O lucro do trabalho artesanal e as oportunidades de empreendedorismo no universo hippie

Os hippies que conseguem ter salários invejáveis


O lucro do trabalho artesanal e as oportunidades de empreendedorismo no universo hippie

Qualidade de vida e um sustento até generoso são componentes da fórmula de vida encontrada por alguns hippies que levam o empreendedorismo a sério. Com a venda nas ruas, artesãos sustentam suas necessidades, viagens e conseguem até comprar suas próprias casas, como é o caso de Joel Melo, 55 anos, que hoje não faz mais trabalhos manuais, mas há 20 anos é proprietário de uma loja que fornece materiais para outros colegas da ex-profissão.
Qualidade de vida e um sustento até generoso são componentes da fórmula de vida encontrada por alguns hippies que levam o empreendedorismo a sério. Com a venda nas ruas, artesãos sustentam suas necessidades, viagens e conseguem até comprar suas próprias casas, como é o caso de Joel Melo, 55 anos, que hoje não faz mais trabalhos manuais, mas há 20 anos é proprietário de uma loja que fornece materiais para outros colegas da ex-profissão.
Ele começou cedo, fazia trabalhos manuais em pedrarias desde os 10 anos, um gosto que levou para sua adolescência e juventude. Se orgulha em contar que na vida hippie, já adulto, viajou vários locais do Brasil e conseguiu comprar sua casa, em Tramandaí, apenas com a venda dos objetos. Mas aos 25 anos, alertou-se para uma oportunidade que seria ainda mais rentável, passar de artesão a fornecedor. “Em Porto Alegre não tinha onde comprar os materiais, eu precisava viajar a São Paulo. Então, vi que se eu trouxesse para vender, lucraria mais, porque todos precisavam”.
E sua aposta foi certeira, pois pouco tempo comercializando em um pequeno carrinho na Praça da Alfândega lhe levaram à futura loja, que hoje é ponto de referência dos profissionais da área, o Atacado Só Arte, localizado na loja 12 da Galeria do Comércio, Av. Voluntários da Pátria, 608.
Conforme o proprietário, clientes de outros estados e até países costumam procurar o atacado, como catarinenses, uruguaios e argentinos. Porém, seus maiores públicos são os hippies, indígenas e lojistas das cidades do interior. Ele conta, que alguns, inclusive, preferem comprar à distância. “Os que já conhecem a loja, me pedem pelo Whasapp o produto que querem, eu mando a foto, eles confirmam e eu envio por correio”, explica que estas vendas representam cerca de 25% do faturamento total.
Apesar de não comentar sobre a renda, e não exercer um controle sobre o número de peças vendidas, Melo conta que o verão é o ponto forte de seu negócio, tanto que precisa contratar cinco funcionários a mais, apenas para o período. Como sua loja funciona como atacado, só é possível comprar a partir de seis peças, e no geral, os clientes levam doze de cada, porém no verão, ele revela que chegam até mil unidades em uma compra. Ele conta, que chega a encomendar até 200 mil pulseiras de apenas um tipo ao fornecedor, para preparar seu estoque para a estação.
O ex-hippie, que integra este mercado há 45 anos, acredita que após um tempo em queda, está voltando a valorização do trabalho manual. De acordo com ele, quando os materiais chineses começaram a serem revendidos no Brasil, desestimulou os artesãos, por que valia mais a pena comprar pronto devido ao baixo custo. “Mas de uns dois anos para cá aumentou, e continua aumentando o número de pessoas que procura as peças para fazer”, mas explica que ainda é maior o número de clientes que leva as peças já finalizadas. Conforme ele, a burocracia para expor e vender o trabalho, também é um fator que dificultou e desestimulou os artesãos.

Os hippies que fazem R$ 8 mil na alta temporada

Os namorados Felipe Baierle, 28, e Mônica Menguer, 26, se autodenominam "hippies seminômades", e ganham a vida vendendo o próprio artesanato há quatro anos. Como Melo (ao lado), o verão também significa números graúdos, pois é na estação que a dupla junta dinheiro para o inverno e para as viagens.
"Neste ano, na praia, na primeira quinzena de janeiro, eu tirei R$ 500,00 por dia", conta Mônica. Ela revela que foi ao Uruguai e voltou com R$ 8 mil, resultado da venda de colares, brincos, pulseiras e outras peças, que custam entre R$ 5,00 e R$ 80,00.
Baierle diz que, no Brasil, a sua maior renda foi de R$ 3 mil em um mês. Em abril, na cidade de São Leopoldo, faturou
R$ 1.863,00, trabalhando cinco horas por dia quatro dias por semana. Mas alerta: "essa é uma média para São Leopoldo, tem lugar que se ganha mais ou menos. Aqui no Sul, no inverno, o pessoal usa manga comprida, roupas escuras, que não combinam com artesanato. O calor tem tudo a ver, e na praia o pessoal está mais disposto a gastar".
Para ele, um dos diferenciais do seu trabalho é a organização. "Eu faço fluxo de caixa, aceito cartão de débito e crédito, invisto muito em limpeza, tento apresentar bem o meu produto e trabalho com as redes sociais para divulgar meus projetos."
Por não se enquadrar 100% no padrão hippie, Baierle comenta que já sofreu represálias de outros colegas. "Apesar de ter cabelo comprido, não tenho dread. Muitos trabalham bêbados ou drogados, nós não. E, pelo fato de aceitarmos cartão, alguns dizem que nós favorecemos o sistema capitalista. Uma vez, um casal quis ser violento, mas resolvemos com conversa", conta.
Mônica crê que há preconceito com os hippies por parte da sociedade. As pessoas, segundo ela, não conseguem perceber o fluxo econômico que este mercado pode gerar. "Movimenta bastante. Quem vê a gente na rua não percebe que temos poder de compra também. Acham que não temos dinheiro para comer. Mas tem quem se organize muito bem. Às vezes, temos tanto poder de compra quanto pessoas comuns, e, possivelmente, uma qualidade de vida melhor."

A história deles começou na universidade

O casal Mônica e Baierle se conheceu em fevereiro de 2013, quando ele recém havia se formado em Jornalismo e ela estava decidindo entre terminar a graduação em Serviço Social ou buscar novos horizontes. Ambos se apoiaram um no outro com o desejo de conhecer novos lugares do Brasil. Em junho do mesmo ano, já estavam na estrada, pedindo carona, dormindo em barracas em postos de gasolina e conhecendo mais de nove estados em uma viagem programada para 15 dias que durou quatro meses.
Na época, o que sustentava os dias planejados para a aventura eram os livros de contos literários, produzidos por Baierle, e alguns artesanatos de Mônica. "Para ficar mais, aprendi a fazer artesanato e acabei descobrindo uma forma inteiramente nova de viver", explica ele.
Ela produzia chaveiros em feltro e camisetas estampadas. A partir disso, adquiriu conhecimento de técnicas de Macramê, de tecelagem manual e o Motimassu, a escrita em grão de arroz.

Dóris, o casal e a estrada

Logo após o mochilão, Mônica e Baierle resolveram investir R$ 12 mil e adquirir Dóris, a Kombi. Com cerca de
R$ 3 mil, ela foi transformada (com o auxílio de tutoriais na internet) em uma casa itinerante quase um motorhome , com direito a cozinha, espaço para guardar alimentos e objetos, frigobar, cama e até um espaço improvisado para tomar banho.
"Na primeira viagem, surgiu a ideia de comprar o veículo. Viajar de carona foi uma experiência incrível, mas, num momento, nos faltou o conforto", confessa Mônica. Ambos, então, juntaram o dinheiro que tinham guardado com o artesanato, foram à praia, trabalharam mais 11 meses e adotaram Dóris. Ao logo desses quatro anos, os seminômades já rodaram cerca de 40 mil quilômetros, sendo 20 mil sobre o veículo de 1998. Geralmente, são programadas de uma a três viagens por ano. Se a cidade é interessante, Baierle explica, eles ficam até um mês sem se locomover. No final de cada viagem, retornam para São Leopoldo, onde possuem parentes e amigos. Ali, alugam um apartamento, desenvolvem projetos, juntam dinheiro e se programam para as próximas jornadas.
Na última visita ao Uruguai, o faturamento serviu basicamente para sustentar os custos, que foram de cerca de R$ 2,5 mil. A aquisição da Dóris também representou diminuição de gastos e otimização de logística. "Conseguimos levar três vezes mais material. Antes, carregávamos na mochila, e era muito pesado. Também não gastamos com comida na rua, que é o mais caro. A Kombi tem estrutura, tem o fogareiro. E não pagamos hospedagem. O maior gasto hoje é a gasolina", expõe Baierle. Apesar da ausência de algumas comodidades, Mônica orgulha-se da vida que leva. "São escolhas. Se a gente está tomando banho na parte de trás da Kombi, foi porque escolhemos dormir num lugar lindo. E isso compensa."

Box Superior

Na cidade de Lajeado/RS, existe um movimento intenso na compra de pedras polidas. Luiz Santos, proprietário e polidor há 25 anos, diz que artesãos hippies e indígenas de todo o Brasil, e inclusive, de outros países do Mercosul o procuram pela mercadoria.