O Rio Grande do Sul conta com uma série de empreendimentos que são administrados por estrangeiros ou seus filhos. Restaurantes neste perfil proporcionam uma verdadeira viagem a sabores e costumes. Os negócios, para esses empreendedores, significam mais do que geração de lucros. É a forma que encontraram para se sentir perto de casa e um jeito de manter viva a cultura na qual foram criados.

Três negócios com gastronomia internacional no interior do RS


O Rio Grande do Sul conta com uma série de empreendimentos que são administrados por estrangeiros ou seus filhos. Restaurantes neste perfil proporcionam uma verdadeira viagem a sabores e costumes. Os negócios, para esses empreendedores, significam mais do que geração de lucros. É a forma que encontraram para se sentir perto de casa e um jeito de manter viva a cultura na qual foram criados.

 
 

1 > Boulangerie com padeiro legítimo francês em Canela

Há clientes que entram na padaria Casa Francesa, cuja loja própria foi recém-inaugurada em Canela, e perguntam se o padeiro é "original". Eles querem saber se Frédéric Onraet, 45 anos, nasceu mesmo no país europeu. Afinal, isso faz toda a diferença. O pão francês de verdade é bem diferente do que é vendido no Brasil com esse nome. "O nosso é mais assado, tem crosta, mais aroma e gosto", compara o empreendedor, que decidiu morar no Brasil após conhecer a esposa e sócia, Mariane, 37, à espera de um barco na Amazônia, em 2004.
Na terra de Frédéric, a profissão de padeiro é bastante valorizada e exige capacitação de dois anos. Segundo ele, o simples diploma não dá as qualidades necessárias para ser um profissional reconhecido - o que somente a prática faz. Foi por isso que esperou tanto para abrir sua própria boulangerie (padaria, em francês). Primeiro, ele e Mariane iniciaram, em 2011, atrás da igreja de Canela, a produção para atender a hotéis, restaurantes e pontos de revenda. Aos sábados, ofereciam os produtos também para o público. Há seis meses, lançaram a unidade para receber os clientes, na avenida José Luiz Correa Pinto, nº 299. Agora, as vendas ocorrem exclusivamente ali, onde trabalham cinco pessoas. Na fábrica, que continua no Centro da cidade, são três.
casa francesa 2, niágara braga, especial
"Tudo foi devagar. A clientela já estava formada. Montamos um negócio botando dinheiro do lado para reinvestir, tudo foi pensado", ressalta, acrescentando que o montante inicial para a empreitada foi de R$ 15 mil (para compra de batedeira, forno e mesa). A produção atual chega a 5 mil baguetes por mês.
Além dos baguetes, a nova loja vende brioches, pães com azeitonas, pães integrais com castanha do Pará, croissants, tortas, sanduíches, folhados, entre outras iguarias. Para 2017, a intenção é expandir através de franquias.
Mariane, formada em Direito, chegou a morar cinco anos na França com Frédéric, experiência que a coloca em sintonia com a proposta da Casa Francesa. A volta ao Brasil ocorreu porque, na Europa, a concorrência seria mais acirrada e os valores, mais elevados. Mas para quem pensa que empreender em uma cidade turística como Canela é o paraíso, ela compartilha algumas lições. "Canela e Gramado parecem um mar de rosas. Dá a impressão de ter muita gente para consumir, mas é uma falsa impressão. As pessoas vêm para passear, e não para comprar", interpreta. Isso exige planejamento - já que o faturamento oscila bastante.
O que não oscila é o entusiamo da dupla em mostrar aos visitantes que o original tem, sim, o seu valor.
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2 > Tibetano de Três Coroas vai além da comida

Desde 2011, o Rio Grande do Sul conta com o primeiro restaurante tibetano do Brasil. Localizado na rua Alagoas, nº 361, na cidade de Três Coroas, o Espaço Tibet abre de quarta-feira a domingo e oferece muito mais do que apenas comida típica tibetana. O cliente encontra um pedacinho do pequeno país asiático por um preço médio de R$ 65,00 (com entrada, salada e prato principal).
A ambientação - capaz de oferecer um "teletransporte ao Tibete" - se deve à figura de um de seus proprietários, Ogyen Shak, tibetano que fugiu da repressão chinesa e veio parar na cidade de São Paulo, em 2006. Ele é casado com a brasileira Adriana Shak, de 44 anos. Além do conhecimento sobre a culinária, ele agrega ao local um verdadeiro arsenal cultural. É o responsável não apenas pelo cardápio, mas pelas pinturas e demais detalhes que compõem a estrutura. "Meu sonho é todos dizerem que conhecem o Tibet", conta um sorridente Ogyen.
Na chegada ao Brasil para trabalhar como pintor, sua ideia inicial de negócio era abrir um atelier. Empregando seus conhecimentos artísticos na reforma do Templo Budista de Três Coroas, conheceu Adriana. Ela foi voluntária no local por quase 15 anos, tendo atuado nas mais diversas atividades administrativas - conhecimento que hoje é empregado no restaurante. Os dois haviam iniciado um relacionamento quando Ogyen fora notificado sobre sua deportação. A solução era um casamento imediato.
Não foi apenas a questão artística-cultural que convenceu Ogyen a abrir um restaurante. "O povo brasileiro gosta de comer", avalia o tibetano. Prova disso são os quase 1,5 mil clientes recebidos por mês para provar delícias como os típicos momos, trouxinhas cozidas no vapor, salteadas na manteiga e recheadas. Nos fins de semana e feriados, listas de espera fazem o número de funcionários saltar dos cinco da semana para 15.
A 15 minutos de carro do Chagdud Gonpa Brasil - Templo Budista de Três Coroas -, o "refúgio gastronômico" envolve vidas sintetizadas na tolerância e na coragem, duas entre as tantas características do budismo. "Empreendedores têm que ter paciência", ressalta Ogyen, demonstrando compreensão das dificuldades nas terras tupiniquins. "Para fazer negócio no Brasil é muito difícil. A mentalidade das pessoas tem que mudar", completa. O Espaço Tibet, antigamente, ficava às margens da RS-020, mas desentendimentos com vizinhos forçaram a procura por um novo terreno. Mais um teste para o equilíbrio do casal. "Dependemos de tantas variáveis, e isso nos deixa mais forte", observa Adriana.

3 > O sabor da Hungria em São Sebastião do Caí

Há 50 anos, o restaurante A Canga, na beira da RS-122, em São Sebastião do Caí, é o único do Sul do Brasil a oferecer comida húngara. Como o proprietário, Carlos Cvitko, de 57 anos, diz: "quem quiser provar o tempero do país terá de vir aqui". A concorrência mais próxima de seu estabelecimento está em São Paulo e no Sergipe.
O negócio foi criado pelos pais de Carlos, Karoly e Erzsebet, ambos falecidos. O casal saiu da Hungria em 1957, fugindo do comunismo soviético. A estreia no empreendedorismo se deu após Karoly ter trabalhado em uma siderúrgica e em hotéis, como o Plazinha, em Porto Alegre - atividades que o aproximaram da gastronomia. Em 1967, então, quis seguir seu caminho por conta própria.
Na época, Carlos (que hoje toca a operação ao lado de dois dos três filhos, Carlos Felipe, 30, e Rafael, 32) era criança. Cresceu, portanto, no ambiente que atualmente está sob sua responsabilidade. O cardápio se mantém o mesmo da época de seus criadores. Entre os pratos, o mais tradicional é o pimentão recheado com carne moída e arroz, molho de tomate e páprica doce. Frango à milanesa, sopa de miúdos de frango com massa caseira, batatas fritas e bolinho de carne frito também fazem parte das opções.
As refeições são servidas à francesa por R$ 24,20 nos dias úteis (almoço executivo), e, nos fins de semana, custam entre R$ 44,00 e R$ 57,50 - dependendo do tipo de escolha. Domingo é quando se registra a maior procura: a casa prepara uma média de 120 almoços. "Mas, nos últimos anos, devido à instabilidade, perdemos 30% do movimento", avalia Carlos.
O sucessor do restaurante, que tem 90 lugares para acomodar a clientela, lembra que o início de A Canga não foi nada fácil. Em três meses de funcionamento, foram servidos apenas dois almoços. "A gente sobrevivia com serviço de bar", conta. Agora, os problemas são outros. "O maior desafio é conseguir pagar os impostos e sobrar uma quantia para fazer algo de bom", coloca.
O que sempre salvou as vendas foi o "boca a boca". A página no Facebook, inclusive, foi criada por um cliente, mas hoje é Carlos quem administra. Embora ele não tenha nascido na Hungria, já visitou o país cinco vezes. Mesmo longe, no estabelecimento, consegue se sentir próximo da cultura de sua família e repassá-la aos frequentadores. A experiência pode ser levada para casa através dos produtos ali vendidos, como vinhos originais, conservas, geleias, sucos e aguardentes.
A Canga, restaurante húngaro. Na foto: Carlos José Cvitko