Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Teatro

- Publicada em 25 de Dezembro de 2016 às 16:34

O ano fechou em tom maior

No fechamento da temporada de 2016, um inesperado espetáculo ocupou os espaços da sala 503, na Usina do Gasômetro. Já ao longo do ano, tivemos a montagem de Perto do fim, dramaturgia e direção de Bob Bahlis, para a interpretação de Gisela Sparremberger e Bruno Palharini, sobre a vida da poeta norte-americana Sylvia Plath, que vem sendo gradativamente descoberta pelos leitores brasileiros.
No fechamento da temporada de 2016, um inesperado espetáculo ocupou os espaços da sala 503, na Usina do Gasômetro. Já ao longo do ano, tivemos a montagem de Perto do fim, dramaturgia e direção de Bob Bahlis, para a interpretação de Gisela Sparremberger e Bruno Palharini, sobre a vida da poeta norte-americana Sylvia Plath, que vem sendo gradativamente descoberta pelos leitores brasileiros.
Pois Pulso, a que fomos convidados a ver, retoma a mesma personagem, mas de certo modo faz um recorte diverso, pois se fixa no próprio suicídio como clímax de um processo de deterioração e contradição que a escritora vivia em sua vida particular. A presença deste espetáculo se deu no conjunto de intercâmbio de espaços propiciado pela Cia. Rústica, de Porto Alegre, e que trouxe o grupo Vulcão, de São Paulo. Na verdade, a atriz Elisa Volpatto é gaúcha, mas está fora do Estado há algum tempo. Ela veio dirigida por Vanessa Bruno, que articulou um espetáculo dinâmico em torno da personagem da poeta, com intensa preparação vocal e corporal de Lívia Vilela.
O espetáculo, com cerca de uma hora de duração, ocorreu numa noite extremamente quente na sala 503 que estava absolutamente lotada! Se era calor e a gente suava em bicas, por outro lado também foi extremamente quente a encenação em que a atriz tem um desempenho absolutamente extasiante. Alternando aspectos de sua pacata vida de esposa, mãe e dona de casa, ao lado do poeta Ted Hughes, a quem ela culpa por tê-la traído, e sua veia criativa de escritora, Pulso é intenso e bastante marcado pela exploração de todas as potencialidades da atriz, além da escolha de uma sensível trilha sonora (Edson Secco), de excelente qualidade que, ao mesmo tempo em que contextualiza a época dos acontecimentos, serve para criar um clima e comentar as ações dramáticas.
Sylvia Plath nos surge, de certo modo, como uma fera na jaula. Uma jaula que é seu próprio compromisso familiar, de um lado e, de outro, os compromissos que ela tem para com a lteratura. Esta ambivalência sugere, segundo os responsáveis pelo espetáculo, uma espécie de deterioração de sua identidade, o que a levará até o suicídio.
No cenário de Britney Federline, e a exemplo da peça antes mencionada, temos no centro da cena, o fogão, mesmo que, espacialmente, tanto num quanto no outro espetáculo, ele se encontre à margem do palco. Se em Perto do fim acompanhávamos os acontecimentos desde fora, como espécie de voyeurs, mesmo que intrometidos no espaço da casa da personagem, aqui, de certo modo, a narrativa se desenvolve desde dentro da personagem. Se isso for possível de se pensar, é como se participássemos diretamente de um fluxo de consciência da personagem: não há narrativa, propriamente dita, justamente porque as coisas vão acontecendo umas como desdobramento das outras, inclusive com as incessantes trocas de clima e de emoção por que passa a personagem. Por isso foi importante a preparação vocal e corporal da atriz: ela precisa de absoluto controle de voz e de corpo para o desenvolvimento da encenação, como que girando em torno de sai mesma, enrolando-se e desenrolando-se (aliás, um dos movimentos cênicos é exatamente este: a personagem gira nervosamente no pequeno espaço de que dispõe, como uma fera enjaulada. Talvez que a decisão do suicídio não esteja ainda suficientemente preparada e justificada, cenicamente. Ela surge abruptamente, quase que num impulso (mas o espetáculo se chama Pulso, como que a sugerir uma alternância entre movimentos fortes e fracos: num destes movimentos fortes ela teria chegado ao suicídio, sem maior raciocínio e consciência?)
De qualquer modo, o trabalho desenvolvido por Elisa Volpatto e sua equipe é admirável. Ainda que incomodados pelo calor e os ruídos que vinham do corredor do prédio, como se as pessoas não soubessem que ali ocorria um espetáculo, todos os espectadores estavam absolutamente ligados, tensos, acompanhando o desenrolar as ações. Era como se, mesmo sabendo aquilo que já aconteceu, de certo modo pudéssemos intervir no drama e impedi-lo, sobretudo porque Sylvia Plath se coloca diante de nós com extrema vitalidade, que não nos permite acreditar que chegaríamos ao desdobramento a que, de fato, ela chegou.
Este é o tipo de espetáculo que precisa voltar e encontrar melhores condições de apresentação para que um público mais amplo possa apreciar e valorizar o trabalho desenvolvido. De qualquer modo, fica um registro de admiração, pelo trabalho a que assistimos e, sobretudo, pela reiteração da força expressiva do teatro, quando bem realizado. O ano fechou em tom maior.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO