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Cinema

- Publicada em 08 de Setembro de 2016 às 23:25

Realidade e alegoria

A primeira constatação a ser feita diante de Aquarius, o segundo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, é que o filme, entre outras coisas, aponta o caminho certo para o cinema brasileiro - para qualquer cinema - ao ressaltar que sem personagens não pode ser construída uma narrativa que sintetize uma realidade. A partir de figuras reais e seus conflitos com o mundo é que a alegoria pode ser construída. O caminho inverso, a imposição de alegorias ao real, é causador de distorções, quando não de lances demagógicos, essa forma de dizer a determinadas plateias o que elas querem ouvir e assim obter o aplauso fácil e o sucesso superficial e passageiro. Em seu primeiro longa, O som ao redor, o cineasta já havia adotado o caminho correto. E agora amplia a proposta, esmerando-se em construir uma personalidade através de três momentos de sua vida, um no passado e os outros dois no tempo em que transcorre a maior parte da ação do filme. A narrativa até poderia ser menor, sem prejuízo para a essência do que o realizador pretendia dizer, mas o relato não é vencido pela monotonia. Mendonça Filho é um hábil diretor de intérpretes e procura, seguindo o caminho dos mestres do cinema universal, afastar-se de qualquer forma de artificialismo, valorizando o olhar e o gesto, elementos que podem passar despercebidos aos desatentos, mas que não escapam da visão de diretores que possuem a indispensável afinidade com a narrativa cinematográfica.
A primeira constatação a ser feita diante de Aquarius, o segundo longa-metragem de Kleber Mendonça Filho, é que o filme, entre outras coisas, aponta o caminho certo para o cinema brasileiro - para qualquer cinema - ao ressaltar que sem personagens não pode ser construída uma narrativa que sintetize uma realidade. A partir de figuras reais e seus conflitos com o mundo é que a alegoria pode ser construída. O caminho inverso, a imposição de alegorias ao real, é causador de distorções, quando não de lances demagógicos, essa forma de dizer a determinadas plateias o que elas querem ouvir e assim obter o aplauso fácil e o sucesso superficial e passageiro. Em seu primeiro longa, O som ao redor, o cineasta já havia adotado o caminho correto. E agora amplia a proposta, esmerando-se em construir uma personalidade através de três momentos de sua vida, um no passado e os outros dois no tempo em que transcorre a maior parte da ação do filme. A narrativa até poderia ser menor, sem prejuízo para a essência do que o realizador pretendia dizer, mas o relato não é vencido pela monotonia. Mendonça Filho é um hábil diretor de intérpretes e procura, seguindo o caminho dos mestres do cinema universal, afastar-se de qualquer forma de artificialismo, valorizando o olhar e o gesto, elementos que podem passar despercebidos aos desatentos, mas que não escapam da visão de diretores que possuem a indispensável afinidade com a narrativa cinematográfica.
O filme, ostensivamente, trata de um conflito, mas não apenas dele. Há vários temas paralelos a serem ressaltados. Um deles é o apego a este patrimônio maior de cada ser humano: o seu passado, a base e o fundamento de sua personalidade. Na sequência inicial desenrolada numa festa de aniversário este tema já aparece. No cenário há um móvel do qual a câmera, durante o desenrolar do filme, várias vezes voltará a se aproximar. Os discos que fazem parte da decoração do apartamento, nas partes seguintes, reforçam tal ideia e contribuem para a construção da personagem. É, na verdade, um exemplo da teoria do diretor Vincente Minnelli, exposta numa célebre entrevista aos Cahiers du Cinéma, numa época em que aquela revista era uma espécie de farol para grande parte da crítica, na qual o cenário é definido como a história de um ser humano, na medida em que coloca em cena seu passado e tudo o que havia por ele sido construído. Em tal tarefa o diretor alcança a perfeição, pois a luta da protagonista é basicamente uma tentativa de manter vivo o passado, enquanto ao seu redor o vazio vai se instalando, acompanhado de agressões e de um processo que tem o objetivo de exterminar aos poucos sua resistência, algo sintetizado no expressivo trecho da visita ao cemitério.
Há também um cartaz que homenageia Stanley Kubrick, mas seria melhor que o filme escolhido fosse outro, talvez Glória feita de sangue, com aquele final emocionante, um dos maiores do chamado cinema de crítica social. Há também que ressaltar que o combate travado por Clara não é apenas contra uma empresa que não hesita em utilizar métodos escusos para impor seus interesses. Dentro da própria família ela enfrenta críticas por seu comportamento, que aliás possibilita a mais bela cena do filme, aquela em que, após uma discussão, como num musical, a protagonista canta uma canção de Lupicínio Rodrigues e que se conclui com uma homenagem a Villa-Lobos. Este último, por sinal, já aparecia no filme anterior do cineasta, e agora ressurge com duas das Canções de cordialidade, escritas sobre versos de Manuel Bandeira. Um filme como este não deveria ser prejudicado por um certo maniqueísmo e pelo tom agressivo da cena final. Filmes como Ladrões de bicicletas, Rocco e seus irmãos, Aquele que deve morrer e Memórias do cárcere não se deixaram levar pelas simplificações, para citar apenas estes entre um grupo muito grande de obras realizadas por cineastas que, inconformados diante de uma realidade, recusaram o discurso simplista no momento de expor crimes, injustiças e a deterioração de certas engrenagens. Procuraram, ao contrário, afastar-se do panfleto, a fórmula mais simplista a ser usada numa crítica.
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