O delineamento provável do governo Michel Temer (PMDB) adia, cada vez mais, a expectativa de uma real política de mudança, frente à persistência, determinada, do nosso regime político tradicional. Desapareceu a ideia de redução dos postos ministeriais, como pedia a funcionalidade de uma nova administração, diante do reforço do acesso às clientelas políticas. Desaparece, ao mesmo tempo, no anunciado programa de governo, toda viabilidade de incremento de impostos, implicados pela manutenção das atuais redistribuições de renda, no regime conformado com a continuação do Bolsa Família.
Mas a marca mais incisiva de regressão é o anúncio de uma política de privatizações, a vulnerar todos os pressupostos do avanço do desenvolvimento e da indispensável presença do Estado no seu advento. Há, ainda, a cautela da adesão do PSDB ao programa, enunciando as suas premissas de ação econômica e política e ameaçando de desembarque imediato do regime à falta do seu atendimento. Os anúncios de uma nova política externa, por outro lado, devem associar à ação diplomática o comando do balanço das exportações e importações, subordinando-as ao avanço do nosso mercado interno. O que logo se depara é o quanto o governo Temer, de forma alguma, se vê como um ministério de transição. Só se ampliam a força dos nomes convidados e os compromissos de desempenho, a longo prazo, que os seus responsáveis evidenciam, a partir do futuro ministro da Fazenda Henrique Meirelles.
A tônica é de uma absoluta hegemonia de comando da pasta, em todo contrário de um governo de mero ajuntamento de forças para uma estabilidade transitória do que ora comece. Revoga-se toda a expectativa de transição, ao declarar o futuro presidente que vai à obra agora, e sem volta, eliminando toda pretensão de se tornar elegível em 2018.
Temer desfruta de um inédito apoio midiático, acompanhado pelo concurso financeiro de todos os setores produtivos, o que é, exatamente, a marca de uma normalização, quase consensual, do establishment mais enraizado. A reforçar essa normalização, está a tentativa de execração dos governos Lula e Dilma, como se fosse unilateral a pecha de corrupção nos regimes políticos brasileiros.
Membro da Academia Brasileira de Letras