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Cinema

- Publicada em 02 de Outubro de 2016 às 16:51

Dolorosa constatação

O novo filme do dinamarquês Thomas Vinterberg reafirma a posição que ocupa o realizador entre os mais importantes cineastas contemporâneos. Ao contrário de seu compatriota Lars von Trier, adepto de um cinema grandiloquente e ornamentado por partituras célebres e poderosas, o diretor de A comunidade não se afasta muito daquele movimento que, nascido no final do século passado e criado por ele e colegas de geração, batalhou por uma arte despojada de todo e qualquer recurso permitido pela técnica, fazendo da câmera um instrumento invisível capaz de captar a vida em sua essência, como se o método de Rossellini fosse a palavra definitiva.
O novo filme do dinamarquês Thomas Vinterberg reafirma a posição que ocupa o realizador entre os mais importantes cineastas contemporâneos. Ao contrário de seu compatriota Lars von Trier, adepto de um cinema grandiloquente e ornamentado por partituras célebres e poderosas, o diretor de A comunidade não se afasta muito daquele movimento que, nascido no final do século passado e criado por ele e colegas de geração, batalhou por uma arte despojada de todo e qualquer recurso permitido pela técnica, fazendo da câmera um instrumento invisível capaz de captar a vida em sua essência, como se o método de Rossellini fosse a palavra definitiva.
Tal radicalismo, chamado de Dogma, não durou muito, mas sua marca permaneceu em Vinterberg e em outros, embora o radicalismo da proposta tenha sido abandonado. O objetivo, é claro, era ressaltar que o cinema deve ser feito de elementos retirados da realidade. Assim, em vez de grandes compositores da história, aparecem na faixa sonora canções contemporâneas, e os personagens não se movem como se estivessem num palco e sim naquele espaço comum onde o teatro de todos os dias é encenado de forma involuntária. Como todos os filmes, também o novo trabalho de Vinterberg revela influências e, no caso, as maiores parecem ser a de dois filmes realizados na época em que transcorre a ação de A comunidade.
O primeiro deles é O franco atirador, de Michael Cimino, cujos enquadramentos da cena final, uma homenagem fúnebre, são praticamente repetidos no epílogo do filme de agora. O outro é O reencontro, de Lawrence Kasdan. Em ambos os filmes, canções de época animam a narrativa e, nos dois, um grupo de pessoas tem seu relacionamento abalado por circunstâncias que não são apenas aquelas originadas em elementos externos. O curioso é que nem a guerra na Ásia está ausente, aparecendo aqui em noticiários de televisão, onde trabalha uma das principais personagens. Mas A comunidade não é apenas uma retomada ou uma homenagem. Vinterberg desejou também falar sobre desconfortos e insatisfações, elementos que podem constituir-se em forças capazes de mover uma sociedade, mas que também podem trazer à tona verdades ocultas e sofrimentos indesejados. O diretor que em seus filmes tratou de focalizar tal tema, sobretudo em A caça, onde flagrou a agressividade humana despertada por um equívoco, retoma tal motivo, reunindo num mesmo cenário vários amigos - e um personagem estranho ao grupo, mas que é aceito pelos demais - todos eles procurando um relacionamento ditado pela harmonia e um convívio que seja marcado por intensa fraternidade. O que acontecerá, no entanto, não é apenas a revelação de uma ingenuidade, pois também reflete complexidades ignoradas por impulsos aparentemente generosos, mas que não evitam toques capazes de desfazer sonhos e destruir projetos.
E há também o olhar da filha. É através dela que o cineasta procura conduzir a narrativa. Numa das primeiras cenas do filme, quando o casal de protagonistas se encontra na casa herdada, a jovem observa os pais refletidos num aparelho de televisão. É como se ela estivesse assistindo a um filme no qual o pai e a mãe são os personagens principais. E durante todo o desenrolar da ação é a mesma personagem que irá descobrir o que estava oculto. Por outro lado, os sorrisos e as manifestações de alegria das figuras em cena são por vezes interrompidas pelos ataques de fúria do proprietário da casa, sendo assim colocada em cena esta agressividade que manifestações regidas pela superficialidade não são capazes de controlar.
E a cena do noticiário de televisão que tem de ser interrompido pelas lágrimas e o sofrimento da apresentadora é outro momento revelador. E há também o menino que sofre de uma doença cardíaca. É ele, a cada vez que se transforma em figura principal na imagem, a figura que anuncia o fracasso, ao recusar, pelo anúncio que costuma repetir, viver num mundo assim constituído. Mas a figura da filha é um sinal de esperança neste universo de sombras e ilusões.
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