais baixo.
O exemplo clássico para entender o movimento vem da indústria calçadista gaúcha (e brasileira como um todo), que, de certa forma, antecipou a tendência. Até os anos 1990, o setor dependia, principalmente, de mercados voltados ao simples menor custo. Além da demanda doméstica, as empresas gaúchas trabalhavam com viés exportador em regime de subcontratação, ou seja, grandes marcas internacionais vinham ao Rio Grande do Sul com uma demanda já preestabelecida, com design, promoção comercial e preços já determinados, contratando, na prática, apenas a manufatura. "Do portão da fábrica para fora, nada dependia do exportador. Até o caminhão que levava o sapato ao porto era controlado pelo importador", relembra o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.
O modelo fez com que o setor fosse protagonista da matriz industrial do Estado até meados dos anos 1990. A inserção da China no mercado, porém, com preços ainda mais baixos, roubou os pedidos e obrigou as calçadistas a se reestruturarem, em especial a partir dos anos 2000. "Tínhamos a visão de que o produto precisa ser competitivo em todos os aspectos, não só no preço, coisa que até então não se fazia", continua Klein.
Nessa linha, as empresas assumiram os riscos de liderar o processo, promovendo suas próprias marcas e desenvolvendo seus produtos. Ao lidar diretamente com o mercado comprador, cada fábrica encontrou categorias de calçados nas quais passou a competir com outros fabricantes mundiais. Muitas desapareceram, é verdade, e outras migraram para estados com menor custo de produção. Com isso, o setor como um todo encolheu em volume no Estado, mas a mudança garantiu a sobrevivência das fábricas, que hoje atuam com melhor rentabilidade.
"Se é para produzir bens de consumo mais baratos, não é aqui que se irá fazer", argumenta a pesquisadora em economia da FEE, Cecilia Rutkoski Hoff. "Por isso, podem sobreviver no Estado alguns segmentos, de qualidade superior, em que a indústria se reduz, mas conserva nichos de valor adicionado que permitem, também, que se volte mais à exportação", completa a pesquisadora, que enxerga, além dos calçados, também os setores moveleiro e alimentício, incluindo fábricas de vinhos e espumantes, na tendência de evolução.
Uma boa notícia é que, em relação a investimentos, haveria pelo menos consciência da importância do progresso no setor secundário gaúcho, que, mesmo na crise, continua investindo na modernização de plantas na medida do possível. "É uma necessidade de mercado, pois, quem não fizer, perde competitividade. Nossas empresas, em geral, têm capacidade gerencial muito boa e sabem que precisam desse tipo de investimento", comenta o superintendente da agência gaúcha do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Maurício Mocelin. Um dos principais financiadores de pequenos e médios negócios, o banco interestadual repassou R$ 356 milhões a indústrias gaúchas em 2016, aumento de 115% em relação a 2015.
"Temos todas as possibilidades, matéria-prima e gente treinada no mercado; é só questão de resolvermos os problemas políticos e melhorarmos o ambiente de negócios", defende o presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Heitor José Müller. O dirigente argumenta que, entre os pequenos municípios gaúchos que encolheram nas últimas décadas, a semelhança reside na inexistência de indústrias em seus territórios. "Sem fábrica, não entra caminhão, então não tem posto de gasolina, não tem restaurante. Onde há indústria, há desenvolvimento", defende Müller.