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Tecnologia

- Publicada em 29 de Janeiro de 2017 às 12:51

STF promove audiência sobre bloqueios do WhatsApp

Marco Civil da Internet é mote para discussão sobre constitucionalidade da medida

Marco Civil da Internet é mote para discussão sobre constitucionalidade da medida


JUSTIN SULLIVAN/GETTY IMAGES/AFP/JC
Após quatro decisões judiciais, entre 2015 e 2016, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) envolvendo o bloqueio do aplicativo WhatsApp, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu promover uma audiência pública a respeito. Os interessados em participar do evento, sem data definida, têm até 1 de fevereiro para se inscrever pelo e-mail [email protected].
Após quatro decisões judiciais, entre 2015 e 2016, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) envolvendo o bloqueio do aplicativo WhatsApp, o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu promover uma audiência pública a respeito. Os interessados em participar do evento, sem data definida, têm até 1 de fevereiro para se inscrever pelo e-mail [email protected].
A princípio, a audiência abrangeria apenas a ADPF 403, movida pelo Partido Popular Socialista (PPS), que colocou o direito à liberdade de comunicação como descumprido com o bloqueio. Porém, o Supremo resolveu incorporar a ADI 5.527, de autoria do Partido da República (PR), ao debate. O texto cita o Marco Civil da Internet e aponta que os incisos 3 e 4 do artigo 12 da norma abrem brecha para que magistrados tomem decisões que ferem os direitos de livre comunicação, livre iniciativa e livre concorrência, além de violar a proporcionalidade.
O objetivo do evento é fazer uma discussão sobre o polêmico assunto entre especialistas de diferentes áreas, a fim de verificar se o WhatsApp não possui, de fato, as informações que não tem repassado à Justiça em investigações, e se o bloqueio fere o direito à liberdade de comunicação. A alegação da empresa é que as mensagens e ligações são criptografadas e, portanto, não há armazenamento das informações em nenhum banco de dados.
A primeira tentativa de bloqueio se deu em 25 de fevereiro de 2015, quando a Justiça do Piauí determinou a sua retirada do ar para forçar a empresa a colaborar com investigações em um caso de pedofilia. A medida foi derrubada por uma liminar antes de ser cumprida.
Na segunda tentativa, em 16 de dezembro de 2015, o aplicativo ficou bloqueado durante 13 horas, apesar de a decisão da Justiça de São Paulo ter determinado um período de 48 horas. A investigação, nesse caso, era relativa a trocas de mensagens por integrantes da facção criminal Primeiro Comando da Capital (PCC).
O terceiro bloqueio ocorreu no dia 2 de maio de 2016, quando o WhatsApp permaneceu bloqueado por quase 24 horas a partir de decisão da Justiça de Sergipe. Na época, a empresa não compartilhou informações com uma investigação sobre o tráfico de drogas.
O quarto e último processo desse tipo aconteceu em 19 de julho do ano passado, vindo de uma comarca de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A decisão da juíza Daniela Barbosa, em virtude de investigação policial prejudicada pelo não compartilhamento de informações, não previa prazo para o fim do bloqueio. Contudo, foi derrubada por determinação do ministro do STF Ricardo Lewandowski.
O WhatsApp foi procurado pela reportagem e, inicialmente, se disponibilizou a responder às questões enviadas. Entretanto, pouco depois, informou que não iria se pronunciar sobre a questão.

Facções criminosas tramam livremente, diz juíza

Para a juíza Daniela Barbosa, autora da última decisão envolvendo o bloqueio do WhatsApp, o criminoso sabe que a Justiça não tem acesso às ligações do aplicativo, utilizando-o para se proteger. "Isso faz com que deixemos que as facções falem livremente, tramando crimes, sem que a Justiça possa interferir de forma alguma, sem poder investigar e atuar como a própria sociedade espera", destaca.
Na opinião da magistrada, a população precisa decidir o que quer. "Quando o juiz intercepta uma ligação, ele não está acabando com a privacidade. As pessoas não deixaram de usar ligações telefônicas porque poderiam ser interceptadas, pois os dados são protegidos. As interceptações acontecem exclusivamente mediante decisão judicial", esclarece.
Mesmo assim, Daniela não crê que uma legislação específica para ligações via sistema de troca de mensagens mudaria alguma coisa. "O brasileiro tem leis demais. O que é necessário é que possamos agir como a sociedade espera. Hoje, o Judiciário fica amarrado", argumenta. A sociedade, conforme a juíza, acha horrível que o WhatsApp seja bloqueado, mas não percebe que é com o aplicativo que os presidiários dão ordens de dentro das prisões.
O Brasil é o segundo país do mundo com mais usuários de WhatsApp. A empresa possui escritório em São Paulo. "Tendo CNPJ daqui, eles têm que se submeter às nossas regras, como qualquer outra empresa", aponta a magistrada.
Daniela recorda que a Justiça também teve problemas em interceptar mensagens do programa MSN e informações do site de buscas Google, mas que as empresas se adaptaram às leis. "A Justiça tem que se modernizar para estar à frente do crime. Se continuarmos atrás, tanto em estrutura quanto em tecnologia, continuaremos só julgando flagrantes", lamenta a juíza, que provoca a sociedade a decidir se confia mais em uma companhia estrangeira do que na legislação do País.

Ações são ameaça à liberdade individual, de acordo com a ASL

Sady Jacques e Ricardo Fritsch, da Associação Software Livre (ASL), consideram os bloqueios como ameaças à liberdade individual. "Há duas esferas fundamentais: a pública e a individual. Elas precisam coexistir de forma pacífica. Como indivíduos, precisamos ter preservadas nossas informações, nosso sigilo, mas o Poder Público também precisa ter algum acesso, até porque a internet usa ferramentas de infraestrutura pública", observa.
Nesse sentido, a entidade não é contrária ao que preconiza a lei. Porém, segundo os coordenadores da associação, muito antes da internet, as comunicações preveem o direito ao privado. "Abrir cartas endereçadas a outra pessoa sempre foi um crime, por exemplo. Elas são invioláveis. A lei não mudou, mas hoje existe uma defesa do direito à invasão da informação para controlar o conteúdo privado, até por interesses do sistema financeiro", destaca Jacques.
A ASL defende que ninguém pode examinar um conteúdo sem autorização do usuário. Quando uma pessoa faz um e-mail no Gmail, por exemplo, ela assina um contrato que diz que a empresa pode usar suas informações para engenharia social, ou seja, personalizar as ferramentas e os anúncios oferecidos. "Mas o Gmail não fará um juízo de valor em cima disso. Nessa circunstância, é cabível por lei. Se a Receita Federal suspeita de que eu tenha uma conta no exterior, a lei prevê a possibilidade de pedir informações para a empresa. No entanto, não há definição de por quanto tempo é preciso guardar o conteúdo no banco de dados. O Gmail ou o WhatsApp não podem guardar tudo o tempo todo", justifica.
De acordo com Fritsch, o Marco Civil foi feito por diversas mãos e tem sido elogiado no mundo inteiro, por seu viés democrático. "Nesse sentido, estamos muito bem. A questão é que há pessoas que fazem interpretações plenamente danosas à sociedade. Privado é privado, público é público. Está no conceito da palavra, não precisa nada além, mas as pessoas estão confundindo um com o outro", decreta.
"Em qualquer lugar do mundo, a invasão na comunicação de uma presidente, como aconteceu com a Dilma Rousseff, seria um escândalo. Aqui, não significou praticamente nada. Trata-se de soberania, liberdade, independência e de não facilitar mecanismos de controle para o capital", enfatiza Jacques. Na opinião dele, o argumento de que o uso das informações qualificaria a segurança pública é "para inglês ver, pois é possível bloquear o uso de celulares em presídios e isso não acontece".