Michele Rolim
Não é de hoje que a coreógrafa e diretora Eva Schul trabalha a questão do feminino em seus espetáculos de dança. Em 25 anos, muitas montagens da Ânima Companhia de Dança abordaram as dificuldades de relacionamentos, questões de hierarquia e os papéis que cada um exerce dentro de uma relação. Mas, em Acuados, nova montagem da companhia, o caráter é de denúncia.
O espetáculo estreia hoje, às 20h, na Sala Álvaro Moreyra (Érico Veríssimo, 307), com financiamento do Fumproarte, e busca ressaltar e sensibilizar diferentes públicos para a questão da violência contra a mulher, especialmente no âmbito doméstico e os desdobramentos que esta violência gera na família e nas relações sociais dos envolvidos.
"Toda minha obra tem a ver com a maneira que eu enxergo o mundo. A mulher foi deixando de ser submissa para assumir uma papel de discurso", diz Eva, que se separou nos anos 1970, uma época em que poucas mulheres pediam o divórcio.
A coreógrafa estudou dança nos Estados Unidos, na Argentina e no Uruguai. Começou sua trajetória no New York City Ballet, que abandonou um ano mais tarde por insatisfação em relação à ausência de espaço de criação para os bailarinos.
Na década de 1970, o seu grupo MuDança foi referência na cultura gaúcha. Nos anos 1980, ajudou a criar os cursos de dança e de teatro da Fundação Teatro Guaíra, em Curitiba. Em 1991, de volta a Porto Alegre, Eva começou a Ânima Cia. de Dança.
"Sempre escolhi a dança contemporânea porque ela poderia falar das minhas questões. O que estamos fazendo, neste espetáculo, é agir sobre esse mundo que vivemos, mesmo que seja para um microcosmo", aponta Eva. A artista ressalta que o estilo é uma forma de pensar politicamente, uma vez que a dança contemporânea busca não mais a uniformidade e o movimento tecnicamente perfeito (como no balé), mas sim a diversidade de corpos e o movimento cotidiano, que aproxima o contato com a plateia.
Neste espetáculo, através da movimentação dos corpos dos intérpretes criadores - Driko Oliveira, Bianca Dias Weber, Emily Chagas e Everton Nunes - que contrastam com a trilha sonora de cenas de amor de óperas, são retratados o nível de submissão envolvido nas relações violentas, que leva à quebra da personalidade e da autoestima dos indivíduos. A peça chega em um momento em que se comemora os 10 anos da Lei nº 11.340 e sua alteração no parágrafo 9, artigo 129, conhecida como Lei Maria da Penha.
Segundo Eva, essa foi um grande coincidência e uma reafirmação de que é necessário falar sobre o tema cada vez mais, já que, apesar da legislação, o volume de agressões contra as mulheres segue alarmante. "As pessoas tendem a buscar a arte como lazer, e arte não é apenas lazer. São duas coisas completamente diferentes: arte tem uma função política muito clara e forte, lazer é para você não pensar na tua realidade, é o oposto da arte, portanto", defende a coreógrafa, que dirige esse espetáculo com a assistência de Viviane Lencina.
Na dança, o universo feminino sempre esteve presente, conforme Eva, já que a participação das mulheres é majoritária, pois sempre houve um preconceito com os homens praticarem essa modalidade. "É natural que esses temas apareçam em um espaço em que há a presença muito grande de mulheres. Muitas delas criam linguagens próprias e desenvolvem os seus caminhos, temos nomes de referência na dança que são mulheres", comenta ela, que atualmente também é coreógrafa convidada da Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre.
Eva é responsável pela formação de várias gerações de profissionais da área. "Uma das coisas legais da Ânima é que as pessoas que passam pela companhia vão estabelecendo suas próprias vidas, dando espaço para criar novos elencos", conta ela. Neste espetáculo, os seis intérpretes-criadores são jovens e novos integrantes da companhia.