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Entrevista especial

- Publicada em 07 de Maio de 2017 às 22:27

Revisar o IPTU é fazer 'justiça tributária', afirma Franceschi

"Só trabalhar despesas é um erro, investir em arrecadação e fiscalização é uma alternativa", diz dirigente

"Só trabalhar despesas é um erro, investir em arrecadação e fiscalização é uma alternativa", diz dirigente


CLAITON DORNELLES/JC
Rever a planta de valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) da Capital, desatualizada há 25 anos, é uma questão de "justiça tributária" para Joarez Tejada Franceschi, presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Municipal de Porto Alegre (Aiamu).
Rever a planta de valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) da Capital, desatualizada há 25 anos, é uma questão de "justiça tributária" para Joarez Tejada Franceschi, presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Municipal de Porto Alegre (Aiamu).
Segundo o dirigente, o surgimento de bairros novos e sua rápida valorização fazem com que imóveis que possuem um mesmo valor paguem menos Segundo o dirigente, o surgimento de bairros novos e sua rápida valorização fazem com que imóveis que possuem um mesmo valor paguem menos que outros localizados em áreas de ocupação mais antiga. "Essa mudança não veio para dentro do IPTU", admite.
Para Franceschi, a situação delicada do País e dos estados, com medidas de austeridade e aumento de impostos, torna o momento "um pouco difícil" para o reajuste do IPTU.
No entanto, para o auditor, "todos nós queremos uma cidade bem servida, com bons serviços públicos, educação, saúde, então tudo isso tem um custo. Temos que discutir que cidade queremos e quanto ela nos custa".
Jornal do Comércio - Há 25 anos a planta do IPTU não era atualizada. Por que a prefeitura levou tanto tempo para fazer isso?
Joarez Tejada Franceschi - Porto Alegre tem dificuldades de lidar com o IPTU. E no Brasil inteiro, a qualquer mexida em imposto, há muita movimentação da sociedade em torno do fato. A gente já estava pedindo uma revisão quando havia 10 anos que não se atualizava. A cidade é dinâmica, e há todo um movimento de valorização ou desvalorização. Daqui a pouco, tem um prédio junto a uma elevada que acabou desvalorizando. Então jogar para dentro para cobrar o IPTU conforme o valor real do imóvel acaba sendo difícil de passar. Então aconteceu o quê? Um governo, outro governo, e ninguém teve coragem, ninguém quis enfrentar essa decisão.
JC - Então faltou vontade política?
Franceschi - Claro que existe sempre um desgaste, porque é um movimento de enfrentamento das forças sociais, por isso é importante esclarecer, começar a subsidiar aqueles que vão participar, principalmente líderes comunitários, representantes da sociedade, vereadores de Porto Alegre... fornecer um ferramental, mostrar bem como é o IPTU, para que, quando for se discutir, se discuta com embasamento. A nossa função como entidade que representa os auditores é fornecer esse ferramental e abrir uma porta para discussão.
JC - Como funciona essa atualização?
Franceschi - Existem todo um trabalho e tecnologia altamente desenvolvidos, porque são 700 mil imóveis, somando terrenos e apartamentos, em Porto Alegre; e tem que se fazer uma grande equação, um grande programa de computador, que bota valor para qualquer um considerando a zona em que ele está, a utilidade que ele tem, como o terreno está na quadra, qual a idade, a altura, a valoração daquela zona. É toda uma informação que, segundo esses parâmetros, gera o preço que o imóvel teria numa negociação de compra e venda. É um trabalho estatístico, e muito grande.
JC - Quanto tempo estima que esse processo leve para que haja uma proposta a ser discutida na Câmara?
Franceschi - Já estamos quase atrasados. Provavelmente, a gente consiga fazer até o final do ano esse trabalho. Agora, não é um trabalho de um mês, é de no mínimo meio ano. Aí depende de quanto vai se dedicar e de qual é a intenção do governo. Se é: "Preciso da planta, é importante", vamos mandar. Então tem que dedicar investimento em tecnologia, computadores de última geração, modelo adequado...
JC - Há uma estimativa de gasto?
Franceschi - Eu não teria neste momento. Depende um pouco de que tecnologia se vai aplicar.
JC - A prefeitura fala em rever as isenções para o pagamento do IPTU. Quais tipos de isenção são atualmente concedidos?
Franceschi - Existe a isenção técnica: se o imóvel está avaliado em um valor muito baixo, a gente acaba não lançando. Um exemplo: um casebre lá no Humaitá, com valor muito baixo, R$ 20 mil, não adianta cobrar um IPTU de R$ 30,00, fazer uma guia, então a gente acaba segurando. Por exemplo os boxes (estacionamentos), como dá um valor pequeno, a gente acumula quatro ou cinco anos e lança. Existem também isenções para pessoas que ganham até três salários-mínimos e as acima de 60 anos. O resto, não. Atualmente, são 20 mil inscrições isentas.
JC - A Associação dos Auditores Fiscais apoia a intenção do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) de revisar o IPTU?
Franceschi - Vamos deixar bem claro: o que nós queremos é uma atualização da planta de valores para que todos imóveis estejam numa proporção de valores com a realidade. Essa é uma demanda técnica antiga nossa, de tempos, porque somos a última capital do Brasil a fazer isso, todas atualizam.
JC - As demais capitais atualizam com que periodicidade?
Franceschi - A cada 10 anos, 15 anos, por aí. Curitiba atualizou em 2007 e 2015, e nós estamos em 25 anos. Queremos que se faça justiça tributária. Se aplicarmos a mesma alíquota de hoje (de 0,85% para imóvel residencial e 1,10% para comercial) ao valor real (de mercado), com certeza, subiria muito a arrecadação do IPTU. Mas essa dosagem de quanto aplicar, se quer arrecadar mais ou até menos do que se arrecada hoje, isso é a Câmara e a cidade que vão discutir o IPTU que se quer. Nisso não estamos interferindo. O que nós queremos é que, quando se aplica o IPTU, se dê isonomia, e que haja justiça na proporção do valor do seu imóvel.
JC - Que movimentação há no nível federal para que se garanta uma revisão periódica do IPTU nos municípios?
Franceschi - O que está se querendo, em termos de lei federal, é que se bote a obrigação de, a cada quatro anos ou a cada dois anos, se atualizar a planta de valores, para não passar todo esse tempo sem atualização.
JC - Um aumento progressivo seria obrigatório?
Franceschi - Aumento de alíquota com certeza não vai haver. No caso de um apartamento de R$ 400 mil (valor real), por exemplo, ele está registrado por R$ 100 mil, então se paga R$ 850,00 de IPTU. Se colocar R$ 400 mil, vai pagar quatro vezes mais, e a cidade não vai aceitar nessa proporção. Talvez se diminuam as alíquotas, se escalone no tempo a alíquota, se dê isenções (parciais) para imóveis de baixa renda... aí, essa discussão é política, a gente não se mete na questão política da decisão sobre o IPTU. Hoje, nós arrecadamos em Porto Alegre em torno de R$ 450 milhões de IPTU. Com a injustiça (tributária), um imóvel paga mais que outro de mesmo valor. É isso que nós queremos baixar.
JC - A atualização da planta poderá elevar a arrecadação?
Franceschi - Multiplicando pela alíquota que existe hoje, com certeza haveria uma elevação, porque a maioria dos imóveis está com valores muito baixos.
JC - Que regiões sofreram mudanças drásticas na valorização ao longo dos anos?
Franceschi - Houve uma natural valoração dos imóveis pelo crescimento econômico, pela oferta de imóveis... Qualquer um que tenha um terreno no Petrópolis sabe que seu terreno deu uma valorizada. Mas houve, além desse crescimento natural, um crescimento diferenciado. Há 25 anos, o parque Germânia não existia, então o terreno lá tinha um valor, e atualmente tem outro totalmente diferente. A Terceira Perimetral não existia, então um prédio comercial na Aparício Borges tinha um valor, e hoje tem outro. A Carlos Gomes tinha um valor, hoje subiu. A Juca Batista não era duplicada, era longe da cidade, atualmente está dentro da cidade. Só que essa mudança não veio para dentro do IPTU.
JC - No âmbito da discussão política, que tipo de situação pode atrapalhar a questão técnica?
Franceschi - A gente não quer se meter em uma seara que não é nossa. Nós queremos que tenhamos uma tecnologia avançada e que se atinja a justiça fiscal. Agora, as discussões políticas são inevitáveis.
JC - Poderia haver algum tipo de pressão por parte da associação para que se alcance essa justiça fiscal?
Franceschi - A gente tem muita independência, a gente não aceita intromissão no nosso trabalho, porque a Constituição nos dá esse direito. O auditor tem uma autonomia institucional. Mas é claro que não vai se deixar de discutir. Se algum bairro se sentir prejudicado, pode ter sido cometido um erro na avaliação, e com certeza vamos reavaliar e discutir. Isso é aberto, tranquilo e transparente. Tem que ser via reuniões abertas, certamente vai haver audiências públicas. Acho que a sociedade hoje já não admite essas coisas em portas fechadas.
JC - União e estados estão acenando tanto para diminuição de investimentos públicos quanto para o aumento de impostos. Seria um momento político adequado para se fazer uma revisão do IPTU que acabe aumentando o valor a ser pago?
Franceschi - A própria Lei de Responsabilidade Fiscal cobra (a revisão periódica do IPTU) das prefeituras, o Tribunal de Contas cobra. Mas é um momento um pouco difícil. Há que se fazer uma negociação com a sociedade, fazer um pouco escalonado, para que se cobre o IPTU necessário para Porto Alegre. Todos nós queremos uma cidade bem servida, com bons serviços públicos, com educação, com saúde, então tudo isso tem um custo. Temos que discutir que cidade queremos e quanto ela nos custa. É importante que o dinheiro público seja bem aplicado, que não haja corrupção, mas o imposto é inevitável, tem que ter um custo, e por isso acho que a cidade tem que fazer essa discussão.
JC - Saindo um pouco da questão do IPTU, a prefeitura tem dito que a situação financeira do município estaria muito pior do que a do Estado. Como está a realidade de Porto Alegre na visão dos nossos auditores fiscais?
Franceschi - Não entro na discussão de comparar o município de Porto Alegre com o Estado, porque é uma questão política. O que tenho a dizer é o seguinte: Porto Alegre tem, efetivamente, um pequeno problema de desencaixe financeiro: economicamente nós estamos bem; financeiramente, não. Muitas obras foram feitas em Porto Alegre, a Copa trouxe; ofereceram, o município pegou. Neste momento, estamos numa crise pela qual todos os municípios passam. Ela poderia ser muito pior se não fosse nosso trabalho. As transferências federais e estaduais caíram bastante. A nossa arrecadação subiu. Se compararmos com o desempenho da Receita Federal, teríamos R$ 116 milhões a mais, então a crise poderia ser muito pior.
JC - Essa capacidade de endividamento acaba sendo um diferencial considerável em relação ao governo do Estado, que não pode tomar crédito?
Franceschi - Isso mesmo. Mas, é claro, não é o caso de sair correndo e fazer empréstimo. Primeiro, vamos organizar a casa, mas, com certeza, é meritório reduzir despesas, organizar contratos, eu acho muito importante isso.
JC - Acredita que as atuais medidas de austeridade podem sacrificar investimentos públicos necessários?
Franceschi - Acho natural que, quando há uma dificuldade de receitas, busque-se na despesa também uma saída. Acho válido que se reavaliem todos os procedimentos. Mas há outro lado. Só trabalhar despesas é um erro, porque investir na arrecadação, na fiscalização e combater a sonegação são uma alternativa de saída da crise.
JC - A questão de incentivos também.
Franceschi - Reavaliar incentivos, com certeza. Alíquotas rebaixadas nos serviços também são situações que têm que ser reavaliadas. É como uma empresa, quando se entra em uma empresa que não está em boa situação, se avaliam todas as possibilidades. O que não pode ficar para trás são essas: reavaliar incentivos, alíquotas que podem ser corrigidas e investir em tecnologia e fiscalização para que a sonegação diminua. Acho que têm que ser chamados todos os funcionários, os prestadores de serviços, e diminuir a sonegação. Acho que não pode ficar nenhum para trás, todos têm que participar.

Perfil

Joarez Tejada Franceschi nasceu no município de Barão do Triunfo, em 1955. Ao vir para Porto Alegre, em 1970, seu primeiro emprego foi como auxiliar no escritório de contabilidade dos colégios Maristas da Capital. A partir de 1974, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), cursou Engenharia Civil, Administração de Empresas e Administração Pública. Depois de trabalhar 20 anos como empresário da área de construção civil, cursou Direito na Pontifícia Universidade Católica (Pucrs) e prestou concurso para a área de auditoria fiscal, ingressando na prefeitura de Canoas em 2000. Desde 2002, atua como auditor fiscal em Porto Alegre. Já foi presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Municipal de Porto Alegre (Aiamu) em 2006, e preside a associação no biênio 2016-2017. Segundo Franceschi, a Aiamu "tem como princípio não ter nenhuma ligação partidária", pois "o associado tem um perfil muito técnico".