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Cinema

- Publicada em 27 de Outubro de 2016 às 22:44

Vida e literatura

O cinema, a arte da concisão, vez por outra, se encontra com temas que exigem amplo desenvolvimento, aproximando-se de um mundo no qual dominam as regras da amplitude. É uma tarefa difícil de ser executada, mas, quando certos objetivos são alcançados, o resultado costuma ser fascinante. Porém, há uma exigência: aquela que exclui qualquer tentativa destinada a diluir propostas.
O cinema, a arte da concisão, vez por outra, se encontra com temas que exigem amplo desenvolvimento, aproximando-se de um mundo no qual dominam as regras da amplitude. É uma tarefa difícil de ser executada, mas, quando certos objetivos são alcançados, o resultado costuma ser fascinante. Porém, há uma exigência: aquela que exclui qualquer tentativa destinada a diluir propostas.
Alguns o fazem deliberadamente; outros se portam de maneira a revelar suas limitações. No primeiro caso, estamos diante de concessões e, no segundo, contemplamos a mediocridade. O britânico Michael Grandage, um estreante em longa-metragem, não se enquadra nas duas definições. É um talento a ser observado, pois este O mestre dos gênios, um título brasileiro bastante simplista, acumula virtudes e se destaca, antes de tudo, por ter a coragem, numa época em que tanto se procura e exalta a simplificação de propor uma narrativa empenhada em atingir o cerne do tema proposto.
Seu filme Genius se impõe como obra de exceção ao levar para a tela a parte final da vida de Thomas Wolfe, que viveu apenas 38 anos, escreveu romances de muitas páginas e sempre colocou em seus relatos sua própria vida, uma ampla autobiografia, portanto. Para o cinema é sempre mais fácil falar de pintores e compositores, os primeiros criadores de imagens, que são a principal matéria-prima da nossa arte, e os segundos fornecendo sugestões retiradas do desenvolvimento do tempo. Vincente Minnelli em Sede de viver, sobre Van Gogh, e Milos Forman, em Amadeus, realizaram dois dos maiores exemplos. Falar da criação literária é trabalho não beneficiado por imagens e música. Mas como a palavra não é inimiga do cinema e sim elemento que exige algo acima das virtudes de narrador, é perfeitamente possível a aproximação de temas relacionados à criação literária.
O filme de Grandage, cujo roteiro foi escrito por John Logan a partir de um livro de A. Scott Berg, coloca também em primeiro plano a figura de Maxwell Perkins, editor que exerceu papel fundamental na vida de Wolfe, na medida em que se transformou na figura simbólica que coloca diante do escritor a imagem do pai desaparecido. Em um dos momentos do filme, um dos tantos nos quais a palavra exerce papel relevante e definitivo, está a passagem da última despedida, quando a figura paterna vai aos poucos diminuindo de tamanho até desaparecer completamente.
É o ponto de partida para o conflito. Por um lado, a necessidade do pai protetor; por outro, a exigência ditada pela revolta diante do que já se encontra estruturado. Uma sequência notável e no qual a música exerce papel fundamental é aquela desenrolada num cenário no qual o jazz transforma uma melodia tradicional em elemento transgressor e, ao mesmo tempo, inovador. Editor e autor, pai e filho, duas épocas em confronto, sem que seja esquecida a rebelião de instintos aprisionados. Neste e em outros momentos, o filme consegue, sem apelar para reducionismos empobrecedores, criar cenas marcadas por sínteses enriquecedoras.
Autor de romances extensos, Wolfe aparece no filme em luta com obstáculos criados por normas editoriais, diante das quais se comporta como inconformado com as limitações impostas pela realidade. O embate focalizado também se manifesta na difícil tarefa de manter a chama viva num cenário onde outras e necessárias exigências a toda hora se manifestam. O editor, fascinado pelo novo autor, enfrenta dificuldades, nas cenas iniciais, em prosseguir na leitura.
E o escritor também se debate com problema semelhante em sua vida pessoal. E há uma bela homenagem ao cinema. Perkins nunca deixa de usar chapéu. É uma clara referência a Deus sabe quanto amei, um dos melhores filmes de Minnelli, no qual o protagonista, vivido por Frank Sinatra, era um romancista. É o filme no qual o personagem interpretado por Dean Martin só na cena final, em homenagem ao gesto de sacrifício, descobre a cabeça. Tal filme seria também homenageado por Jean-Luc Godard em O desprezo, no qual Michel Piccoli, vivendo outro escritor, se refere diretamente àquele personagem. Agora, o final daquele filme é novamente lembrado em trabalho que se destaca pelo empenho em se afastar da rotina, algo que o aproxima do escritor focalizado.
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