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meio ambiente

- Publicada em 03 de Abril de 2017 às 16:21

Resíduos orgânicos se tornam opção energética sustentável

Biodigestor converte dejetos em gases, especialmente metano e dióxido de carbono, que são transformados em recursos energéticos, como eletricidade e calor

Biodigestor converte dejetos em gases, especialmente metano e dióxido de carbono, que são transformados em recursos energéticos, como eletricidade e calor


ALEXANDRE MARCHETTI/ITAIPUBINACIONAL/DIVULGAÇÃO/JC
De um problema ambiental, os resíduos orgânicos passam, cada vez mais, a ser vistos como alternativa para a produção de energia. Além das biomassas, como a casca de arroz e os restos de madeira, que são queimados para a geração de eletricidade, o entusiasmo agora é com o biogás, que pode vir de dejetos de animais e de sobras vegetais submetidos à digestão anaeróbia.
De um problema ambiental, os resíduos orgânicos passam, cada vez mais, a ser vistos como alternativa para a produção de energia. Além das biomassas, como a casca de arroz e os restos de madeira, que são queimados para a geração de eletricidade, o entusiasmo agora é com o biogás, que pode vir de dejetos de animais e de sobras vegetais submetidos à digestão anaeróbia.
Trata-se de um processo biológico em que a matéria orgânica é convertida em gases, os quais são constituídos, principalmente, por metano (40-75%) e dióxido de carbono (15-60%). O biogás é muito utilizado para geração de energia elétrica e de calor. Porém o material pode ser purificado e transformado em biometano e aproveitado como combustível veicular ou injetado na rede de gás natural.
Para mapear o potencial desse recurso energético, a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) lançou, no ano passado, o atlas gaúcho das biomassas para produção de biogás e biometano. O levantamento, considerando todas as biomassas avaliadas (resquício do abate de bovinos, de suínos, de aves e de laticínios, lodos e resíduo vegetal de vinícolas, aterros sanitários e lodos de estações de tratamento de esgoto), estima que o montante disponível no Rio Grande do Sul seja algo em torno de 85,7 milhões de toneladas ao ano.
Esse total, que não leva em conta parâmetros de coleta e de logística, corresponderia a um potencial de geração de biogás em torno de 9 milhões de metros cúbicos ao dia. Atualmente, o gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), que abastece o território gaúcho, chega ao Estado com uma capacidade de 2,8 milhões de metros cúbicos de gás natural diários.
O secretário estadual de Minas e Energia, Artur Lemos, frisa que os maiores potenciais de biomassa estão na Fronteira Oeste. As lavouras de arroz e florestas plantadas na região, assim como o volume de dejetos bovinos, explicam essa condição. A expectativa também é positiva para o Vale do Taquari e a Serra, que podem aproveitar os dejetos de suínos, aves e restos de frutas da produção agrossilvipastoril para produzir biogás e biometano. "Esse é o combustível do momento", enfatiza o secretário, ao acrescentar que a fabricação de biometano rende diversos ganhos para a sociedade. Entre as vantagens está a destinação adequada de resíduos que são nocivos ao meio ambiente, oriundos de atividades imprescindíveis, como é o caso da produção de alimentos.
Lemos ressalta que há vários agricultores que não podem expandir suas produções, porque não conseguem licença ambiental devido à falta da destinação adequada aos rejeitos. O biometano também cria uma nova cadeia econômica, que aumenta as opções de fornecimento de gás em regiões que não são alcançadas por gasodutos, pois não têm demanda suficiente para justificar a construção de uma estrutura dessa natureza.

Empreendedores reivindicam mais linhas de financiamento

Autoconsumo permite um fornecimento de qualidade na área rural

Autoconsumo permite um fornecimento de qualidade na área rural


/EMATER-ASCAR/DIVULGAÇÃO/JC
Um obstáculo comum a jovens empreendimentos também é uma dificuldade a ser superada por quem pretende investir em complexos de biogás e biometano. O presidente da Associação Brasileira de Biogás e Metano (ABBM), Mario Coelho, considera que o principal gargalo do setor está na questão do financiamento dos projetos. A entidade defende que é preciso consolidar uma política pública para o segmento.
De acordo com o dirigente, existem vários empresários e produtores que têm a intenção de investir, mas esbarram nas limitações quanto a empréstimos. "Estamos com uma expectativa muito grande de ter uma linha específica de financiamento para o biogás", afirma.
Para ampliar os aportes no setor, Coelho ressalta que é preciso que surjam mais unidades de produção. "Isso fará com que outras pessoas criem coragem e apostem na área", projeta. Nenhuma planta de biogás é igual a outra, porque cada resíduo tem um potencial de geração diferente. Contudo o presidente da ABBM estima em torno de R$ 8 milhões o valor gasto para instalação de cada MW de energia elétrica produzido a partir do biocombustível.
O autoconsumo de energia é uma das vantagens do biogás, que permite um fornecimento de qualidade na área rural, que, em muitas regiões, tem uma infraestrutura precária quanto à rede elétrica. Coelho acredita que essa prática pode ser melhor aproveitada por frigoríficos e empresas de alimentos que tenham uma considerável geração de resíduos orgânicos.
O dirigente estima que um frigorífico, através de seus rejeitos, pode cobrir 30% do seu consumo de eletricidade, além de produzir energia térmica. O biogás ainda apresenta uma vantagem em relação a outras fontes renováveis de energia, como a solar e a eólica, que é o fato de não depender das condições climáticas. Em compensação, um ponto complexo dentro do segmento é o contrato de fornecimento do substrato com produtores de suínos ou aves, por exemplo, quando o gerador do biogás não é dono do resíduo.

Sulgás lançará chamada pública para compra de biometano

Além da possibilidade de linhas acessíveis para financiamentos, outra preocupação dos investidores em plantas de biometano é a consolidação de um mercado. Nesse sentido, uma ação que está sendo muito aguardada pelos empreendedores é a chamada pública para aquisição de biometano prevista para ser feita pela Sulgás ainda neste semestre.
Inicialmente, a estatal anunciou a intenção de comprar até 200 mil metros cúbicos diários do biogás purificado, porém atualmente esse volume está sendo redefinido. A expectativa era de que a ação fosse lançada em 2015, mas diversas questões, como o receio de que não houvesse oferta suficiente do biocombustível para atender à demanda, foram postergando a medida. O objetivo da chamada pública é selecionar projetos para produção desse gás em diferentes regiões do Rio Grande do Sul, viabilizando sua distribuição pela Sulgás para potenciais clientes que hoje estão distantes da rede de distribuição da concessionária. A estatal, inclusive, já implementou uma marca registrada para o produto que será comercializado: GNVerde.
Sobre a chamada pública da Sulgás, o presidente da ABBM, Mario Coelho, diz que a grande vantagem é a garantia da compra do gás por um longo período (20 anos). Contudo o dirigente antecipa que o sucesso da ação dependerá do valor que a estatal pagará pelo biocombustível e como será estabelecida a entrega do produto. Uma possibilidade para essa logística é a construção de pequenas malhas de gasodutos, próximas às plantas de biometano. Outra alternativa é o uso de caminhões-tanque.
O consultor técnico do grupo temático de energia da Fiergs, Ronaldo Lague, frisa que, como se trata de um setor novo, pode haver uma limitação da oferta de biometano em um primeiro momento. Entretanto o dirigente acredita que a tendência é desse segmento crescer. "Vai depender de ter instalações capazes de receber resíduos", argumenta. Lague afirma que a perspectiva é que sejam desenvolvidos projetos compactos que possam ser instalados em estabelecimentos como supermercados, para aproveitar frutas, verduras ou outras matérias orgânicas. O dirigente reforça que muitos negócios possuem grupos geradores alimentados a diesel para atender a parte de sua demanda de energia que podem ser substituídos por equipamentos que usam o biogás.
Lague argumenta que o projeto do Consórcio Verde-Brasil (formado pelas empresas Ecocitrus e Naturovos), em Montenegro, é uma prova de que empreendimentos com biometano podem ser desenvolvidos no Estado. O grupo opera, há cerca de quatro anos, uma planta de menor escala para atender a demandas internas, como o fornecimento de biocombustível para automóveis. A unidade consome como matéria-prima os dejetos de aves poedeiras e resíduos agroindustriais. O grupo tem planos de expansão, mas prefere manifestar-se sobre eles somente quando for publicada a chamada pública da Sulgás.

Casca de arroz e restos de madeira viram insumo para a produção em usinas gaúchas

Insumo das lavouras orizícolas alimenta oito usinas gaúchas, que geram  38,6 MW, cerca de 1% da demanda média total de eletricidade do Estado

Insumo das lavouras orizícolas alimenta oito usinas gaúchas, que geram 38,6 MW, cerca de 1% da demanda média total de eletricidade do Estado


/IVAN DE ANDRADE/PALÁCIO PIRATINI/JC
Mesmo não tendo a capacidade de São Paulo para produzir energia elétrica por meio da biomassa (no caso dos paulistas, principalmente com a cana-de-açúcar), o Rio Grande do Sul também tem suas alternativas. O insumo que se sobressai no Estado, até o momento, é a casca de arroz.
Conforme dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), são oito usinas gaúchas alimentadas com casca de arroz, que somam 38,6 MW (cerca de 1% da demanda média total de eletricidade do Rio Grande do Sul). Entre os complexos que utilizam biomassa na região, o número somente é superado pela cogeração (produção simultânea de energia térmica e elétrica) da fábrica da CMPC Celulose Riograndense, em Guaíba. A indústria de celulose aproveita o vapor gerado pela caldeira por meio da queima do licor negro (resíduo orgânico que se assemelha ao piche) proveniente do cozimento da madeira.
Também chamam a atenção no Estado duas termelétricas alimentadas com resíduos florestais, uma em Piratini e outra em Encruzilhada do Sul, totalizando 11,8 MW, e a usina de biogás que utiliza como combustível o metano procedente de gás gerado em aterro sanitário, localizada no município de Minas do Leão.
Quanto a estruturas que trabalham com a casca de arroz, o consultor técnico do grupo temático de energia da Fiergs, Ronaldo Lague, argumenta que o empreendedor tem que garantir o fornecimento do material, seja com terceiros ou por sua produção própria, com custo adequado.
Uma companhia que consegue manter a atividade "verticalizada" é a Pilecco Nobre. A empresa concilia a produção do arroz com o processo de geração de energia elétrica e de sílica. O presidente do grupo, Onélio Pilecco, destaca que isso agrega valor e possibilita que não se fique tão exposto aos "altos e baixos" dos ciclos das commodities agrícolas. O executivo comenta que, apesar dos benefícios que o aproveitamento dos resíduos implica, esse caminho foi adotado pela necessidade de dar uma destinação correta às cascas de arroz. Pilecco recorda que, em um passado mais longínquo, antes de ser empregado como combustível, o rejeito era depositado em propriedades da empresa ou de terceiros. Em um determinado momento, foram utilizados depósitos, licenciados pelos órgãos ambientais, para atender a essa finalidade.
Hoje, a capacidade instalada da usina, localizada em Alegrete, é de 5 MW. Já a capacidade de produção de sílica é da ordem de 1 mil a 1,2 mil toneladas ao mês, contudo depende do volume de geração de energia. Com a solução encontrada, a companhia consegue dar uma destinação adequada para cerca de 5 mil toneladas mensais de casca de arroz. Pilecco diz que essa configuração atende à demanda do grupo, no momento.
A produção de energia elétrica começou em 2008 e, três anos depois, a companhia registrou a sua primeira carga comercial de sílica. O material, fabricado pela Sílica Verde do Arroz (SVA - subsidiária criada pelo Grupo Pilecco Nobre), pode ser empregado como adição e substituição do cimento em dosagens de concreto e artefatos à base de cimento com ganhos de propriedades no produto final. Parte da eletricidade gerada é consumida pela própria Pilecco, e outra é comercializada no mercado livre de energia (formado por grandes consumidores que podem escolher quem será seu fornecedor). O presidente reforça que é uma atividade que não gera desperdício, aproveitando os resíduos para conseguir uma maior competitividade.