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Cinema

- Publicada em 30 de Março de 2017 às 22:38

Passado doloroso

Desde que William Wyler realizou O colecionador, em 1965, que muitos diretores têm tentado algo equivalente, quase sempre sem sucesso. O tema do sequestro praticado por alguém mentalmente perturbado, os métodos empregados pelo criminoso e seu relacionamento com as vítimas não têm encontrado cineastas capazes de colocar na tela sinais de renovação.
Desde que William Wyler realizou O colecionador, em 1965, que muitos diretores têm tentado algo equivalente, quase sempre sem sucesso. O tema do sequestro praticado por alguém mentalmente perturbado, os métodos empregados pelo criminoso e seu relacionamento com as vítimas não têm encontrado cineastas capazes de colocar na tela sinais de renovação.
Partindo daquele filme e acompanhando o desenvolvimento de tal temática o espectador poderá constatar um processo de diluição que tem exposto de forma clara o esgotamento das fórmulas e a pobreza das propostas a ela relacionadas. Nos últimos anos, dois filmes tentaram, e de certa forma conseguiram, trazer algo novo ao tema: Rua Cloverfield, 10, de Dan Trachtemberg, e O quarto de Jack, de Lenny Abrahamson, o primeiro tangenciando o tema da paranoia diante de possíveis ameaças e o segundo atingindo um nível inesperado ao abordar temas como a aprendizado e o amadurecimento. M. Night Shyamalan é um cineasta apreciador de fantasias de terror e de ameaças as mais diversas.
Em 1999, com O sexto sentido, ele conseguiu uma merecida repercussão, mas a partir do filme seguinte, O corpo fechado, em 2000, foi aos poucos perdendo prestígio, mesmo que alguns setores da crítica continuassem a ver méritos maiores em seu cinema. Agora, com o sucesso de bilheteria alcançado por Fragmentado, ele volta ao centro do palco, ao acrescentar ao tema algumas variações que merecem, ao menos, atenção.
As habilidades do cineasta como narrador são inquestionáveis. Toda a sequência inicial, por exemplo, é reveladora. Já no primeiro plano do filme, a figura da jovem que depois irá se destacar na trama é isolada das demais. E logo a seguir, na cena do sequestro, quando ao espectador são apenas mostrados sinais do que está acontecendo e não o fato principal, fica evidente o propósito de escapar do lugar comum. O próprio roteiro, a seguir, permite que ação não seja limitada pelo cenário único. Além de abordar o drama vivido pelas jovens sequestradas, a narrativa se expande pelo mundo exterior e também reconstitui cenas do passado.
Porém, em vez de encenar o passado do sequestrador, o filme investiga acontecimentos vividos, na infância, por uma das vítimas. O drama vivenciado na infância do criminoso é reconstituído de outra maneira. Há no filme a personagem de uma senhora estudiosa de casos de múltipla personalidade. Poderia ser um outro tipo de figura, mas tal personagem, sem qualquer dúvida, é a configuração da imagem materna. É o passado atuando no presente. No único momento em que de forma explícita acompanhamos uma experiência infantil do criminoso ele está sendo ameaçado pela mãe. O aparecimento do que ele chama de a besta se conclui num óbvio ato de vingança.
Um mérito do roteiro é fazer com que uma das vítimas também tenha dolorosa experiência em seu passado. O conflito que também se desenvolve entre ela o sequestrador é, de certa maneira, outro choque no qual a vingança exerce o papel principal. A arma é um elemento que une os dois tempos e a presença do monstro traz de volta a violência praticada contra uma criança. Shyamalan, que também é o autor do roteiro, não se limitou, portanto, a encenar o horror, já que também procura encontrar suas causas. Pena é que ele tão habilidoso como narrador não tenha conseguido se livrar de algumas facilidades e permitido que a confusão enfraqueça sua proposta, principalmente nas cenas finais. Desfazer as fantasias e mostrar que elas são produtos de uma imaginação deformada por acontecimentos não devidamente elaborados não chega a ser o objetivo principal. O diretor cede, na conclusão, ao recurso das soluções precipitadas.
O filme, na verdade, é vencido por aquelas distorções da realidade, tão apreciadas pelos que apreciam alterá-la em vez de contemplá-la de forma a permitir a compreensão de todos os seus dados. Ele não segue, assim os passos daquele que parece ser um de seus modelos: Alfred Hitchcock. É o que se pode concluir pelo costume que ele tem de aparecer em uma cena - no caso, ao lado da terapeuta - e também pela citação de um filme dele próprio, no plano derradeiro da obra.
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