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Direitos Humanos

- Publicada em 16 de Abril de 2017 às 17:35

Imigrantes sentem impacto de ações no Centro

Presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre, Mor Ndiaye busca dar suporte aos recém-chegados

Presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre, Mor Ndiaye busca dar suporte aos recém-chegados


ANTONIO PAZ/ANTONIO PAZ/ARQUIVO/JC
A prefeitura de Porto Alegre tem intensificado ações de fiscalização no Centro da cidade, tentando coibir o comércio informal que toma conta de várias ruas e esquinas. Essas medidas, em parceria com a Brigada Militar e a Guarda Municipal, acabam atingindo especialmente as centenas de imigrantes africanos e caribenhos na Capital - que, pela dificuldade em obter trabalhos com carteira assinada, acabam recorrendo à informalidade como forma de sustento. Governo e entidades da sociedade civil se mobilizam para que a fiscalização não acabe tendo um impacto negativo sobre essas comunidades, precarizando ainda mais suas condições de vida.
A prefeitura de Porto Alegre tem intensificado ações de fiscalização no Centro da cidade, tentando coibir o comércio informal que toma conta de várias ruas e esquinas. Essas medidas, em parceria com a Brigada Militar e a Guarda Municipal, acabam atingindo especialmente as centenas de imigrantes africanos e caribenhos na Capital - que, pela dificuldade em obter trabalhos com carteira assinada, acabam recorrendo à informalidade como forma de sustento. Governo e entidades da sociedade civil se mobilizam para que a fiscalização não acabe tendo um impacto negativo sobre essas comunidades, precarizando ainda mais suas condições de vida.
"Ninguém tem dúvida do momento pelo qual o Brasil está passando. O negócio está feio, não só para imigrantes, mas para todo mundo. Mas o imigrante negro, em um país que fala outro idioma, enfrenta grande dificuldade. Tudo isso afeta na busca de emprego", afirma Mor Ndiaye, presidente da Associação de Senegaleses de Porto Alegre. A entidade busca dar suporte aos recém-chegados na cidade, oferecendo moradia temporária e ajudando na superação das muitas barreiras que surgem, em especial as motivadas pelo desconhecimento da língua portuguesa.
Ndiaye explica que a informalidade se torna, muitas vezes, a única opção para obter algum dinheiro. "Tente se colocar no lugar do cara que está ali, trabalhando informalmente. Ninguém gostaria de sentir na pele o que ele está sentindo, de trabalhar debaixo de sol e de chuva, correndo de fiscalização, recebendo muito pouco. O cara está trabalhando ali por falta de opção."
Não existem, no momento, dados formalizados a respeito da presença de imigrantes em Porto Alegre ou no Rio Grande do Sul. A prefeitura trabalha com um número bruto de cerca de 3 mil pessoas, mas ressalta que o dado não está consolidado cientificamente e não discrimina quantos, dentro desse contingente, são haitianos ou oriundos de países africanos. As estimativas mais próximas são do Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, datadas do começo de 2016 e que calculam cerca de 14 mil imigrantes em solo gaúcho. Desses, em torno de 7 mil seriam haitianos e 4,5 mil senegaleses, com contribuições de outros países africanos, como Gana, Congo, Guiné e Nigéria.
Além das dificuldades com a língua e de acolhimento, muitas dessas pessoas enfrentam sérios problemas trabalhistas, afirma Reginete Souza Bispo, coordenadora do Instituto Akanni, que atua em questões de gênero, racismo e direitos humanos. "Até há alguns anos, essas pessoas chegavam em um momento de pleno emprego, então eram absorvidas pelo mercado de trabalho. Hoje, permanecer em um emprego é o principal problema", descreve.
De acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, as ações de fiscalização no Centro Histórico de Porto Alegre devem ser intensificadas, mesmo com a dificuldade no número de fiscais. No entanto, o poder público garante estar tomando medidas para diminuir o impacto sobre os imigrantes residindo na Capital.
No final de março, uma feira de oportunidades para vendedores ambulantes foi aberta pela prefeitura, atendendo cerca de 3.700 pessoas em três dias de atuação. Entre os participantes, 80 ambulantes haitianos e senegaleses se inscreveram em cursos de qualificação, recebendo licenças provisórias de 60 dias. No período, essas pessoas deverão participar de uma oficina, ministrada pelo Sebrae-RS, e trabalhar em pontos fixos, determinados pela prefeitura e fora da região central.
Vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Social, a Diretoria de Direitos Humanos também assegura ter na inclusão plena dos imigrantes uma de suas prioridades. A construção de um Centro de Referência no Atendimentos para Imigrantes e Refugiados, que já tem garantia de verbas federais para ocorrer, ainda depende da cedência oficial da futura sede. Enquanto isso, a própria Associação de Senegaleses da Capital usa uma sala da prefeitura para receber imigrantes em busca de auxílio.
 

Discriminação racial dificulta carteira assinada, afirma presidente de associação

Embora considerando importantes as ações da prefeitura, Reginete Bispo faz algumas ressalvas. "O foco do comércio na cidade é a região central. Não adianta colocá-los em lugares onde não vão conseguir vender seus produtos. E a prefeitura tem que procurar inserir essas pessoas no mercado formal. Se o comércio do Centro pressiona para que essas pessoas saiam de lá, por que não insere elas em seus postos de trabalho?", questiona a coordenadora do Instituto Akanni.
Segundo ela, essa resistência a empregar africanos no comércio formal é fruto de uma "mentalidade tacanha", que reflete estruturas racistas em nossa sociedade. "O País acaba inclusive perdendo um grande potencial de troca cultural. Os senegaleses são, geralmente, ótimos comerciantes, é um traço cultural. Mas nem se cogita contratá-los", lamenta ela.
Mor Ndiaye, da Associação de Senegaleses, também considera positivas as ações da prefeitura. Mas ressalta que ainda há muito a ser feito. "Alguns imigrantes têm formações de nível alto. A prefeitura poderia colaborar com algumas entidades, criar programas para que eles tenham emprego dentro da área", exemplifica. E ressalta o impacto social que uma proibição irrestrita teria sobre quem busca na rua uma forma de fazer dinheiro. "Graças a Deus, imigrantes nunca vão fazer coisa errada, nunca vão roubar alguém para tentar sobreviver, nunca. Mas vai piorar a vida dessas pessoas, vai ficar mais precária."
Outro ponto que Ndiaye considera ainda abaixo do ideal é o de esclarecimento dos imigrantes quanto a seus direitos trabalhistas, bem como uma fiscalização mais forte sobre as empresas que os contratam. Ele exemplifica com o caso de três senegaleses que foram demitidos por uma empresa local. Quando foram sacar valores do seguro-desemprego, ficaram sem acesso ao benefício - já que o empregador, aproveitando-se do desconhecimento deles, fez com que assinassem a rescisão como se fossem eles que estivessem pedindo demissão.
Ndiaye também vê um elemento racial envolvido nas dificuldades. "As pessoas dizem de vez em quando que imigrante está aqui para roubar emprego dos brasileiros. Daí eu pergunto: e se fosse um alemão ali no mercado, trabalhando, será que vão dizer que ele não pode, porque veio roubar trabalho? Não, ao contrário. Talvez ele tenha até mais oportunidades que você, que é brasileiro. Todos os problemas, se parar para ver, têm relação com racismo. Talvez doa, mas essa é a realidade", lamenta.
"Ninguém vai encaminhar o imigrante até o final da vida. Ele precisa ser acolhido na sociedade, saber o que fazer, e depois se vira sozinho. A maneira de acolher pode melhorar ou piorar (a vida dessa pessoa). A cidade tem responsabilidade, querendo ou não, de cuidar essas pessoas que escolheram Porto Alegre", conclui.