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Corrupção

- Publicada em 05 de Junho de 2016 às 19:33

Odebrecht demite 50 mil pessoas e vê dívida subir para R$ 110 bilhões

A dívida bruta foi de R$ 88 bilhões em 2014 para R$ 110 bilhões, alta de 25%, efeito do dólar e dos juros

A dívida bruta foi de R$ 88 bilhões em 2014 para R$ 110 bilhões, alta de 25%, efeito do dólar e dos juros


J.F. DIORIO/AE/JC
Quando as suas filhas brigavam, o empresário Marcelo Odebrecht perguntava quem tinha provocado, não necessariamente para punir quem levou ao desentendimento. "Eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com quem fez o fato", disse ele, em setembro de 2015, em depoimento à CPI da Petrobras. A historinha era para explicar como via o acordo de colaboração na Operação Lava Jato. Prestes a completar um ano de prisão, em 19 de junho, o executivo está assinando um acordo de delação premiada. Mais do que aliviar a própria pena, o empresário busca salvar seu grupo.
Quando as suas filhas brigavam, o empresário Marcelo Odebrecht perguntava quem tinha provocado, não necessariamente para punir quem levou ao desentendimento. "Eu talvez brigasse mais com quem dedurou do que com quem fez o fato", disse ele, em setembro de 2015, em depoimento à CPI da Petrobras. A historinha era para explicar como via o acordo de colaboração na Operação Lava Jato. Prestes a completar um ano de prisão, em 19 de junho, o executivo está assinando um acordo de delação premiada. Mais do que aliviar a própria pena, o empresário busca salvar seu grupo.
A reputação arranhada, somada ao ambiente adverso - com recessão, alta do dólar e crises profundas em alguns dos setores em que o grupo atua -, "está fazendo a empresa sangrar", como definem executivos próximos a Odebrecht. O balanço consolidado de 2015, previsto para sair nos próximos dias - com mais de um mês de atraso -, vai dar uma imagem parcial, pois a situação piorou nos últimos seis meses e ainda não há resultados oficiais do período recente.
A dívida bruta foi de R$ 88 bilhões em 2014 para R$ 110 bilhões, alta de 25%, efeito do dólar e dos juros, mas também da imposição de taxas maiores para sua rolagem. A empresa renegocia mais de R$ 25 bilhões em dívidas de empresas do setor agroindustrial e de óleo e gás. Um laudo interno de avaliação dos ativos, feito regularmente para balizar o programa de bônus, pode trazer um cenário mais desagradável. Os executivos acreditam que vai mostrar que o valor do grupo caiu à metade.
Conhecido pela baixa rotatividade e pela fidelidade da equipe, o grupo demitiu mais de 50 mil funcionários, reduzindo o contingente em quase um terço. A equipe voltou a ter praticamente o mesmo tamanho que seis anos atrás: 120 mil trabalhadores. Os cortes não ocorreram pelo ciclo natural de desmobilização de trabalhadores, com a conclusão de obras, mas por falta de novos contratos e até recursos para tocar projetos em andamento. As obras da BR-163, em Mato Grosso, são exemplo disso: estão quase paralisadas.
O balanço ainda vai retratar o que o grupo poderá perder com a Lava Jato. O Ministério Público Federal cobra R$ 7,3 bilhões, que seria o potencial de multa em um acordo de leniência. A empresa contesta o valor.
Quem convive com a Odebrecht garante que a insistência em não admitir o envolvimento em esquemas de corrupção fez o grupo atrair desconfianças e acumular perdas, sobretudo porque outras empresas acusadas dos mesmos crimes preferiram o caminho inverso e colaboraram. "As construtoras se adaptaram à Lei Anticorrupção, decidiram que só participam de certames limpos: é a direção a seguir", diz Ordélio Azevedo Sette, do escritório Azevedo Sette.
A área mais afetada foi o crédito. Em agosto de 2015, os bancos começaram a travar liberações, o que exigiu que o grupo utilizasse recursos próprios para girar o negócio. Executivos próximos às negociações com credores estimam que deixaram de entrar cerca de R$ 40 bilhões em créditos, no Brasil e no exterior. O grupo não confirma o valor, mas, em nota, disse que a Odebrecht Engenharia e Construção vive dias complicados: "O mercado de crédito mais restrito e a questão reputacional - que leva a um escrutínio maior e mais demorado por parte dos credores - são os principais responsáveis por essa situação. A empresa está comprometida em alcançar uma solução para suas questões reputacionais e espera com isso melhorar o ambiente de crédito".
Uma das instituições que fecharam a torneira foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes). A Odebrecht TransPort, empresa que opera concessões, aguarda receber R$ 5,2 bilhões em financiamentos de longo prazo do banco. No exterior, há demora na liberação de US$ 2 bilhões para as obras do gasoduto Sur Peruano, e a Odebrecht procura vender a sua parte nesse projeto.
Além disso, a empresa tem dificuldades para fechar as contas na Agroindustrial, na qual teve um prejuízo de mais de R$ 1 bilhão em 2015 e renegocia uma dívida de R$ 13 bilhões. Outra empresa problemática é a de óleo e gás, que renegocia contratos de navios-sonda com a Petrobras.
 

Pacote de venda de empresas pode aliviar situação

Duas peculiaridades deram fôlego para o grupo: a atuação em 21 países e a diversificação em 15 áreas de negócios. Cerca de 61% das receitas vêm do exterior. Dois negócios resistiram ao turbilhão: a petroquímica Braskem e Odebrecht Ambiental, de saneamento. Eles compensaram as perdas e fizeram a receita ir de R$ 107 bilhões em 2014 para R$ 132 bilhões em 2015.
Na avaliação de Sergio Lazzarini, professor do Insper, a delação de Marcelo Odebrecht tende a ter outro simbolismo: marcar a derrocada do modelo de negócio baseado na troca de favores entre Estado e empresas. "O modelo é insustentável: o dinheiro do Estado acabou, e agora os empresários passaram a ter medo", diz Lazzarini.
Nas próximas semanas, a Odebrecht espera anunciar o primeiro negócio de porte dentro do pacote de venda de empresas e participações que busca melhorar o caixa de subsidiárias com problemas. Segundo fontes do mercado, a venda da Odebrecht Ambiental, da área de saneamento, está praticamente fechada.
O grupo espera arrecadar R$ 12 bilhões com a venda de empresas e concessões que possui no Brasil e no exterior. Na lista estão a Realizações (de empreendimentos imobiliários) e a participação na Usina Hidrelétrica de Santo Antônio.
No exterior, as principais vendas devem ocorrer no Peru, onde a companhia tem a concessão do gasoduto Der Sur e da Usina Hidrelétrica de Chaglia. Também quer se desfazer do bloco 16 de exploração de petróleo em Angola. Muitos desses ativos estão à venda há mais de seis meses, mas não são fáceis de negociar enquanto a Odebrecht não resolver as pendências com a Justiça brasileira.

A rotina do 'príncipe' Marcelo Odebrecht no cárcere de Curitiba

 ALESSANDRO TEIXEIRA E MARCELO ODEBRECHT E ERIK CAMARANO PARTICIPAM DE TALK SHOW SOBRE COMPETITIVIDADE E O MERCADO EXPORTADOR. NO SALÃO MERCOSUL DO SHERATON.    NA FOTO: MARCELO ODEBRECHT, DIRETOR-PRESIDENTE DA ODEBRECHT

ALESSANDRO TEIXEIRA E MARCELO ODEBRECHT E ERIK CAMARANO PARTICIPAM DE TALK SHOW SOBRE COMPETITIVIDADE E O MERCADO EXPORTADOR. NO SALÃO MERCOSUL DO SHERATON. NA FOTO: MARCELO ODEBRECHT, DIRETOR-PRESIDENTE DA ODEBRECHT


MARCELO G. RIBEIRO/JC
O mais rico e poderoso dos presos da Lava Jato parece resignado. Às vésperas de completar um ano de prisão e com negociação por acordo de delação premiada iniciado, Marcelo Bahia Odebrecht age como se só agora entendesse o recado subliminar do nome da fase da operação que o colocou atrás das grades: Erga Omnes - do latim "vale para todos".
Na cela de 12 metros quadrados da Custódia da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba, sem luz no teto e um buraco de latrina no chão, algumas convicções que Marcelo sustentou publicamente perderam solidez. "Para dedurar tem de ter o que dedurar", disse a deputados da CPI da Petrobras, três meses após ser preso, no dia 19 de junho de 2015.
Desde quarta-feira, o presidente afastado do Grupo Odebrecht passou a negociar formalmente com procuradores da República aquilo que pode "dedurar" no esquema de corrupção na Petrobras. Parte de uma estratégia de defesa que ele mesmo concebeu - sobretudo nos últimos três meses, depois que voltou para a carceragem da PF, com a prisão do marqueteiro do PT João Santana. Sobre o colchão fino na cama de concreto, Marcelo passou e repassou orientações aos advogados - uma banca de notáveis encabeçada pelo criminalista Nabor Bulhões.
Nos tribunais, as arguições montadas partindo de suas diretrizes foram caindo uma a uma - e, com elas, a convicção de que alguém rico e tão próximo do poder não fica preso no Brasil. Enquanto isso, na 13ª Vara Federal em Curitiba, novos pedidos de prisões foram autorizados - pelo menos um deles em resposta à atuação agressiva e de confronto com as investigações. "Ele nunca deixou de acreditar que porque é rico e poderoso sairia logo da cadeia", disse uma autoridade, em reservado.
Marcelo é o único empresário do grupo "VIP" de empreiteiras acusadas de cartel ainda preso em Curitiba. Transformou a cela - que divide com três outros presos - em academia, escritório e biblioteca.
Duas rotinas obsessivas tomam os seus dias: escrever e exercitar-se. Como os demais presos, Marcelo tem direito a uma hora de sol por dia na custódia da PF. As celas não têm luz, só a do corredor, nem TV, nem rádio. As visitas da família são às quartas-feiras - a irmã e a mulher são as mais frequentes.
Na maior parte do período de cárcere, "o príncipe" - como passou a ser tratado pelos demais presos - ficou detido no Complexo Médico-penal, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba. Na unidade, Marcelo virou o interno 118.065, um dos presos do Pavilhão 6 - que, no fim de 2014, passou a abrigar a população crescente de encarcerados de colarinho branco.
Perto das acomodações da carceragem da PF, o presídio médico é um "paraíso", contam os presos que já passaram para regime domiciliar. O espaço é maior, o banho de sol não é restrito a uma hora diária, e o uso de televisores e rádios é liberado. Há ainda regalias como a permissão para entrada de alimentos especiais.
Marcelo voltou à carceragem da PF por causa da negociação da delação, mas, graças a uma decisão do juiz da Lava Jato, que aceitou um ofício encaminhado pela defesa em que uma médica particular atestou que o "príncipe" estava com saúde "preocupante", o retorno não foi tão ruim. Marcelo obteve direito a uma dieta especial fortalecida com frutas secas, biscoitos e torradas sem glúten.

Abalados com a crise, funcionários esperam sucesso dos acordos

Trabalhar no Grupo Odebrecht sempre foi como entrar para uma grande família. Não à toa, a empresa se gabava de ter como política para novas contratações a indicação feita pelos próprios funcionários. Se fosse parente, melhor ainda. E foi como uma família que a corporação enfrentou a prisão do presidente, Marcelo Odebrecht. Um sentimento de injustiça se abateu sobre todos, que se uniram para combater o inimigo externo que tentava acabar com a reputação da família. No fim do ano, a tradicional festa foi abolida. Não havia o que comemorar.
A cada nova notícia, a empresa negava "veemente" qualquer acusação. Mas a Lava Jato foi adentrando a empresa, levando seus principais executivos. Foi mais de uma dúzia de executivos. Em fevereiro deste ano, os funcionários, já ressabiados, passaram a se questionar e pressionar a empresa.
Era dia 22 quando a Operação Acarajé foi acionada para prender o BJ, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, presidente da construtora. Com ele, veio à tona a "planilha da Odebrecht": uma lista de mais de 200 políticos e de valores a eles repassados. Alguns apelidos viraram piada nacional, como "Passivo", para o ex-ministro da Casa Civil Jaques Vagner, ou "Viagra", para o deputado do PMDB de Pernambuco Jarbas Vasconcelos. Tinha ainda o "Caranguejo", em referência a Eduardo Cunha, que foi presidente da Câmara dos Deputados. Na Odebrecht, porém, a lista causou desconforto.
Ainda na Acarajé, causou estranhamento entre os funcionários a prisão da secretária Maria Lúcia Tavares. Um mês depois, veio a revelação, com a Operação Xepa. Maria Lúcia estava há seis anos no Setor de Operações Estruturadas, que, segundo os investigadores, nada mais era do que "um departamento da propina", comandado por Hilberto Mascarenhas Alves da Silva Filho, executivo da holding.
O moral da turma se abalou. "Até certo ponto, eles entendiam que faziam parte do jogo empresarial algumas irregularidades, mas a propina institucionalizada os pegou de surpresa", diz um ex-executivo do grupo. As cobranças para a direção, já esfacelada, chegaram a galope. No dia seguinte à Xepa, a Odebrecht decidiu anunciar oficialmente que faria "a delação premiada definitiva" e um acordo de leniência em que a empresa e seus executivos presos, incluindo o líder Marcelo Bahia Odebrecht, entregariam todo e qualquer esquema que a empresa tivesse participado.
Os funcionários agora depositam todas as suas expectativas no sucesso desses acordos. Esperam ver os financiamentos de volta para pagar as contas sem malabarismos, ou que conquistem novos projetos para que os empregos também voltem.