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Especial

- Publicada em 09 de Agosto de 2016 às 18:39

Cuidar ou trancafiar: o dilema do trato do usuário de drogas


YASUYOSHI CHIBA/AFP/JC
Em um país onde a impunidade causa ampla indignação, a ilusão de que trancafiar pequenos infratores pode ser a solução se torna tentadora. Quase um terço da população carcerária brasileira é composta por pequenos traficantes, e, embora o usuário de drogas não seja visto como criminoso, o estigma que o marca acaba sendo prejudicial para a recuperação. Projetos de lei como o nº 7.663/2010, elaborado pelo agora ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o médico Osmar Terra, que propõe uma atualização à Lei das Drogas de 2006, ganham força ao propor que a "epidemia das drogas" seja tratada com uma maior rigidez na repressão. Esse é justamente o posicionamento considerado equivocado por estudiosos e profissionais da saúde, que defendem que o usuário seja tratado como um doente e receba atendimento médico adequado. O projeto de lei tramita no Senado, mas é improvável que os brasileiros cheguem a um consenso sobre o tema.
Em um país onde a impunidade causa ampla indignação, a ilusão de que trancafiar pequenos infratores pode ser a solução se torna tentadora. Quase um terço da população carcerária brasileira é composta por pequenos traficantes, e, embora o usuário de drogas não seja visto como criminoso, o estigma que o marca acaba sendo prejudicial para a recuperação. Projetos de lei como o nº 7.663/2010, elaborado pelo agora ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o médico Osmar Terra, que propõe uma atualização à Lei das Drogas de 2006, ganham força ao propor que a "epidemia das drogas" seja tratada com uma maior rigidez na repressão. Esse é justamente o posicionamento considerado equivocado por estudiosos e profissionais da saúde, que defendem que o usuário seja tratado como um doente e receba atendimento médico adequado. O projeto de lei tramita no Senado, mas é improvável que os brasileiros cheguem a um consenso sobre o tema.
O mais recente Relatório Mundial sobre Drogas divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), de junho deste ano, aponta que 5% da população mundial adulta - 250 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos - consumiu alguma droga em 2014. Mais de 29 milhões de pessoas convivem com transtornos relacionados ao consumo, além disso, existem 12 milhões de usuários de drogas injetáveis. Destes, 1,6 milhão vivem com HIV e 6 milhões, com hepatite C. Em 2009, o Ministério da Justiça lançou o Relatório Brasileiro sobre Drogas. O estudo já está desatualizado, mas, na época, apontava o álcool, o tabaco e a maconha como as drogas mais frequentes entre os brasileiros, realidade que segue presente. No entanto, hoje se sabe que o consumo de crack e de cocaína também é considerado problema grave de saúde pública, uma vez que o grau de dependência é elevado.
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça é responsável pela articulação das políticas relacionadas ao assunto no País. A implementação das medidas fica a cargo do Ministério da Saúde. Baseando-se em estudos, como a Pesquisa Nacional sobre o Crack, que traçou um perfil do usuário da droga, a Senad concluiu que a única maneira de abordar o problema é por meio de ações sociais de inclusão e de tratamento de saúde. A pesquisa expôs uma realidade há muito presente no Brasil: a maioria dos usuários de crack se encontra em situação de vulnerabilidade social ou é moradora de rua, negra e não chegou ao Ensino Médio.
O psiquiatra e ex-secretário substituto da Senad Leon Garcia acredita que, para que se alcance uma solução a longo prazo, é preciso repensar a questão da moradia, da educação e do trabalho para que os dependentes recuperados possam se reinserir na sociedade. Entre os obstáculos, ele elenca um como principal: o preconceito.
"Existe uma ideia arraigada de que a pessoa que usa drogas tem alguma falha moral. Isso faz com que elas não procurem tratamento ou ajuda entre amigos, porque ninguém quer admitir que precisa de tratamento para uma falha moral", explica. Assim, a situação se arrasta e se agrava, uma vez que os dependentes sentem bastante culpa e vergonha. "É uma certa hipocrisia, porque a sociedade tolera bem quem usa drogas legais, como o álcool e o tabaco, mas despreza o usuário de outras drogas."
Para Garcia, nem mesmo as campanhas de prevenção são utilizadas de maneira correta. "Elas justamente estimulam o estigma porque partem da ideia de que precisamos assustar as crianças e os adolescentes para mantê-los longe das drogas. Só que, quando mostramos o usuário como um zumbi, aumentamos esse preconceito." Garcia defende que seja trabalhada publicamente a ideia de que o drogadito precisa de tratamento e de cuidados.
Embora a Lei nº 11.343 de 2006, chamada Lei de Drogas, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad), tenha descriminalizado o porte de drogas no Brasil, o número de presos por tráfico aumentou drasticamente. Segundo Garcia, esse paradoxo se dá porque a lei também tornou as penas contra o tráfico mais severas.
"Muitas prisões que deveriam ser enquadradas como porte são consideradas tráfico. Fica sempre na mão do policial que faz o flagrante. A política de segurança atual é muito voltada para a prisão do pequeno traficante. Por vezes, são sujeitos sem experiência no crime organizado e, ao saírem da cadeia, já adquiriram esse conhecimento", afirma o psiquiatra. Ele acredita que a sociedade e os responsáveis pela segurança pública devam repensar, uma vez que o caminho escolhido para o combate pode estar atrapalhando, e não ajudando a resolver o problema.
Com o Sisnad, o Brasil passou a focar na prevenção, na atenção e na reinserção social. Seguindo a tendência mundial, o País entendeu que essas pessoas não devem ser penalizadas com prisão, e sim por meio de penas alternativas, como advertência, medidas educativas ou prestação de serviços à comunidade, cujo objetivo é a ressocialização.

As drogas no sistema de saúde

O Ministério da Saúde preconiza um leito para cada 23 mil habitantes. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde, o Rio Grande do Sul possui mais leitos do que o número mínimo. No entanto, essas vagas são abertas (os pacientes ficam misturados com os demais, só havendo necessidade de ala específica quando houver mais de dez). O Estado banca cerca de 890 leitos a um custo unitário de R$ 3 mil a R$ 4 mil por mês. O governo federal financia 360 leitos, cada um por R$ 5,6 mil. Os leitos que ficam dentro dos hospitais psiquiátricos custam menos de R$ 1 mil por paciente.

Os passos do dependente no SUS

Unidade básica de saúde - O usuário conta com o atendimento na Rede de Atenção Psicossocial (Raps). Embora a ordem estabelecida pelo governo não seja obrigatória, uma vez que o usuário pode estar em um estado que requer cuidados mais complexos, o primeiro contato se dá junto à Atenção Básica. As equipes da Estratégia de Saúde da Família e das Unidades Básicas de Saúde funcionam com gestão municipal. As duas unidades recebem apoio de equipes volantes, administradas pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família, de âmbito federal, e pelo Núcleo de Apoio à Atenção Básica, de âmbito estadual.
Centro de saúde psicossocial - Quando o atendimento na Atenção Básica não for suficiente, o paciente é encaminhado a um dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Se o centro básico não funciona, o usuário vai para o Caps AD III, que funciona 24 horas por dia e permite uma breve internação. São 12 unidades especiais no Estado, mas, no total, 181 Caps atendem os usuários no Rio Grande do Sul. Ainda estão previstos o atendimento em consultórios de rua (já existem seis - dois em Porto Alegre e os outros quatro em Canoas, Pelotas, Uruguaiana e Viamão) e em unidades de acolhimento, que não existem no Estado.
Comunidade terapêutica - A última opção é a internação prolongada em comunidade terapêutica, instituições não médicas com caráter residencial. As 31 unidades do Estado não fazem parte da portaria que define a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e são frequentemente geridas por instituições religiosas.
Internação hospitalar - Se, mesmo assim, o dependente ainda precisa de ajuda, é necessário encaminhá-lo a uma instituição de desintoxicação, ou seja, leitos hospitalares. O Estado possui 3.140 leitos psiquiátricos, e, destes, 2.186 são exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS).
{'nm_midia_inter_thumb1':'http://jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2016/08/15/206x137/1_arte10-545392.jpg', 'id_midia_tipo':'2', 'id_tetag_galer':'', 'id_midia':'57b2404d32fbc', 'cd_midia':545392, 'ds_midia_link': 'http://jornaldocomercio.com/_midias/jpg/2016/08/15/arte10-545392.jpg', 'ds_midia': 'Arte/JC', 'ds_midia_credi': 'Arte/JC', 'ds_midia_titlo': 'Arte/JC', 'cd_tetag': '1', 'cd_midia_w': '319', 'cd_midia_h': '187', 'align': 'Left'}A Lei Orçamentária Anual do Estado para 2016 prevê aplicação de R$ 68 milhões em saúde mental. O Ministério da Saúde investiu R$ 1,2 bilhão na área e, desse total, R$ 149 milhões foram aplicados no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas, lançado em 2010. Além disso, nos últimos três anos, o investimento na construção de Caps e unidades de acolhimento passou dos R$ 274,4 milhões.
Em Porto Alegre, existem cinco Caps, dos quais três funcionam 24 horas por dia. O Caps III oferece 10 leitos de permanência. Há também ambulatórios, no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas. Caso o paciente precise ser desintoxicado, a prefeitura disponibiliza 113 leitos hospitalares para álcool e drogas, 77 para homens e 36 para mulheres. Para crianças e adolescentes, há 16 leitos. Existem também 62 vagas em comunidades terapêuticas conveniadas à prefeitura. Para lidar com emergências e urgências, há o atendimento no Posto do IAPI e no Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul (Pacs). Segundo o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), há 945 leitos psiquiátricos na Capital, sendo que 451 são para o SUS. A despesa média mensal da Secretaria Municipal da Saúde com a área de saúde mental é de R$ 3.374.593,00.

Consumo e violência não estão intrinsecamente relacionados, defende psiquiatra

Também vendida como verdade absoluta, a relação entre o consumo de drogas e a violência não é um consenso entre especialistas. Segundo Garcia, existem situações específicas, como a relação entre o consumo de álcool e a violência doméstica. "Não é o álcool que faz o homem ser violento, ele apenas contribui. A droga nunca é causa suficiente nem necessária para um ato violento. No caso da maconha, por exemplo, os usuários relatam exatamente o contrário." Além disso, para ele, a afirmação de que o tráfico de drogas é proporcional à violência também é questionável. "Na Europa, o consumo é bem mais intenso, e a violência, insignificante, ao contrário do que ocorre no Brasil", pondera.
Uma medida que vem sendo adotada no País e é amplamente utilizada no exterior é a política de redução de danos. A ideia parte do princípio que o usuário não abdique totalmente do hábito, desde que o consumo seja, de certa forma, controlado, causando o mínimo de danos possíveis a si próprio e à sociedade. A estratégia surgiu no ano de 1926, na Inglaterra, quando uma equipe médica definiu que a melhor forma de tratar dependentes de heroína e morfina era realizar a administração monitorada do uso, para aliviar os sintomas de abstinência. Assim, em 1980, a redução entrou de forma sistematizada em programas de saúde, para reduzir a contaminação pela hepatite B entre usuários de drogas injetáveis e, posteriormente, pela contaminação pelo HIV.
No Brasil, a primeira tentativa de implementação se deu em 1989, em Santos, no estado de São Paulo, mas foi somente em 2004 que a redução de danos passou a ser vislumbrada oficialmente dentro da Política de Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas, do Ministério da Saúde. Uma das ações mais significativas foi o programa de trocas de seringas - como as equipes médicas eram proibidas de fornecer seringas para os usuários de drogas injetáveis, os profissionais estimulavam o uso de hipoclorito de sódio para a desinfecção de agulhas e seringas reutilizadas.

Para autor de PL antidrogas, usuário deve ser tratado como criminoso

Existem fortes argumentos contrários a essa visão. Um deles, bastante difundido em conversas sem embasamento científico, é o que afirma que o dependente "escolheu" entrar no mundo das drogas e, por isso, não deve ser visto como um doente. Os defensores dessa ideia condenam qualquer medida que possa levar à descriminalização de entorpecentes e acreditam que usuários devam ser submetidos à penalização, mesmo que não seja a restrição de liberdade.
"A dependência é uma doença, então o usuário não deve ser preso, mas deve ser constrangido, é preciso que seja considerado crime. Se o consumo não for punido, o número de usuários vai aumentar e, consequentemente, o número de traficantes", afirma o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Osmar Terra. Enquanto deputado federal, Terra elaborou o Projeto de Lei (PL) nº 7.663/2010, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados e hoje tramita no Senado. Considerada a nova lei antidrogas, o PL propõe a internação compulsória de usuários e aumenta as penas para o tráfico.
Atualmente, a internação compulsória não é permitida, salvo por ordem judicial, quando a pessoa representa risco para a sociedade. Terra propõe uma internação involuntária com base em um pedido dos familiares e com autorização médica. "A dependência é um tipo de memória de longo prazo da sensação que a droga causa. Nunca é um aspecto isolado, envolve circunstâncias, ambientes. Se a pessoa que usa droga frequentar os mesmos ambientes, se conviver com as mesmas pessoas, ela vai acabar tendo recaída", pondera, justificando, assim, a importância do tratamento em comunidades terapêuticas, que permitem um isolamento prolongado. O projeto de lei prevê três modalidades de internação: a voluntária, que ocorre com o consentimento do usuário; a involuntária, que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e a compulsória, determinada pela Justiça. Sobre a internação involuntária, o PL exige a formalização da vontade da pessoa que solicita a internação e permite o término mediante autorização médica ou solicitação do familiar.
Além disso, a Lei nº 11.343 prevê um prazo máximo de cinco meses de advertência, prestação de serviços ou medidas educativas para quem portar drogas para consumo pessoal, e, em caso de reincidência, o prazo máximo sobe para dez meses. A proposta de Terra aumenta essa pena inicial para entre seis e 12 meses, e, em caso de reincidência, de 12 a 24 meses. Para garantir o cumprimento das medidas, o PL propõe, além de admoestação verbal e multa, já previstas na lei atual, a restrição de direitos relativos à frequência a lugares ou imposição ao cumprimento de horários. O autor da lei também sugere que seja feita uma diferenciação entre os crimes relacionados às drogas mais danosas. "Parece óbvio que a sanção seja proporcional ao dano causado", diz o texto. Terra também acredita que a prisão de pequenos traficantes é eficaz. "Temos que reduzir a oferta e isso se resume a tirar o traficante da rua. A gente sabe que os presídios estão cheios, são muito ruins, mas não podemos deixar de prender por isso", argumenta.
O ministro rejeita veementemente a ideia de legalização ou descriminalização. "Essa medida não deu certo em nenhum lugar do mundo. É um romance que inventaram, que vai diminuir o número de usuários, diminuir a violência. Quanto maior a oferta, maior a demanda. Esse movimento é de usuários que não querem correr riscos", define. Para ele, o argumento de que a guerra às drogas falhou é um mito. "Vivemos uma epidemia. Não é um período comum de consumo, estamos no auge. Se não acabarmos com isso, vai se agravar, é o que vai ocorrer no Uruguai, que fez uma lei de cabeça para baixo."

Sem projeto específico no Estado, reduzir a judicialização das internações por dependência passa por integração de poderes

A Constituição Federal, no artigo 196, determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado. O dispositivo explica que o dever estatal será executado a partir de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
A estrutura para tornar real o que diz a legislação maior foi criada em 1990, por meio da Lei nº 8.080. O SUS hoje é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo. Somente no ano de 2014, a rede pública realizou 4,8 bilhões de procedimentos ambulatoriais, 1,4 bilhão de consultas e 11,5 milhões de internações.
Entre as tantas áreas atendidas pela rede pública estão os transtornos mentais e de comportamento. A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10, por exemplo, engloba patologias causadas pelo uso de entorpecentes.
Assim, é indiscutível a obrigação do Estado em disponibilizar tratamento médico a dependentes de drogas. Quando o tratamento prescrito por um profissional médico não é fornecido, é comum que o Poder Judiciário seja acionado. Os pedidos que chegam à Justiça são cada vez mais recorrentes, e materializam o que passou a se chamar "judicialização da saúde".
A negativa estatal pode ocorrer por diversas razões, como problemas de gestão ou, até mesmo, por ausência de previsão legal que obrigue o ente federativo a prestar aquele serviço. O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), Martin Schulze, explica que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estruturou um comitê executivo para coordenar as ações do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde. "Atualmente, são 18 instituições do Sistema de Justiça e do Sistema de Saúde que fizeram um trabalho visando à redução da judicialização", afirma.
Segundo Arnaldo Hossepian, supervisor do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde do CNJ, o papel do juiz, ao avaliar a questão, é averiguar se o tratamento que está sendo solicitado é, de fato, adequado. Hossepian relata que, além da preocupação em reduzir a judicialização, também cabe ao comitê executivo fazer com que o juiz tenha elementos suficientes para decidir da melhor maneira possível e dar a prestação jurisdicional adequada.
No que diz respeito à dependência química, Schulze explica que, em geral, são os familiares que buscam a Justiça com o intuito de internar o paciente. Nessas circunstâncias, é incomum haver uma negativa dos entes federativos em providenciar a internação.
A internação para tratamento se classifica em voluntária, involuntária e compulsória. O Judiciário atua em todos os casos, mas é neste último que se faz imprescindível. A internação compulsória se verifica nos casos onde há algum tipo de litígio ou de uma infração penal. O próprio Estado, por meio do seu sistema de Justiça, ordena a internação por um período determinado.
Quando a questão é levada ao Judiciário, faz-se uma avaliação, para averiguar se é caso de internação. Caso se entenda que a internação é necessária, o dependente será encaminhado para uma unidade de tratamento adequada e que possua vaga. Se, eventualmente, houver negativa por parte do ente federativo, o juiz determinará a internação em qualquer estabelecimento que tenha vaga, com ônus para o Estado.
Atualmente, não existe nenhum programa no âmbito do CNJ e do TJ-RS que trate especificamente da questão da judicialização e da dependência química. Porém, no Rio Grande do Sul, as instituições que participam de um comitê que coordena ações de planejamento e gestão sistêmicos com foco na saúde já identificaram, nas reuniões, a questão de drogadição como um objetivo a ser avaliado. "Isso se faz necessário porque, para a eficácia das ações, seria preciso uma convergência das diversas instituições que estão envolvidas na questão", esclarece Schulze.

Número de leitos no Rio Grande do Sul é suficiente, mas tipos são inadequados para dependência química

A quantidade de leitos disponibilizada no Estado é uma questão que gera controvérsias. O Ministério da Saúde preconiza, por meio da Portaria nº 3.088, de 2011, um leito para cada 23 mil habitantes. Segundo a Secretaria Estadual da Saúde (SES), o Rio Grande do Sul possui mais leitos do que o número mínimo.
"Se solicitarmos mais vagas para o Ministério da Saúde, não ganharemos", afirma o coordenador adjunto da Saúde Mental da SES, Rafael Candiago. Ele argumenta que os leitos oferecidos em hospital geral são abertos - os pacientes ficam misturados com os demais, só havendo necessidade de ala específica quando houver mais de dez. "Não há um ambiente adequado para a criação da abstinência. Se formos ver quantos leitos estão realmente aptos a lidar com um paciente em abstinência de crack, agitado, por vezes psicótico, veremos que nossa capacidade está menor."
Outra polêmica é a internação em comunidade terapêutica. "São instituições não médicas, com caráter residencial. Os pacientes vão morar lá", esclarece. No entanto, as 31 comunidades terapêuticas do Estado não fazem parte da portaria que define a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e são frequentemente geridas por instituições religiosas.
"Nossa gestão aprova o tratamento oferecido pelas comunidades, mas a opinião não é unânime. Há quem diga que se tratam de minimanicômios. Acreditamos que os pacientes precisam de assistência terapêutica, e, hoje, a opção é a comunidade terapêutica ou desassistência", pondera o gestor público. Segundo a pasta, até que surja uma alternativa melhor, a opção da comunidade terapêutica é válida. "Não são todos que se adaptam, é claro, mas a ideia é ampliar o número de vagas. O ideal seria que o paciente já saísse de lá com um curso profissionalizante."
Um dos diretores do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) e ex-secretário estadual da Saúde, Germano Bonow critica a estrutura de atendimento gaúcha. "O número de Caps é insuficiente. Além disso, os pronto-atendimentos não possuem vagas suficientes, basta ver os frequentes acúmulos de pacientes nos postos da Cruzeiro e do IAPI. Quando a internação hospitalar é necessária, a pessoa fica em torno de três semanas, e quem não consegue se beneficiar depois disso, não tem mais para onde ir", argumenta.
Quanto às comunidades terapêuticas, apesar de aprovar a forma de tratamento, Bonow questiona a qualidade, uma vez que nem todas disponibilizam médicos. Para ele, a falta de acesso ao sistema ainda é o principal obstáculo da saúde mental no Brasil.

Prevenção é mais eficaz quando trabalho começa na adolescência

A prevenção é uma das principais armas no combate à drogadição. Impedir que jovens procurem nas drogas a solução de problemas ou mais uma opção de diversão é um desafio enfrentado pelos órgãos de saúde, nos âmbitos federal, regional e municipal. A maioria das campanhas é feita em escolas e visa à conscientização de crianças e adolescentes de todas as idades.
Os ministérios da Saúde, da Educação e da Justiça trabalham de forma conjunta no combate às drogas. Entre 2013 e 2015, o investimento da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas (Cgmad) em programas preventivos foi de aproximadamente R$ 7,7 milhões. Baseando-se em premissas da Organização das Nações Unidas (ONU), a Cgmad criou os programas Elos, #TamoJunto e Famílias Fortes. Atualmente, os três estão sendo implementados em uma parceria com o Ministério da Justiça.
O Programa Elos é voltado a crianças entre seis e dez anos, matriculadas no Ensino Fundamental. O objetivo é reduzir interações que aumentam a vulnerabilidade das crianças nessa faixa etária, especialmente aquelas de natureza agressiva, de dispersão e de retraimento nos contextos em sala de aula. O #TamoJunto, direcionado a adolescentes de 13 anos em escolas públicas, caracteriza-se por atividades interativas, lúdicas e dinâmicas que estimulam diálogos.
Além do componente curricular, que prevê a realização de 12 aulas inseridas na rotina escolar, o componente comunitário propõe três encontros com os pais e responsáveis, mediados pelos profissionais de saúde e de educação. Por fim, o programa Famílias Fortes é dedicado a famílias com jovens de dez a 14 anos, e atua na construção e fortalecimento de vínculos familiares. A intenção é trabalhar em limites, regras e rotina de convivência entre os membros da família, além de refletir sobre as consequências da quebra dessas regras e quais as medidas a serem tomadas em caso de transgressão.
Em âmbito estadual, as medidas preventivas ficam a cargo da Comissão Interna de Prevenção a Acidentes e Violência Escolar (Cipave) da Secretaria Estadual da Educação. Ao aderir ao programa, os colégios fazem um levantamento, elencando quais são os principais problemas a serem enfrentados. Mesmo quando não há casos de tráfico ou consumo de drogas na escola, as medidas de conscientização também podem ser acionadas. A Cipave se vale de alguns parceiros, como a ONG Amor Exigente, que realiza dez encontros envolvendo alunos, pais e professores. O principal objetivo da organização é evitar o processo de experimentação, então, a atividade é voltada para crianças menores.
Já equipes do Programa de Resistência ao Uso de Drogas (Proerd), da Brigada Militar, e da Divisão de Prevenção e Educação (Dipe) do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil, desenvolvem ações com alunos mais velhos, da quinta à sétima série do Ensino Fundamental. A ação se torna mais informativa: os estudantes conhecem as drogas, suas consequências e seus efeitos no organismo.

Orçamento estadual de prevenção está previsto em R$ 850 mil

Na semana passada, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) lançou uma cartilha educativa que será distribuída a todas as escolas públicas estaduais. "Todas as informações sobre o assunto estão lá, de forma didática, divididas por faixa etária, uma para o Ensino Fundamental e outra para o Médio, e uma para os professores", explica a coordenadora do projeto Cipave no Estado, Luciane Manfro.
A Cipave não atua somente na situação das drogas, e sim, tenta prevenir todo tipo de acidente, até mesmo crimes de trânsito. Fora do âmbito escolar, a equipe procura os pais e os líderes comunitários para que também desenvolvam, com os pequenos, ações que possam evitar o consumo e o tráfico.
Para 2016, a Seduc dispõe de R$ 850 mil para investir na prevenção. "Ainda pretendemos firmar uma parceria com a Secretaria Estadual da Saúde e oferecer aos professores uma plataforma EaD que ensine a lidar com crianças em estado depressivo, fator que pode levar ao consumo de drogas", exemplifica.
Embora a lei que criou a Cipave seja de 2012, o programa só está em prática há um ano. Para Luciane, que é especialista em violência escolar e também atua como policial civil há 15 anos, a prática de evitar a experimentação tem dado resultados - o envolvimento com drogas é menor do que os problemas relatados com bullying, por exemplo.
Em Porto Alegre, as ações ainda não são tão consolidadas. A coordenadora da Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde, Loiva dos Santos, explica que existem iniciativas junto à educação e à assistência social, mas tais medidas não são suficientes. "Temos determinantes sociais que estão bem agravados, basta ver a questão da violência. Isso acaba restringindo algumas ações e não damos conta de tudo que gostaríamos de fazer", pondera.
Ainda assim, a prefeitura promove, no âmbito educacional, ações culturais, de lazer e esportivas voltadas a jovens em fase de desenvolvimento. "Se formos estudar a curva do uso de drogas, é na adolescência que começamos a ver o problema. Temos de oferecer alternativas, uma vez que já existe o mercado da droga, os adolescentes recebem dinheiro para vender ou para cuidar do local de tráfico e isso se torna um atrativo", justifica Loiva.
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