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Publicada em 30 de Março de 2017 às 16:48

Empreendedorismo feminino no Brasil: mais do mesmo?

Gabriela Ferreira - Marcas de Quem Decide

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Gabriela Cardozo Ferreira, diretora de inovação da PUCRS
Gabriela Cardozo Ferreira, diretora de inovação da PUCRS
"Todo cambia y sigue igual, y aunque siempre es diferente."
(Fito Paez)
Por acaso (ou não), no mês internacional da mulher, me cabe falar sobre o tema empreendedorismo feminino. Existe um empreendedorismo feminino? Ele difere do masculino? Quais são essas características e diferenças? O empreender pode mudar o quadro da desigualdade que existe entre homens e mulheres no mercado de trabalho? E como está isso no Brasil?
Os anos recentes mostram um crescimento da taxa de empreendedorismo no País, que contava, já em 2014, com 25 milhões de pessoas dependentes do próprio negócio (IBGE, 2014). Segundo dados do Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em pesquisa divulgada em junho de 2016, o Brasil atingiu o maior nível de empreendedorismo desde 2002, quando a pesquisa começou a ser realizada, indicando que 39,3% da população adulta brasileira empreendem.
Mas vamos ao foco deste artigo: analisando por gênero, a taxa de empreendedorismo entre as mulheres é de 36,4% versus 42,4% entre os homens. Essa diferença não chega a surpreender, visto que sabemos que esse é um reduto tipicamente masculino. Ou pelo menos era. A mesma pesquisa revela que, no caso de empreendimentos novos, aqueles com até 3,5 anos, a taxa feminina superou a masculina pela primeira vez, mostrando um movimento mais forte de entrada de mulheres em atividades empreendedoras. Também os dados referentes à proporção de mulheres como empregadoras mostra um crescimento superior ao dos homens, sendo que, entre 2003 e 2013, a atuação feminina nesse campo passou de 24,8 para 28,7%.
Os dados, porém, também apresentam uma faceta não tão animadora: a taxa geral de empreendedorismo por necessidade (motivada por falta de alternativas de renda ou desemprego, por exemplo) superou a taxa de empreendedorismo por oportunidade (aquele baseado em condições favoráveis identificadas no mercado), o que não acontecia desde 2002. As mulheres foram as principais responsáveis por esse crescimento, e 54% do empreendedorismo feminino estão baseados na necessidade, versus 32% no caso dos homens. Isso mostra que temos, sim, mais mulheres empreendedoras, chegando a patamares de igualdade com os homens, mas o motivador recente para isso parece ser a crise. Que aconteça por linhas tortas, então, mas a participação das mulheres está melhorando.
Os empreendimentos femininos têm, em relação aos masculinos, produtos mais novos e com menos concorrentes; porém com menor orientação internacional, com uso de tecnologias mais tradicionais e com menor faturamento. Mais da metade das empreendedoras concentra seu negócio em apenas quatro atividades: restaurantes e assemelhados, serviços domésticos, serviços de beleza e comércio de cosméticos e afins.
Os empreendedores têm um leque maior de atuação, sendo que a metade deles divide sua empresa em 12 atividades. Parece que as mulheres têm sua atuação empreendedora ainda bastante vinculada àquelas atividades normalmente relacionadas à condição feminina, que gira em torno da casa e da preocupação com a estética. E nada que envolva muita tecnologia, porque isso nunca foi "coisa de menina". As mulheres empreendedoras são mais jovens (mais de 40% das empreendedoras têm até 34 anos, enquanto 50% dos homens estão entre 35 e 54 anos) e mais escolarizadas que seus pares homens (enquanto 29% das mulheres tem até o primeiro grau incompleto, esse percentual sobe para 32% no caso dos homens); mas tem menos acesso a crédito e ganham menos do que eles. Para completar, elas se declaram com menos conhecimento e têm menor grau de autoconfiança que os homens. Qualquer semelhança com a situação das mulheres em outras áreas certamente não é mera coincidência.
Estamos realmente evoluindo? O cenário mostra que, apesar das melhorias recentes, os dados de empreendedorismo feminino no Brasil refletem uma realidade mais ampla da mulher no mercado de trabalho, onde elas continuam enfrentando uma situação de maior precariedade do que os homens na atuação profissional, que vai de menores rendimentos até piores condições de trabalho (como mostra um estudo do IPEA).
Isso apenas revela que o empreendedorismo, como qualquer outra atividade, segue as regras da sociedade e a elas está condicionado. As mulheres não sofrerão menos preconceito por serem empreendedoras. Ao contrário, elas conseguirão ser empreendedoras se vencerem o preconceito. Enfim, nada que o passado e a nossa cultura não expliquem. Mas nada que não possamos mudar para o futuro.

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