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Cinema

- Publicada em 12 de Fevereiro de 2017 às 17:49

Fantasia desfeita

De Hugo Fregonese a Alejandro Gonzales Iñárritu não são muitos os cineastas latino-americanos a conseguirem espaço e prestígio no cinema dos Estados Unidos. Hollywood, como se sabe, deve parte de sua importância ao talento de muitos cineastas europeus, que, afastando-se de seus países por motivos diversos, tanto guerras como perseguições políticas e raciais, e também a busca de novos horizontes, deixaram uma contribuição não apenas àquela cinematografia, pois seu trabalho serviu para enriquecer o cinema como manifestação artística universal.
De Hugo Fregonese a Alejandro Gonzales Iñárritu não são muitos os cineastas latino-americanos a conseguirem espaço e prestígio no cinema dos Estados Unidos. Hollywood, como se sabe, deve parte de sua importância ao talento de muitos cineastas europeus, que, afastando-se de seus países por motivos diversos, tanto guerras como perseguições políticas e raciais, e também a busca de novos horizontes, deixaram uma contribuição não apenas àquela cinematografia, pois seu trabalho serviu para enriquecer o cinema como manifestação artística universal.
Mas, da América Latina, foram poucos os que conseguiram realizar um trabalho regular no cinema norte-americano. Entre eles, o mais destacado é o mexicano Iñárritu, que conseguiu a proeza de conquistar duas vezes seguidas o Oscar de direção, primeiro por Birdman e depois por O regresso. Outro mexicano, Alfonso Cuarón, com Gravidade, um fascinante exemplar de ficção-científica, também deve ser incluído na lista dos latino-americanos que se impuserem por seu talento. O argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco foi outro, mas este, depois de Ironweed e Brincando nos campos do Senhor, voltou às origens. O chileno Pablo Larraín, realizador de Jackie, se aproxima daquele cinema com este filme, produzido por grupos europeus, mas com tema e elenco norte-americanos. Recapitulando os dramáticos dias vividos por Jacqueline Kennedy após o assassinato do marido, em 22 de novembro de 1963, Larraín não se mostra agora o mesmo cineasta de No e O clube, mas realizou um filme que, até pelo ineditismo na escolha da personagem central, tem méritos inegáveis.
Ao contrário de David Miller, em Assassinato de um presidente, e Oliver Stone, em JFK, Larraín não está interessado em uma investigação sobre o crime perpetrado em Dallas. Nem em segundo plano aparece uma tentativa de colocar a plateia diante de uma procura das causas do atentado e de sua execução. Os problemas da época são ligeiramente mencionados, e o papel exercido por John Kennedy no teatro político do período merece apenas pequenas observações.
O que interessou ao cineasta foi outro tema: o da fantasia desfeita pela mais cruel realidade, aquela que retira de cena Pablo Casals e seu violoncelo e coloca em destaque Lee Oswald e seu rifle. Em vez da música e da cultura, a violência materializada no sangue que jorra da cabeça do presidente abatido. Em um de seus filmes anteriores, No, Larraín já havia mostrado aquilo que é oculto pelas cortinas criadas pelas engrenagens interessadas em rituais destinados a valorizar aspectos superficiais da realidade. Naquele trabalho, o cineasta mostrava que o plebiscito organizado pelo governo de Pinochet, no qual a população chilena condenou o regime ditatorial então vigente, transformou-se numa espécie de guerra publicitária no qual as armas mais valiosas eram a imaginação de funcionários de uma agência, que substituíam apelos humanistas por técnicas modernas de comunicação.
Ao estruturar seu filme, realizado a partir de um roteiro de Noah Oppenhein, sobre uma entrevista realmente concedida a um repórter, uma referência a Theodore H. White da revista Life, Larraín faz com que seja reconstituído outro encontro de Jacqueline com jornalistas, no caso um documentário feito no interior da Casa Branca e na qual a protagonista fala de seu cotidiano e da importância histórica de alguns cômodos da residência presidencial.
Nessa entrevista, a personagem sempre aparece orientada por uma jornalista e obrigada a manter um sorriso artificial - esse recurso que, até hoje, aparece, por vezes em momentos inapropriados -, o que a transforma numa espécie de boneca, com voz e gestos infantis. É quase um filme dentro do filme, recurso utilizado pelo diretor para acentuar a artificialidade que será destroçada pela brutalidade que virá a seguir. Esse tema também é acentuado pela meticulosa reconstituição da chegada do casal a Dallas, iniciada por uma calorosa recepção no aeroporto. Larraín é um cineasta interessado em desfazer as aparências enganosas e colocar na tela a intensidade de forças quase sempre ignoradas pelos cultores de falsidades e pelos que agem em nome de tudo que é superficial e gerado pelo diversionismo.
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