Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

- Publicada em 29 de Setembro de 2016 às 22:32

Expectativas, perdas, afetos esquecidos e reconquistas

O inverno e depois (L&PM Editores, 348 páginas, R$ 39,90) é o romance mais recente do grande escritor rio-grandense Luiz Antônio de Assis Brasil, nascido na Capital, violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre por muitos anos, professor titular na Faculdade de Letras da Pucrs e ministrante da mais antiga oficina de criação literária do Brasil.
O inverno e depois (L&PM Editores, 348 páginas, R$ 39,90) é o romance mais recente do grande escritor rio-grandense Luiz Antônio de Assis Brasil, nascido na Capital, violoncelista da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre por muitos anos, professor titular na Faculdade de Letras da Pucrs e ministrante da mais antiga oficina de criação literária do Brasil.
Lançada há poucos dias, a obra apresenta um inegável caráter de raridade no grande conjunto de trabalhos consagrados do escritor que figura entre os principais nomes da literatura brasileira contemporânea.
Ao lado da novela O homem amoroso (Editora Mercado Aberto, 1986), O inverno e depois envolve tempo e personagens do tempo presente. Como todos sabemos, Assis Brasil sempre preferiu dedicar seu talento e suas energias a temas e personagens históricos. Desde o primeiro romance, Um quarto de légua em quadro (Movimento, 1976) até os livros mais recentes, como O pintor de retratos (L&PM 2001), A margem imóvel do rio (L&PM 2003), Música perdida (L&PM 2006) e Figura na sombra (L&PM 2012), Assis Brasil soube enfatizar a música, o amor, as histórias e as famílias do Rio Grande, as paisagens do Pampa, as colonizações açorianas e alemãs e aspectos religiosos presentes em nosso Estado.
Em O inverno e depois, o autor conta a história de Julius, um violoncelista que frequentou a Escola de Música de Würzburg na Alemanha. Com o intuito de estudar uma composição clássica que o obceca há 30 anos, em pleno inverno retorna ao local onde nasceu, a Estância Júpiter. No retiro autoimposto, Julius não apenas pensar na trajetória de solista de respeitada orquesta sinfônica e na vida confortável que leva. A decisão de apresentar o difícil Concerto para violoncelo e orquestra de Dvorák, que o persegue, vai precipitar a rememoração de uma paixão de juventude: a jovem musicista uruguaia Constanza Zabala. Será só uma lembrança? Ou está mais para uma permanente assombração?
Como a música que se desenrola no tempo, o romance traça um arco temporal no qual os valores da existência humana são questionados, reencontrados e, na vida e na arte, como se sabe, nunca é tarde para recomeçar. A narrativa envolvente de Assis Brasil, delicada e sutil como música de concerto, vai desfilando expectativas, perdas, afetos esquecidos e reconquistados e, ao fim e ao cabo, revela que a música existe justamente para dizer o que a palavra não pode dizer e que as palavras são sempre inferiores aos sentimentos.

lançamentos

  • Palmeirim de Inglaterra (Ateliê Editorial, 742 páginas), clássico imortal de Francisco de Moraes, mostra aventuras medievais, Palmeirim chegando ao castelo do gigante Almourol, às margens do rio Tejo, em Lisboa, onde está a belíssima Miraguarda. Palmeirim trairá Polinarda?
  • A nova síndrome de Vichy (É Realizações, 192 páginas,
  • R$ 49,90, tradução de Mauricio G. Righi), do ensaísta britânico Theodore Dalrymple, explica por que os intelectuais europeus se rendem ao barbarismo e na Europa só se fala em segurança, aumento de padrão de vida e férias em locais exóticos.
  • A escrita científica no divã (Sulina, 278 páginas, R$ 44,00), da psicóloga-psicanalista Ana Claudia dos Santos Meira, mostra que a escrita de um trabalho científico pode ser exercida com liberdade, ser gratificante, uma atividade inventiva, criativa, cheia de descobertas e realizações.

Os bondes das histórias

Na parede ao lado da minha cama está pendurada uma tela de ótimo tamanho do professor e pintor rio-grandense Eduardo Vieira da Cunha, o consagrado pintor dos brinquedos de meninos. Foi adquirida numa visita ao seu ateliê, em companhia do amigo comum Renato Rosa, autor, com Décio Presser, do clássico Dicionário de artes plásticas do Rio Grande do Sul.
A tela com três bondes de dois andares, imóveis, mas sempre se movendo na minha memória sobre uma terra avermelhada com pedras amarelinhas, me ajuda a adormecer e acordar contente, mesmos nas noites e dias oscos. O poeta disse que o menino é o pai do homem e o menino andou de bonde. Então o pai também anda e não vai perder o bonde da história e tem muitos bondes da memória. Memória, onde tudo acontece muitas vezes.
Na tela também tem um balão, três pássaros, um dirigível zepelim, um lenço vermelho, símbolos de aviação e três aviõezinhos teco-teco. Morre mais feliz quem morre com mais brinquedos. Sonhos de criança o melhor da vida. Um pedação da tela traz um céu azul celeste, outro um céu azul-marinho e os dois céus convivem em harmonia. Até agora não choveu. Nem no mês de agosto, o do desgosto e do cachorro louco.
Saudade dos bondes. Cheguei em Porto Alegre em 1966. Só pude andar de bonde até o dia 8 de março de 1970, às 20h30min, última viagem. Pena que não ficou uma linha de bonde para turismo, ao menos. Já tive a felicidade de andar de bonde em São Francisco, na Califórnia, em Lisboa, no Rio de Janeiro e em algum outro lugar que não lembro mais. Foi bem feliz, mas, claro, nada igual a pegar o Gaiola-Escola ou o Petrópolis e se movimentar na mais lenta, elegante e segura Porto Alegre dos anos 1960. Aliás, até hoje não se sabe direito aquela história do "furto de uso" do bonde Petrópolis, na madrugada, não é, querido amigo e jornalista Flávio Dutra? Mistérios de Porto Alegre...
Logo que vim do Interior (e juro que não tinha medo de pisar nos trilhos do bonde achando que ia levar choque, gringo civilizado de Bento que era) tomava um bonde e ia até o fim da linha para conhecer a cidade. Glória, Petrópolis, Teresópolis, Partenon, Tristeza, Menino Deus... e era muito bom. Turismo na Porto Alegre do meu Julinho de Castilhos, da Jovem Guarda, da Rua da Praia chique e dos bondes amarelinhos que pareciam enormes post-its ambulantes. Tinha até uma cor típica naquela época: amarelo-bonde.
O genial dramaturgo norte-americano Tennessee Williams escreveu uma peça teatral clássica chamada A streetcar named desire (Um bonde chamado desejo), grande sucesso que se tornou filme de Elia Kazan, indicado para 12 Oscar e vencedor de quatro estatuetas. Marlon Brando e Vivian Leigh no elenco.
A canção mundial I left my heart in San Francisco que se tornou a signature song de Tony Bennett em seus versos fala que o pequeno bonde sobe até o meio do caminho em direção às estrelas.

a propósito...

Sempre lembro a história do bonde puxado a burro que invadiu o pátio da Faculdade de Direito da Ufrgs. O diretor da época disse: "tira logo esse bicho daqui, senão daqui cinco anos periga ter que dar um diploma para ele..." Bondes poluem menos que os ônibus, são mais simpáticos e ainda estão em algumas cidades da Suíça, Alemanha, França, Polônia - e no Rio de Janeiro, Lisboa e São Francisco. Saudades dos bondes, acho que vou comprar aquele que está estacionado no terreno da esquina da Miguel Tostes com a Dona Laura, perto da casa da minha mãe, e sair por aí. Quer carona?