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Teatro

- Publicada em 01 de Agosto de 2016 às 11:55

Reafirmando a força dramática

O currículo do diretor Rafael Gomes, convidado pela atriz Laila Garin e a produtora Andréa Alves, evidencia que ele é um experimentador. Neste caso, ele funcionou também como dramaturgista, na medida em que recriou texto original de Chico Buarque e Paulo Pontes de Gota d'água, por seu lado, uma transcriação de Medeia, trágico grego do século V a. C. O resultado é uma concentração dramática, na medida em que toda a trama fica centralizada nos personagens da mulher - Medeia - e do homem - Jasão - por ela considerado um traidor. Se a tragédia de Eurípides era inovadora, porque abria caminho para o drama moderno, com sua trama psicológica, o texto de Chico Buarque e Paulo Pontes trazia a contribuição de abrasileirar, contemporaneizar e, sobretudo, politizar o texto original. Estávamos nos estertores da ditadura (1975), mas a censura ainda se atravessava no caminho dos realizadores, tanto no cinema quanto no teatro.
O currículo do diretor Rafael Gomes, convidado pela atriz Laila Garin e a produtora Andréa Alves, evidencia que ele é um experimentador. Neste caso, ele funcionou também como dramaturgista, na medida em que recriou texto original de Chico Buarque e Paulo Pontes de Gota d'água, por seu lado, uma transcriação de Medeia, trágico grego do século V a. C. O resultado é uma concentração dramática, na medida em que toda a trama fica centralizada nos personagens da mulher - Medeia - e do homem - Jasão - por ela considerado um traidor. Se a tragédia de Eurípides era inovadora, porque abria caminho para o drama moderno, com sua trama psicológica, o texto de Chico Buarque e Paulo Pontes trazia a contribuição de abrasileirar, contemporaneizar e, sobretudo, politizar o texto original. Estávamos nos estertores da ditadura (1975), mas a censura ainda se atravessava no caminho dos realizadores, tanto no cinema quanto no teatro.
De qualquer modo, o texto de Chico Buarque e Paulo Pontes queria-se ideologicamente aproximado de certo conceito populista de povo, como evidenciam algumas passagens do texto, sobretudo quando Medeia acusa Jasão de traição a sua comunidade. Paulo Pontes deixaria como herança um dos textos mais líricos da dramaturgia moderna brasileira - Mão na luva - escondido, por temer a crítica dos companheiros comunistas de então - aqui, na verdade, preocupava-se em discutir tema ainda hoje em aberto no País, a falta de moradia. Mas o debate se fazia pela perspectiva ideológica, na medida em que o debate se desdobra em torno do conceito de fidelidade às raízes (populares - tema especialmente caro ao Centro Popular de Cultura a que ele pertencia, vinculado à UNE), na medida em que este debate abria um flanco de crítica aos militares, acusados de entreguistas, dentre outras coisas. Aqui, cruzava também um debate latente entre o conceito de música popular brasileira (ver o brilhante documentário cinematográfico Uma noite em 67, com os depoimentos sobre tal episódio, que chegou a ter passeata nas ruas do Rio de Janeiro!). Ora, o samba era genuíno produto brasileiro, mas precisava nascer das raízes populares.
A transcriação de Rafael Gomes privilegia outro aspecto, que é a relação em si entre Medeia e Jasão, retornando a Eurípides. Ela lhe deu toda a sua força de mulher, e ele lhe teria dado, em troca, toda a sua força de homem. Nela, a vitalidade da resistência e do amor à vida; nele, a força erótica. Ambos se completavam. Mas Jasão abandona a mulher por outra, mais jovem que ele (ao contrário de Medeia), filha do chefe do jogo do bicho local e dono do morro, o que lhe garante suporte para a compra dos programadores das emissoras de rádio que vão colocar o samba Gota d'água nas paradas de sucesso. A encenação que aqui se tem, então, tira sua força exatamente deste confronto entre a mulher e o homem: também na interpretação, a atriz Laila Garin é imensamente mais poderosa que o ator Alejandro Claveaux. Não é que ele seja ruim, é que ela é excelente e, ao contrário dele, introjetou verdadeiramente a personagem, enquanto ele é apenas um intérprete.
O espetáculo, no seu todo, alcança um excelente resultado cênico, muito especialmente graças à concepção cenográfica de André Cortez e à iluminação de Wagner Antonio. Cortez idealizou um cenário simples, flexível, móvel, feito de caixas que metaforizam as casas e janelas iluminadas dos barracos do morro carioca em que a ação se passa. Também incluiu grandes cambonas de água, empilhadas no palco, sendo que, de uma delas, depois, jorra o veneno mortífero. A iluminação, por seu lado, fragmenta o espaço e metaforiza o sentimento de mágoa da mulher, diante da traição. O conjunto musical que acompanha aos dois intérpretes tem força, e os arranjos de Pedro Luís são extremamente eficientes, na medida em que se tornam também parte da narrativa, antecipando-a ou sublinhando-a. Valorizam a poesia e a inspiração de compositor de Chico e Paulo.
A passagem final, em que Medeia mata, os filhos é soberba, justifica tudo. Mostra a força de um palco vazio. Mas Rafael Gomes parece não se satisfazer com isso e quer a volta dos intérpretes à cena, o que quebra a força dramática, lamentavelmente. A peça poderia ter acabado cinco minutos antes. Enfim, são estes erros em que os criadores caem por excesso de amor ao que fazem. Perdem a medida: cortar na carne sempre dói. Afora isso, Gota d'água foi um belo e forte espetáculo.
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