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Direitos humanos

- Publicada em 01 de Dezembro de 2016 às 16:09

Decisão do STF sobre aborto gera controvérsia

O Supremo Tribunal Federal (STF) pegou toda o mundo jurídico de surpresa ao pautar, na terça-feira passada, o caso de uma clínica médica acusada de fazer abortos de fetos saudáveis. A 1ª Turma da Corte afastou a prisão preventiva de cinco profissionais denunciados por aborto com consentimento da gestante e formação de quadrilha. O voto do ministro Luís Roberto Barroso, contrário à detenção em casos de aborto no primeiro trimestre de gravidez, foi seguido pelos colegas Rosa Weber e Edson Fachin, e gerou polêmica entre juristas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) pegou toda o mundo jurídico de surpresa ao pautar, na terça-feira passada, o caso de uma clínica médica acusada de fazer abortos de fetos saudáveis. A 1ª Turma da Corte afastou a prisão preventiva de cinco profissionais denunciados por aborto com consentimento da gestante e formação de quadrilha. O voto do ministro Luís Roberto Barroso, contrário à detenção em casos de aborto no primeiro trimestre de gravidez, foi seguido pelos colegas Rosa Weber e Edson Fachin, e gerou polêmica entre juristas.
Em seu voto, Barroso pontuou que, além de no caso em questão não estarem presentes os requisitos que autorizam a prisão cautelar, a criminalização do aborto no primeiro trimestre de gravidez "viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade". É incompatível, por exemplo, com os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, bem como com a sua autonomia, a sua integridade física e psíquica e seu direito à igualdade, "já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".
Segundo o advogado Faustino da Rosa Júnior, especialista em Direito Médico e CEO do Grupo Educacional Facinepe, a decisão foi específica para o caso em questão, mas poderá ser utilizada por juízes de primeira instância em outros julgamentos, especialmente para conceder habeas corpus a trabalhadores de clínicas de aborto ou parturientes que efetuem abortos nos três primeiros meses de gestação
Por enquanto, no entanto, não se trata da descriminalização da prática, mas pode favorecer a mudança na legislação de forma efetiva eventualmente. "Se há um inquérito policial, normalmente se denuncia tanto a mulher quanto a clínica, o que por vezes gera condenação, mesmo que sejam penas brandas", explica Rosa.
Para o advogado, no entanto, o que torna grave o voto do ministro do STF é o fato de este "desconsiderar os direitos do nascituro por completo, considerando que só existem os direitos sexuais e reprodutivos da mãe", sem levar em consideração os direitos sexuais e reprodutivos do pai e o direito à vida do feto sadio. "Por uma vontade da mãe, sem levar em consideração a vontade do pai, o aborto é levado a efeito", aponta.
O direito à vida, na opinião de Rosa, foi prejudicado pela decisão do Supremo. "Barroso sequer levou em conta o direito do pai. A questão da liberdade sexual precisa incluir a paternidade, que é tão relevante que a então presidente Dilma Rousseff sancionou, em março, a ampliação da licença-paternidade de cinco para 20 dias", ressalta.
Sob a ótica do advogado, ainda que a intenção do STF seja descriminalizar o aborto, é preciso ponderar o direito ao nascituro e à paternidade. "Lembrando que não estamos falando de um feto doente ou de uma mãe que sofreu um estupro, mas do simples arbítrio de desistir da gestação. Estamos priorizando o direito à liberdade sexual em relação à vida", observa.
Conforme Rosa, para a decisão do STF ser constitucional, o aborto deveria ser legalizado, e a comunidade jurídica deveria tangenciar os direitos fundamentais. "A pena de morte não é prevista em nossos sistemas penal e civil. Ao descriminalizar o aborto em casos de fetos saudáveis, passa a existir. Eu fiquei estarrecido com a decisão de Barroso, porque ele sequer reconhece a existência da pessoa humana", defende. O artigo 2º do Código Civil define que os direitos do nascituro começam já na concepção.

'Direito Penal não protege nascituros'

Fabiane Simioni, advogada e presidente do Conselho Diretor da ONG Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos, por sua vez, admite que a decisão de Barroso foi inesperada, mas certeira. "A argumentação foi adequada, com pontos muito importantes. A resposta do Direito Penal hoje em dia para pressionar as mulheres a não abortar não funciona e não protege os direitos dos nascituros, tanto é que elas continuam abortando", opina.
Para a advogada, o aborto é uma questão de saúde, pois, no contexto brasileiro, quem mais sofre as consequências da criminalização são as mulheres pobres, que não têm acesso a serviços de melhor qualidade e acabam procurando clínicas clandestinas, sofrendo prejuízos à saúde e, muitas vezes, morrendo. Outro ponto de concordância entre Fabiane e o ministro do STF é a defesa da autonomia. "Descriminalizar não quer dizer que as mulheres serão obrigadas a fazer abortos, e sim que elas terão acesso a um conjunto de informações e serviços para fazerem o procedimento se assim desejarem", explica.
A decisão é precária e ainda pode sofrer alterações, mas indica, segundo a advogada, uma tendência no julgamento dos ministros. "Não quer dizer que o aborto está descriminalizado. Contudo, do ponto de vista feminista, das questões que mulheres e profissionais de saúde vêm discutindo, é importante", avalia. Horas depois da decisão, o presidente da Câmara de Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já instaurou uma comissão especial para analisar uma emenda constitucional e tentar revertê-la.
A defesa do direito à vida como oposta à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher, segundo Fabiane, é um equívoco. "O argumento de que a prática do aborto viola o direito do nascituro parte de certa moralidade que não é consenso nas sociedades democráticas ocidentais. Há países desenvolvidos que já descriminalizaram o aborto há muito tempo, pois acham que cabe à mulher autônoma e informada decidir essa questão", pontua.
No Brasil, a proibição é usada, sob a ótica da advogada, para restringir os direitos das mulheres. "Não temos dúvida de que há vida em uma célula, mas, no caso do aborto, isso não é o central. Queremos que a vida das mulheres também seja preservada, que elas não precisem recorrer a métodos arriscados para abortar", defende.

Procedimento só é realizado hoje em três situações

Hoje, o artigo 124 do Código Penal Brasileiro determina pena de detenção de um a três anos por aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento. Em casos provocados por terceiros sem o consentimento da grávida, a pena prevista no artigo 125 é de reclusão por três a dez anos. O artigo 126 versa que, quando o aborto é consentido por gestantes com menos de 14 anos ou alienadas, ou débeis mentais, ou se o consentimento for mediante fraude, grave ameaça ou violência, a pena é de prisão por um a quatro anos.
As penas dos artigos 125 e 126 são aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas se, por qualquer dessas causas, a grávida morre. O médico não é punido por efetuar o aborto em três circunstâncias: quando há risco de vida para a gestante, quando a gravidez é fruto de estupro ou quando o feto é anencéfalo. Porém, atualmente, não há clínicas autorizadas, ou seja, a mulher faz o procedimento e, depois, a clínica o justifica a partir das condições médicas da paciente.
"Esse precedente gerado pelo STF vai acabar implicando em outras ações de incorporação do aborto no âmbito do SUS. Se o aborto não é crime nos três primeiros meses de gestação, o SUS terá que abraçar isso, o que exige mudanças significativas no sistema", destaca o advogado Faustino da Rosa Júnior.