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- Publicada em 15 de Janeiro de 2017 às 21:32

Feiras invadem ruas e praças

Feira Comida De Rua foi uma das primeiras a apresentar a nova tendência na Capital

Feira Comida De Rua foi uma das primeiras a apresentar a nova tendência na Capital


JONATHAN HECKLER/JC
É cada vez mais comum sair aos fins de semana em Porto Alegre e deparar-se com centenas de pessoas ocupando ruas ou praças. Além do tradicional Brique da Redenção, as feiras estão expandindo-se por bairros que antes não tinham tanto movimento e por praças que antes eram mal vistas aos olhos da população.
É cada vez mais comum sair aos fins de semana em Porto Alegre e deparar-se com centenas de pessoas ocupando ruas ou praças. Além do tradicional Brique da Redenção, as feiras estão expandindo-se por bairros que antes não tinham tanto movimento e por praças que antes eram mal vistas aos olhos da população.
Essa mudança nos tipos de ocupações, em que eventos passaram a ser marcados em espaços públicos, sejam eles eventos culturais ou de protestos, teve início na virada do século, principalmente em torno de 2005, segundo o arquiteto e urbanista e mestre em planejamento urbano Marcelo Arioli Heck.
O arquiteto acredita que esse fenômeno ocorre por dois fatores: a redemocratização do Brasil e as redes sociais. "A democracia propicia os processos de ocupação, que são eventos não oficiais", explica. Já as redes sociais permitem uma forma de articulação diferente entre as pessoas, "qualquer pessoa pode criar um evento e compartilhar ele com a sua rede e permitir que as pessoas compartilhem com mais outras redes, e isso facilita muito", destaca o arquiteto.
Além de aproveitar espaços antes abandonados, os eventos movimentam a cidade e proporcionam segurança em meio à crise pública que vive Porto Alegre. Há eventos culturais que são criados para questionar a questão da segurança em espaços da Capital. "Pessoas na rua aumentam a chance de assalto, porque aumenta o indicador, tem mais pessoas passíveis de serem assaltadas. Mas, com certeza, as pessoas na rua trazem mais segurança para os espaços públicos", afirma Heck.
Segundo o arquiteto, as feiras e as atividades culturais são eventos que a própria resistência é um ato político, pela ocupação do espaço. Outro fenômeno que tem ocorrido é marcar aniversários, formaturas e outras comemorações em praças, o que muda o significado dos espaços. "As pessoas começam a ter um pertencimento do espaço público, quando elas começam a associar isso ao seu cotidiano, não apenas um espaço para tomar mate", diz.
Além dos eventos culturais, há os eventos de protesto, que também utilizam a ocupação para levantar bandeiras relacionadas a questões políticas. Entretanto este fundo político também está relacionado à cidade e às formas de se viver nela.
O arquiteto lembra dos protestos de 2013, em que foram tratadas questões de mobilidade urbana, a estrutura que a cidade apresentava para receber a Copa do Mundo e, atualmente, os eventos da situação política nacional. "É um direito da cidade. A forma como as pessoas se relacionam nela, para que todo mundo tenha direito à educação, à cultura, ao lazer, aos ônus e bônus que se tem de se viver na cidade", aponta Heck.
Segundo levantamento realizado pelo arquiteto, a maioria das ocupações de espaços públicos para fins de atividades culturais ocorre em grandes metrópoles brasileiras. A tendência é que, quanto mais eventos houver, mais eventos serão promovidos. "As pessoas estão redescobrindo a importância de se viver, estar e conviver com outras pessoas no espaço público. Esses eventos chamam mais pessoas e, nesse sentido, é importante ter uma diversidade grande de eventos", explica.
O espaço público é a cidade, o que torna a ocupação da cidade uma forma de se posicionar politicamente pela cidade que se deseja. "O que faz uma cidade são as pessoas que estão nela, então ocupar e reivindicar o espaço público é reivindicar a própria cidade e a cidade que se quer", enfatiza Heck.
Pela parte do poder público, o arquiteto identifica que haja uma oposição silenciada diante dos eventos em espaços públicos, e não um incentivo. Pois, da mesma forma que pode ser uma questão favorável a cidade, a qualquer momento, é possível emergir manifestações ou protestos que se oponham ao próprio governo.

Gastronomia que aproxima

A aproximação em forma de comida: aproximar as pessoas da comida, a comida da rua e a rua das pessoas. Com este princípio, em 2013, o cozinheiro Rodrigo Paz e o economista Antônio Salimen criaram o Comida de Rua - na época, um evento; hoje, um coletivo. Tudo começou com uma banca pequena, na Praça da Alfândega, com a intenção de Paz mostrar o seu trabalho, a partir de uma demanda que ambos identificaram, tanto de público como de mercado, pois na época a movimentação das feiras de rua ainda era tímida. "As pessoas estavam querendo ir para a rua, então foi a hora certa, com um pouco de sorte e o desejo de mostrar meu trabalho", expõe Paz.
Inicialmente, na Alfândega, a feira contava com 15 a 20 chefs, e era em formato de feira livre, em que os cozinheiros finalizavam os pratos e serviam na frente dos clientes. Entretanto, três anos depois, os organizadores resolveram transformar a feira Comida de Rua em uma FoodParty (festa de comida, em tradução livre). A feira, que ocorre na Cidade Baixa - já passou pela Rua da República e hoje acontece majoritariamente na praça Garibaldi -, une música, moda, arte, design e os foodtrucks.
Para os organizadores, hoje em dia, a comida está apenas como um pretexto na festa, que tem de tudo e é para todo mundo. "Há uma série de atrações para as pessoas passarem o dia e estarem em um lugar que olhavam e não entendiam qual seria a serventia dele, além de passarem ônibus e carros", enfatiza Paz. Os locais também são escolhidos com o intuito de aproveitar espaços da cidade que de certa forma a própria cidade não enxerga. "A Rua da República é uma galeria de arte urbana a céu aberto, e esses eventos iluminam, dão vida aos espaços. Por que não valorizar isso de uma forma melhor?", aponta o cozinheiro. A FoodParty trabalha apenas com produtores locais, incluindo as atrações musicais e artísticas que se apresentam na festa.
Todos os foodtrucks que participam da FoodParty são liberados pela Smic e pela Vigilância Sanitária. Além de passarem por uma curadoria feita pelos próprios organizadores, que levam em conta as novidades e tentam fugir do senso comum.

Iniciativas movimentam o microturismo

Evento dá visibilidade, movimenta a economia e apresenta o espaço para as pessoas, diz Paz

Evento dá visibilidade, movimenta a economia e apresenta o espaço para as pessoas, diz Paz


MARCO QUINTANA/JC
Com o mesmo intuito de ocupar os espaços públicos e "estar na rua", o Comida de Rua organizou, no ano passado, a primeira edição do Fumaceira, que une churrasco, música e cervejas artesanais locais. O evento aconteceu na praça Jorge Godofredo Felizardo, no bairro Anchieta.
A intenção dos organizadores também é incentivar o microturismo da cidade, isto é, fazer as pessoas que convivem no ambiente conhecerem lugares que não frequentam e aproveitar de uma maneira melhor os espaços. "A ideia de sempre é trazer um levante para o local, seja dar visibilidade, movimentar a economia de fato ou em apresentar o espaço para as pessoas", destaca o cozinheiro Rodrigo Paz, um dos idealizadores do Comida de Rua.
A Foodparty ocorre mensalmente. Entretanto o objetivo do Comida de Rua não é restringir-se apenas ao dia que acontece o evento, mas sim criar um modelo e torná-lo eficaz e ativo na vida das pessoas. Os projetos do coletivo trabalham focados na produção local, com cervejas do bairro Anchieta, com produtos de médio e pequenos produtores. "A gente tenta reduzir o impacto que já é causado. É tentar todo o dia para, de fato, conseguir uma mudança exponencial", ressalta o cozinheiro.

Arte na essência

Segundo Pamela Morrison, idealizadora da Me Gusta, burocracia é uma das dificuldades

Segundo Pamela Morrison, idealizadora da Me Gusta, burocracia é uma das dificuldades


FREDY VIEIRA/JC
Uma feira de rua gigante, que fosse maior que o Brique da Redenção e com os moldes do Mix Bazar - extinto evento que acontecia em Porto Alegre -, assim surgiu a Me Gusta. Em sua 26ª edição neste mês, ela surgiu sem muitas pretensões, como uma comemoração de cinco anos da Revista J'Adore. A ideia da publicitária Pamela Morrison era unir em um evento só arte, brechós e comida, e que tudo isso fosse na rua. "Queria um conceito original, que não fosse apenas o Mix Bazar ou uma feira que vendesse de tudo. Precisava encontrar algo novo, e o novo foi fazer uma feira que misturasse tudo", conta Pamela.
A J'Adore, revista também produzida por Pamela, une diferentes estilos de arte: fotografia, arte urbana, grafite, histórias em quadrinho etc. Assim, o objetivo de Pamela era levar para a rua a mesma essência da revista. "A diferença é que um eu entrego em revista, e o outro eu entrego em experiência", aponta a publicitária. Dessa forma, a Me Gusta une shows musicais, de teatro e dança, comidas e bebidas e também expositores, que inclui brechós, marcas autorais, vinis, livros, entre outras variedades.
A intenção é que não seja apenas uma feira, mas também uma festa de rua. "Se a pessoa não tem dinheiro para comprar, o evento propõe outras atividades. Se não puderem comprar nada, no mínimo, as pessoas podem ver muitas coisas e que vão inspirar elas de alguma forma", afirma Pamela. Para a idealizadora, a Me Gusta adquiriu muitos outros papéis além da compra, e o caso de haver comércio não tira o papel de cunho social do evento. "Apesar da feira ser visualmente o maior, ela é apenas uma das atividades, principalmente nas praças, onde as pessoas vão apenas para passar a tarde, tomar chimarrão, fazer piquenique", completa.
A Me Gusta, que une mais de 100 expositores já passou pela rua General Auto, no Centro; na Rua da República, na Cidade Baixa; no largo Zumbi dos Palmares; e hoje transita entre as praças Garibaldi e General Daltro Filho e o largo Archymendes Fortini, mais conhecido como viaduto da João Pessoa. "O objetivo da Me Gusta é dar vida para os espaços que estão abandonados na cidade, lugares que as pessoas nunca viram como opções para passar o dia, por exemplo", destaca a idealizadora.
Os expositores com interesse em participar devem encaminhar um e-mail para [email protected] para realizar o cadastro. A organização conta com um cadastro com cerca de 1.200 interessados. A cada mês, Pamela encaminha um e-mail informando a data da próxima feira e quem demonstra interesse em participar deve para uma taxa de inscrição no valor de R$ 70,00. A Me Gusta ocorre mensalmente e, às vezes, quinzenalmente.
Entre as dificuldades da realização da Me Gusta, Pamela aponta a burocracia por parte dos órgãos públicos da Capital, que muitas vezes não incentivam a realização dos eventos. Atualmente há uma cobrança de R$ 219,00, entretanto quem faz a limpeza das praças para realizar o evento são os próprios organizadores. Em uma das edições da feira, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) chegou a pedir um valor de R$ 7.300,00 para a utilização da praça General Daltro Filho, a do Capitólio. "Pelo que exatamente eu pago? Porque eu tenho que colocar a iluminação, segurança e custear todos os serviços. Além de passar por toda a burocracia com os órgãos públicos, ainda tenho que pagar", reclama.
As praças passaram a ser o local da Me Gusta, pois Pamela identifica que há um papel social ainda mais importante: utilizar um espaço abandonado. "A rua, bem ou mal, todos usam, seja passando de carro ou a pé. Então as praças são perfeitas, mas tem muita burocracia por parte dos órgãos públicos, que não incentivam a utilização das praças", salienta.
Pamela também destaca o benefício econômico da feira, que pode gerar a circulação de R$ 60 mil em cada evento.

Legislação é recente e ainda gera polêmica

Em Porto Alegre, para realizar as feiras, é necessário pedir inicialmente uma autorização ao Centro Administrativo Regional (CAR) do bairro em que o evento será realizado, para então solicitar autorizações à Vigilância Sanitária, à Brigada Militar e à Secretaria Municipal da Indústria e Comércio (Smic), à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), caso o evento ocorra na rua, e à Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam), no caso de praças.
Não há regulamentações específicas para a realização desses eventos. A Smam utiliza o Decreto nº 17.986, de 2012, que serve para eventos sociais realizados em praças e parques com cunho filantrópico, pois nele consta um artigo que limita os eventos que tenham cunho comercial. "Entretanto há um apelo social pela urbanização das praças e para deixá-las mais atrativas, o que faz com que a Smam autorize algumas feiras", explica Débora Zaro, do setor de Supervisão de Praças e Parques.
Para quem deseja utilizar as praças para realizar as feiras, é necessário entrar no site da Smam, com 15 dias de antecedência do evento, e preencher um formulário que deverá ser encaminhado para a secretaria. Em 2016, foi criado um processo de sistema eletrônico em que a solicitação chega a todas as secretarias, não sendo necessário encaminhar o pedido para cada uma. A intenção é unificar e tornar o processo menos burocrático.
A taxa para realizar eventos nas praças e parques de Porto Alegre é em torno de R$ 250,00. O valor varia de acordo com o metro quadrado a ser utilizado e serve para auxiliar na manutenção das praças. "O projeto que está sendo implementado em Porto Alegre é para dar uma nova utilização aos locais que estavam sendo esquecidos e abandonados", ressalta Débora. A praça Garibaldi, por exemplo, que estava sendo utilizada por moradores de rua, atualmente é uma das praças onde as feiras estão sendo produzidas.
Já a Smic trabalha com a legislação disponível atualmente, o licenciamento de vendedores ambulantes. A secretaria trabalha exclusivamente com a questão comercial, isto é, o licenciamento para a venda de determinados produtos, como os alimentícios e outros que venham a ser comercializados nas feiras. A venda de bebidas alcoólicas nos eventos é extremamente proibida. Após a definição de que o evento vai ocorrer no espaço público pré-determinado, encaminha-se o pedido à Smic.

Mobilização e reencontros

Tô na Rua acontece mensalmente em bairros diferentes, diz Susana

Tô na Rua acontece mensalmente em bairros diferentes, diz Susana


Claiton Dornelles/JC
Foi na Orla de Ipanema que o Tô na Rua começou a ser pensado por Susana Jung. Com a intenção de resgatar a cultura de "estar na rua" e ocupar o espaço da zona Sul de Porto Alegre, a acadêmica de Direito organizou o Orla Vive, onde reunia músicos locais e brechós para movimentar o espaço. "Comecei a pensar que isso poderia se replicar pela cidade, porém não tinha como utilizar o mesmo nome em outros bairros", conta Susana. Então, através de uma expressão muito popular, surgiu o nome Tô na Rua.
A feira acontece mensalmente, a cada edição, em um bairro diferente: Cidade Baixa, Bom Fim e Floresta. "A ideia e o conceito sempre foi ser uma mobilização urbana e que revitalizasse determinados bairros de Porto Alegre", explica a idealizadora. A inspiração também veio do Uruguai, polo das feiras em espaços públicos. Para dar uma identificação ao evento, Susana tornou o Tô na Rua um evento temático, inserindo decoração e atrações a ver com o tema, como as edições brasilidades e Oktoberfest.
Os expositores do Tô na Rua se diversificam entre moda autoral, brechós, decoração e assessórios. Há também foodtrucks - todos já autorizados pela vigilância sanitária - e shows musicais, sempre com atrações locais.
O Tô na Rua também é um evento beneficente. A cada edição, de 10% a 15% do valor arrecadado é doado a determinadas organizações sociais. Além disso, a feira recebe doações de brinquedos, roupas, rações para animais e produtos de higiene pessoal.
A cada edição, é publicado no facebook quais eventos têm as inscrições abertas, que devem ser feitas por e-mail (tonarua@gmail). A taxa para os expositores é de
R$ 80,00, que cobre os gastos com os banheiros químicos, segurança e assessoria de imprensa, entre outras coisas. O limite de participação é de 60 expositores a cada evento.

Festa da vizinhança

A cada mudança de estação, o bairro Bom Fim recebe uma movimentação diferente. A Festa de Rua Bento Figueiredo une brechó, bazar, comidas, bebidas, malabares, arte e música. A ideia de movimentar o bairro em um domingo por trimestre surgiu das proprietárias do Von Teese, Carolina Disegna e Diovana Gheller, a partir de uma feira que elas promoveram dentro da própria casa de chá, o SundayTeese. "Na segunda edição, perguntamos aos vizinhos se eles não se importavam em ocuparmos toda a rua, assim acabamos envolvendo todo mundo", conta Diovana.
A primeira edição ocorreu em dezembro de 2015, com apenas 10 expositores, atualmente são 60. "A cada vez, fomos aprendendo melhor, com cada um que participava e com as reclamações, melhoramos para o próximo", explica Carolina, sobre a evolução da festa até a última edição, de dezembro. A comida e a bebida são vendidas apenas dentro dos bares, na rua ficam apenas os expositores, que variam entre artesanatos, roupas, acessórios, livros, vinis. "Movimenta mais gente no dia, e para o comércio é muito bom também. Até os estabelecimentos da rua que não abrem no dia participam vindo na feira", comenta Diovana.
"Toda edição, a gente vê todos os vizinhos, que em sua maioria são muito receptivos. Desde que começamos a festa, ficou mais legal, a rua fica mais movimentada. As pessoas vêm, trazem as crianças, os cachorros", afirmam as idealizadoras. O público é convidado a participar das brincadeiras com bolhas de sabão, malabares e afins. Na última edição, em dezembro, os organizadores promoveram uma gincana. Os estabelecimentos da rua convidaram seus clientes mais frequentes para fazer um time e participar das brincadeiras da gincana.
São os próprios idealizadores que recolhem o lixo da rua após a festa e, com a preocupação do lixo produzido, passaram a trabalhar com os copos retornáveis. O serviço do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) nunca passou para a fazer a limpeza, contam as organizadoras.
As inscrições para a festa são divulgadas pelas redes sociais da rua Bento Figueiredo e devem ser feitas presencialmente no Von Teese (Bento Figueiredo, 32). A taxa de inscrição é de R$ 40, dinheiro que é revertido para os gastos com a festa.