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História

- Publicada em 27 de Junho de 2016 às 16:30

Livro retrata o início da Justiça no Brasil

Publicação resgata documentos históricos escritos entre 1526 e 1541

Publicação resgata documentos históricos escritos entre 1526 e 1541


AMÍLCAR D'AVILA DE MELLO /DIVULGAÇÃO/JC
O Brasil foi colonizado por portugueses - até aí, todo mundo sabe. O que a maioria desconhece, contudo, é que não foi o povo lusitano que iniciou o País no sistema judiciário. No livro "Primórdios da Justiça no Brasil", o historiador Amílcar D'Avila de Mello prova que os primeiros documentos nos moldes do direito ocidental a serem lavrados no Brasil não têm autoria portuguesa, e sim espanhola. A obra foi lançada na quinta-feira passada em Porto Alegre, em evento organizado pela Castro, Osório, Pedrassani & Advogados Associados.
O Brasil foi colonizado por portugueses - até aí, todo mundo sabe. O que a maioria desconhece, contudo, é que não foi o povo lusitano que iniciou o País no sistema judiciário. No livro "Primórdios da Justiça no Brasil", o historiador Amílcar D'Avila de Mello prova que os primeiros documentos nos moldes do direito ocidental a serem lavrados no Brasil não têm autoria portuguesa, e sim espanhola. A obra foi lançada na quinta-feira passada em Porto Alegre, em evento organizado pela Castro, Osório, Pedrassani & Advogados Associados.
Com 652 páginas, a publicação apresenta imagens dos documentos da época e prefácio do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os textos dos ofícios de cunho jurídico, escritos entre 1526 e 1541, foram todos transcritos em castelhano antigo e também têm versão traduzida para o português. Os documentos foram encontrados pelo historiador no Arquivo Geral das Índias, em Sevilha (Espanha), e no Arquivo Nacional de Assunção (Paraguai).
O livro conta sobre duas expedições do século XVI - de Sebastião Caboto e de Alvar Nuñez Cabeza de Vaca. A mais antiga foi a de Caboto, comandante de uma expedição vinda da Espanha, rumo à Ásia. Os documentos resgatados mostram escalas em Pernambuco, Ilha de Santa Catarina, Rio da Prata e São Vicente, em São Paulo. Os ofícios lavrados em São Vicente, os últimos registrados dessa expedição, datam de 1530, dois anos antes do começo da instauração do regime de Capitanias Hereditárias, quando foi iniciada a colonização lusitana oficial no Brasil.
"Dito isso, fica fácil concluir que os documentos de Pernambuco, da Ilha de Santa Catarina e de São Vicente, lavrados por operadores da Justiça da Coroa de Castela, na Espanha, são anteriores à colonização lusitana. Por isso, é possível falar que esses são os primórdios jurídicos no Brasil", afirma Mello. Um diário de bordo de 1511 de uma expedição portuguesa traz o registro de um furto, mas não há autos de processo.
No caso da expedição de Caboto, os documentos envolvem basicamente autos de um processo de petições relativas a uma suposta conspiração, por parte de três homens, para matá-lo - os circum-navegadores Martín Méndez e Miguel de Rodas e o fidalgo Francisco de Rojas, capitão de uma das naus que havia sido cotado para ser comandante da expedição. "Por isso, havia uma animosidade entre Caboto e Rojas desde a saída da Espanha. Méndez, Rodas e Rojas foram desterrados na Ilha de Santa Catarina em 1527", relata o autor do livro.
Os circum-navegadores morreram afogados durante o trajeto, mas Rojas conseguiu fugir para São Vicente com a ajuda de Gonçalo da Costa, morador da região muito respeitado pelos índios. Neste momento é que foi criada a primeira procuração em solo brasileiro. Rojas deu a Gonçalo da Costa uma procuração para zelar por seus interesses, quando Caboto fizesse escala em São Vicente. Os documentos envolvendo o caso abrangem petições, depoimentos de testemunhas e procurações.

Caminho entre Santa Catarina a Buenos Aires teve roubos e assassinatos

 Livro Primórdios da Justiça no Brasil

Livro Primórdios da Justiça no Brasil


AMÍLCAR D'AVILA DE MELLO /DIVULGAÇÃO/JC
O segundo conjunto de documentos foi lavrado em Santa Catarina por Cabeza de Vaca. Explorador conhecido, ele foi enviado pelos espanhóis para ser o primeiro governador da Ilha de Santa Catarina. Devido ao fracasso na colonização da região de Buenos Aires por parte de mais de 3 mil homens, o explorador recebeu a incumbência de viajar até lá e povoar o local junto com 400 pessoas que estavam sob seu comando.
"Ele decidiu deixar alguns homens em Santa Catarina e foi de barco com outros até Buenos Aires, com escolta indígena, 26 cavalos e alguns cachorros. Passaram pelo interior da serra catarinense, foram cortando os campos catarinenses e paranaenses, saíram em Foz do Iguaçu e prosseguiram viagem até Buenos Aires", destaca Mello.
Durante a expedição, ocorreram pequenos delitos e até mesmo crimes maiores, como assassinato de pessoas importantes da saga. Responsáveis pelo aparato jurídico da expedição registraram tudo. Há uma diversidade nos documentos maior ainda do que na história de Caboto, com intimações para que o homicida comparecesse, registros de furtos, apropriação indébita e a segunda procuração outorgada de um europeu para outro, em 1541.
"Temos, inclusive, casos curiosos, como o de um preso que recebia visitas secretas na prisão de uma mulher vestida de homem. Com esses documentos, conseguimos reconstituir melhor o estilo de vida dessas pessoas. A beleza do documento jurídico é que são informações estruturadas, de um escrivão público", comenta o autor do livro.
Para Mello, é surpreendente que tanto material tenha permanecido intacto, levando em conta a antiguidade e a maneira como os documentos foram levados aos arquivos - de barco para Sevilha, e a cavalo, de canoa e a pé, de Santa Catarina até Buenos Aires e, depois, a Assunção. Mesmo após chegar aos seus destinos, os papéis sobreviveram à Guerra Espanhola, a um grande incêndio no Arquivo Geral das Índias, em Sevilha, e à Guerra do Paraguai, em Assunção. "A história dos documentos em si já mereceria um livro só", observa.
A publicação é um recorte de uma obra maior do historiador, "Expedições e crônicas das origens - Santa Catarina na era dos descobrimentos geográficos", de 2005. Com 1,5 mil páginas, o livro relata as primeiras expedições na região. A elaboração do volume com o novo viés demorou aproximadamente seis anos.