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Teatro

- Publicada em 25 de Novembro de 2016 às 19:19

Entre a razão e a emoção, o ramal

Dentre os vários significados que o dicionário registra para a palavra "ramal", temos "conjunto de fios próprio para fazer cordas" e, mais adiante, "caminho subsidiário de estradas de rodagem ou de ferro". Os dois sentidos são assumidos pelo espetáculo Ramal 340 - Sobre a migração das sardinhas ou porque as pessoas simplesmente vão embora, que assina Jezebel de Carli, para o Coletivo Errática de teatro, que se encontrava em cartaz no Teatro Renascença.
Dentre os vários significados que o dicionário registra para a palavra "ramal", temos "conjunto de fios próprio para fazer cordas" e, mais adiante, "caminho subsidiário de estradas de rodagem ou de ferro". Os dois sentidos são assumidos pelo espetáculo Ramal 340 - Sobre a migração das sardinhas ou porque as pessoas simplesmente vão embora, que assina Jezebel de Carli, para o Coletivo Errática de teatro, que se encontrava em cartaz no Teatro Renascença.
Uma produção cuidada, visualmente bem acabada e complexa, traz cenário de Rodrigo Shalako, feito com engradados de transporte de cargas; figurinos de Gustavo Dienstmann, também responsável pelos adereços e acessórios; trilha sonora original de Josué Flach e vídeo de João Gabriel de Queiroz, com excelentes efeitos quando projetado sobre tela ao fundo da cena. Não há propriamente um enredo, ou melhor, há vários enredos que se entrecruzam, sem lógica aparente, compondo um mosaico. Temos, assim, uma separação do casal, com a partida do homem; um pai que procura a filha pequenina, desaparecida numa fuga tresloucada de refugiados; uma mulher que se desloca à procura de um homem que lhe enviou, desde muito longe, uma carta de amor etc. Os enredos não se encontram, eles correm paralelamente, assim como os ramais da linha férrea, que podem encontrar-se em alguns entroncamentos, mas que, em geral, aproximam-se e se distanciam sem nenhuma razão ou lógica aparente, a não ser o fato de que cada um vem e/ou conduz a um lugar diverso.
O elenco é formado por Diogo Rigo, Francisco Gick, Guega Peixoto, Gustavo Dienstamnn, Luan Silveira e Nina Picoli que, em parte, se vale do sistema coringa, idealizado por Augusto Boal, em que não existe vinculação de exclusividade de um ator com um personagem. Na verdade, objetos como roupas são trocados entre os intérpretes, de maneira a indicar ao espectador que, naquele momento, aquele ator/atriz está a interpretar aquele determinado personagem.
Por outro lado, e em sentido estrito, também não temos personagens, mas tipos representativos de condições humanas, na contemporaneidade, figuras típicas, no vocabulário de Georg Luckacs, relativas a diferentes condições da humanidade. Não se deve, pois, esperar evoluções de tais figuras em cena, pois elas ali se encontram para ilustrar uma determinada condição ou situação.
Do ponto de vista da linguagem, pois, combinados todos estes elementos, a montagem proposta por Jezebel de Carli e seu grupo é bastante renovadora e provocadora, pois obrigado o espectador a acompanhar, permanentemente, tudo o que ocorre em cena, sob pena de perder-se no emaranhado de propostas apresentadas e não conseguir acompanhar o ritmo de ação dramática proposta pelo espetáculo.
Deve-se registrar, sobretudo, o excelente preparo físico de todo o elenco, o que evidencia muito ensaio e muito preparo do grupo, assim como a inventividade que caracteriza o trabalho. Porque, de um lado, temos a proposta conceitual expressa no texto que organiza assimetricamente os diferentes enredos, e, de outro, a complementá-lo, mas com independência, a proposta do espetáculo, propriamente dito, que acaba opor se situar entre uma encenação teatral e uma peça coreográfica, tal a movimentação dos atores e as ações paralelas ao próprio texto que eles são obrigados a desenvolver, durante a encenação de cerca de hora e meia de duração.
Eis um espetáculo que, como disse, provoca o espectador. Não há como a gente se manter frio ou distante do que ocorre à nossa frente, no palco. É destes trabalhos em que, de certo modo, a chamada quarta parede é radicalmente quebrada, não porque a ação da cena se projete diretamente no espaço da plateia, mas porque, ao contrário, mesmo que fisicamente, o espectador não seja levado para dentro do palco, sua atenção e sua emoção são, de certo modo, sequestrados e transportados para o espaço do espetáculo. Encenação produzida racionalmente, produz uma relação eminentemente emocional entre a cena e o espectador.
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