Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Jornal da Lei

- Publicada em 18 de Julho de 2016 às 16:30

'Uma lei não muda uma cultura'

Para Alda Facio, é mais fácil dar um golpe de Estado contra uma mulher do que contra um homem

Para Alda Facio, é mais fácil dar um golpe de Estado contra uma mulher do que contra um homem


CASSIANA MARTINS/JC
Isabella Sander
Relatora especial sobre discriminação contra a mulher na Organização das Nações Unidas (ONU) há um ano e ativista há 50 anos pela igualdade de gênero, Alda Facio considera que, a partir do momento em que o direito da mulher começou a ser pensado dentro dos direitos humanos, passou-se a reconhecer a diversidade da humanidade. Contudo, mesmo com legislação específica contra a violência de gênero, Alda garante que a lei em si é apenas uma ferramenta, e não mudará a cultura misógina sozinha - quem muda são as pessoas.
Relatora especial sobre discriminação contra a mulher na Organização das Nações Unidas (ONU) há um ano e ativista há 50 anos pela igualdade de gênero, Alda Facio considera que, a partir do momento em que o direito da mulher começou a ser pensado dentro dos direitos humanos, passou-se a reconhecer a diversidade da humanidade. Contudo, mesmo com legislação específica contra a violência de gênero, Alda garante que a lei em si é apenas uma ferramenta, e não mudará a cultura misógina sozinha - quem muda são as pessoas.
Jornal da Lei - Como a senhora começou a atuar na causa das mulheres?
Alda Facio - Milito no feminismo desde os 18 anos. Nos anos 1980, começamos um movimento em nível mundial para os direitos das mulheres serem reconhecidos como direitos humanos. Fomos vitoriosas em 1993, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, em Viena. Sempre digo que, só a partir de 1993, nós, mulheres, começamos a ser humanas, pois antes, se eram somente direitos das mulheres, então o que eram os direitos humanos? Direitos das outras pessoas?
JL - Como os direitos das mulheres eram tratados antes desse vínculo?
Alda - Não se falava muito em direitos antes de 1993, e sim de "conquistas da mulher". Nessa concepção, as mulheres tinham as mesmas condições dos homens. Era como dizer que o problema estava nas mulheres e que dependia delas estar em iguais condições aos homens. Com o tratamento a partir da ótica dos direitos humanos, se vê que não se trata disso, se trata de reconhecer que nós, seres humanos, nascemos com diferentes cores, sexualidades, gêneros etc. Começou-se a reconhecer a diversidade da humanidade.
JL - Em outros países da América Latina há legislações semelhantes à Lei Maria da Penha?
Alda - Sim. Desde 1994, com a Convenção de Belém do Pará, se tornou obrigatório que todos os Estados que ratificaram a convenção fizessem leis, algumas piores do que a Maria da Penha, outras melhores.
JL - A senhora pensa que é necessário mudar a cultura para a lei ser implementada?
Alda - Há um problema no movimento de mulheres e na sociedade em geral, que se entusiasma muito quando há uma proposta de lei, se mobiliza para que a lei passe e, quando é aprovada, não segue lutando para que seja implementada e conhecida. É um problema cultural crer que as leis magicamente mudam a cultura. Não. A lei é um instrumento. É como um lápis ou uma caneta: se não for usado, não escreverá a história. É a pessoa que usa o lápis ou a caneta. São instrumentos, não mudam as coisas sozinhos. A lei, por outro lado, tem um efeito de que, pelo menos, se reconheça o problema, o que já é uma mudança positiva importante, pois, até os anos 1980, sequer se considerava que existia a violência contra as mulheres. As mulheres que a viviam, a viviam como algo natural. Se te violam, isso acontece por culpa tua, porque andavas pela rua rebolando, porque andavas com uma saia muito curta. Isso mudou. As violações seguem, mas pelo menos já não se culpa tanto as mulheres.
JL - O que a ONU faz para mudar essa cultura?
Alda - A ONU é um clube de Estados, então o que fazemos é ter pessoas como eu, relatoras especiais em discriminação contra as mulheres que procuram convencer os Estados a fazer o que deve ser feito, a cumprir com as obrigações que eles mesmos aceitaram quando ratificaram uma convenção. Nossa função é recordá-los de que têm essa obrigação, pois os diplomatas na ONU tendem a pensar que os problemas das mulheres, das crianças, da discriminação são problemas menores do que, por exemplo, o problema da Síria e dos imigrantes. Esses seriam problemas "de verdade", enquanto os das mulheres são menores.
JL - A democracia caminha junto com a redução da violência contra a mulher?
Alda - Sim e não, porque a democracia deveria ser a igualdade entre mulheres e homens, e entre toda a sociedade. Hoje, o que se chama de democracia é haver eleições. No entanto, há países onde há eleições que não são nada democráticos, porque as pessoas não podem denunciar, não há uma Justiça acessível para que a população seja reparada pelas violações que sofre. Democracia é isso, poder participar das decisões que o Estado toma, e isso falta muito, em todas as mulheres poderem participar em igualdade de condições com os homens.
JL - Nesse sentido, a senhora se preocupa com a situação política no Brasil?
Alda - É preocupante, pois parece ser um golpe de Estado (impeachment de Dilma Rousseff) mais sofisticado do que, por exemplo, o ocorrido no Congresso de Honduras, em 2009. Como relatora, não tenho conhecimento suficiente sobre isso, mas, como pessoa, eu digo que é um golpe de Estado. Me preocupa que o que está ocorrendo no Brasil se repita em outros países, que se torne algo aceitável, que não preocupe os governantes esses procedimentos, perigosos para a democracia.
Leia mais:
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO