Ricardo Gruner
Em 2014, Brasil S/A foi destaque no Festival de Cinema de Brasília - onde recebeu cinco prêmios: melhor direção, roteiro, montagem, som e trilha sonora. No ano seguinte, participou do Festival de Cinema de Berlim, dentro da seção Forum, ao lado da produção gaúcha Beira-mar. Agora, enfim o longa-metragem do pernambucano Marcelo Pedroso entra em cartaz comercialmente. Sem diálogos, a narrativa discute a ideia do Brasil como "o país do futuro" através de uma série de personagens que lidam com questões relacionadas ao desenvolvimentismo.
No centro do filme, a vida de um homem sofre reviravolta: após anos cortando cana-de-açúcar, a chegada de máquinas faz com que ele se engaje em sua primeira missão espacial. Dividida em esquetes, a obra acompanha também uma personagem que pega carona em um caminhão cegonha para evitar o trânsito, destaca tratores em dança e evidencia uma bandeira nacional hasteada sem seu globo central - no qual estão inscritos os ideais de ordem e progresso.
Tudo em cena tem um porquê metafórico e levanta questões sobre a modernidade em um território onde as bases coloniais ainda são determinantes. Como não há falas, o som e a música ganham papel ainda mais destacado - tanto que, em Recife, quinta-feira à noite, a estreia foi acompanhada pela Orquestra de Câmara de Pernambuco, que interpretou a trilha sonora ao vivo.
Entretanto, as características ousadas do filme não explicam o hiato entre as exibições em festivais e a o lançamento comercial, conforme Pedroso. "A maior parte das produções cinematográficas independentes brasileiras encontra dificuldades", lamenta ele, referindo-se tanto a narrativas mais convencionais quanto a autorais. "Não se utilizar de diálogos foi um dos caminhos para distanciarmos esses episódios que o filme aborda da realidade cotidiana", defende o cineasta, o qual acredita no poder dos climas instaurados para possibilitar novas camadas de interpretação à narrativa.
E se, no audiovisual, é comum produtores e roteiristas debruçarem-se sobre um enredo particular para então alcançar debates universais, Marcelo Pedroso vai quase no sentido oposto. É a grandiosidade - ou a ironia sobre o que normalmente é associado a isso -, que aparece mais no longa-metragem, através de múltiplos olhares. "O desenvolvimentismo no Brasil é sempre traçado a partir de uma ótica coletiva e não individual", afirma, apontando que as narrativas nacionais estão sempre professando um futuro brilhante para o País.
Conforme o próprio realizador, há também uma relação com as noções de "discurso oficial" presentes em vídeos institucionais, nos quais se vendem utopias. Ao longo das esquetes, é apresentada uma espécie de hiper-realidade, "uma alegoria que se propõe a dar conta de potencializar o real a partir do imaginário que o condiciona, balizado por fatos históricos e também contemporâneos", segundo o diretor.
Além do lançamento, Marcelo Pedroso está na fase de montagem de episódio da série Modelos em transe, uma parceria entre as produtoras Símio Filmes (PE), Teia (MG) e Alumbramento (CE). O seriado contempla 12 episódios que transitam entre o documentário e a ficção, relatando as novas situações de trabalho no Brasil diante do recente boom econômico seguido pelo momento de recessão.
Já no cinema, o artista trabalha no roteiro de longa-metragem de ficção Presságios do mundo anterior, sobre uma sociedade utópica onde só sobreviveram dois seres humanos, e tem ainda dois projetos de documentário em vista.