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Entrevista especial

- Publicada em 24 de Maio de 2016 às 11:29

Sartori pode usar estatal para reduzir a dívida com a União

Governador não acredita que renegociação com o governo federal será mais fácil com Michel Temer

Governador não acredita que renegociação com o governo federal será mais fácil com Michel Temer


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Guilherme Kolling, Luiz Guimarães e João Egydio Gamboa
Guilherme Kolling, Luiz Guimarães e João Egydio Gamboa
O governador José Ivo Sartori (PMDB) não acredita que a renegociação da dívida do Estado com a União será mais fácil com a posse do presidente interino Michel Temer (PMDB), já que o governo federal também precisa passar por um ajuste fiscal. Mas espera uma saída que dê fôlego aos estados.
Uma alternativa levantada pelo governador para abater parte do débito é repassar alguma estatal para a União. Sartori não entra em detalhes sobre a medida e prefere não exemplificar quais os possíveis ativos que poderiam ser incluídos na repactuação da dívida. Apenas descarta o Banrisul.
Independentemente disso, o Executivo está fazendo um levantamento da situação de todas as empresas, autarquias e fundações. Se o momento é ruim para privatizações, como admite o próprio Sartori, extinções de estruturas ainda devem ocorrer. Além de parcerias público-privadas (PPPs). A primeira grande concessão será nas rodovias, que serão repassadas à iniciativa privada por até 30 anos.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Sartori ainda fala da preocupação do Estado com a preservação do polo metalmecânico da Serra, do polo naval em Rio Grande, e da atração de novos empreendimentos.
Jornal do Comércio - A mudança no governo federal, com o presidente interino Michel Temer, tendo o gaúcho Eliseu Padilha (PMDB) na Casa Civil, facilita a renegociação da dívida do Estado com a União?
Sartori - Olha, acredito que vai ter as mesmas condições, porque todo mundo vai correr atrás do ajuste fiscal. E a União também precisa se garantir com os seus recursos. Nós, os estados, vamos continuar lutando. Até porque o Supremo Tribunal Federal (STF) dá essa disposição de que haja negociação e que a decisão passe pelas partes, União e estados. Eu já afirmei e vou continuar afirmando: a União não vai se recuperar economicamente com os estados em dificuldades financeiras. Espero que a gente tenha uma evolução para o sistema federativo mais adequado à realidade nacional, e os estados tenham condições de fazer investimento. Por isso, a renegociação da dívida não é apenas uma questão federativa econômica. Ela é social, na medida em que o Estado precisa ter condições de atender às necessidades da sociedade, especialmente em áreas como saúde, educação e segurança.
JC - A proposta anterior, de 40% de carência nas parcelas da dívida por dois anos, ainda é considerada boa ou só será analisada se o Estado perder a disputa no STF?
Sartori - Uma coisa independe da outra. Está no Congresso Nacional uma proposta do governo federal, essa dos 40% (de carência), é uma boa oportunidade. Ela vale por dois anos e, no dobro desse período, o Estado não pode fazer financiamento nenhum.
JC - As contrapartidas são pesadas.
Sartori - Exato. O Rio Grande do Sul está um pouco mais tranquilo porque fez o dever de casa. Muitas coisas exigidas nós já fizemos - previdência complementar, Lei de Responsabilidade Fiscal Estadual, orçamento realista, Lei de Diretrizes Orçamentárias com políticas que não venham a expressar mudanças de comportamento entre receita e despesa, inclusive em relação ao serviço público. Então, são coisas que já executamos, aprovadas na Assembleia Legislativa, que estão sendo exigidas para outros estados.
JC - Mas a tese do juro simples para a dívida não deve prevalecer no STF.
Sartori - Às vezes, essa questão (da dívida do Estado com a União) é tratada como se fosse apenas juros simples ou compostos. Na verdade, buscamos a reparação, porque a dívida do Estado era de R$ 9 bilhões, a gente já pagou R$ 25 bilhões e ainda deve R$ 52 bilhões. Então, quando os estados pactuaram, lá atrás em 1997, 1998, foi no sentido de que o juro daquela época valia, depois a situação se modificou. Por isso, está no Congresso a mudança do indexador, passando do IGP-DI mais 6% para o IPCA mais 4%, o que é positivo.
JC - Ainda mais se for retroativo.
Sartori - Dificilmente isso ocorrerá... E procurei uma proposta - era praticamente todas as semanas correndo atrás disso, falei com a presidente (agora afastada Dilma Rousseff, PT), com ministros -, se tivéssemos uma carência de três anos sem pagar as parcelas, em que o dinheiro fosse para o resíduo ou o estoque da dívida, ajudaria bastante. A primeira proposta que nós levamos foi esta...
JC - Sim...
Sartori - E claro, a gente pode também incluir nesse processo ativos que o Estado possuiu, seja imóveis, organizações, estruturas, que poderiam constar no processo para refluir o montante da dívida.
JC - Que ativos, governador?
Sartori - Imóveis ou uma organização.
JC - O senhor quer dizer que pode incluir alguma estatal na renegociação?
Sartori - Estamos fazendo uma avaliação muito profunda de todas as estatais, todas empresas, autarquias do Estado, organizações, com muita seriedade.
JC - Pode ser negociada alguma estatal em que há sociedade com o governo federal, como a Sulgás?
Sartori - Pode, pode... Mas eu não quero dizer "olha, é isso", porque gera uma confusão extraordinária...
JC - O Banrisul, então, nem se fala?
Sartori - Não. A gente até já aprovou na Assembleia Legislativa - o que dá a dimensão da garantia política que tem - que a aquisição da folha (salarial do funcionalismo do Estado) seja feita pelo Banrisul. Isso dá bem a demonstração, tanto que fiz uma escolha técnica e profissional, não coloquei ninguém na direção do Banrisul que não fosse do próprio quadro do banco. Nós queremos é fortalecer o banco.
JC - Mas pode entrar alguma estatal gaúcha na renegociação da dívida com a União?
Sartori - Pode, pode...
JC - O ex-governador Antonio Britto disse, em entrevista ao Jornal do Comércio, que o momento é ruim para privatizações. O senhor concorda?
Sartori - Acredito nisso também. Tanto que não nos movimentamos nesse período (no governo), porque não existe dinheiro no mercado. Se quisesse vender algum ativo, hoje não seria a ocasião, porque teria um valor muito diminuído, não chegaria potencialmente às condições de oportunidade de fazer um grande negócio. E também não teria o valor que a gente pensa que uma determinada organização tem. Então, isso está descartado. Apenas conseguimos aprovar na Assembleia Legislativa a mudança constitucional (que permite a venda ou extinção) da Cesa (Companhia Estadual de Silos e Armazéns), até porque a gente entende que o Estado não tem mais o papel de armazenar alimentos. Vamos continuar o processo de ajuste fiscal do Estado.
JC - O secretário do Planejamento, Cristiano Tatsch (PMDB), concordou que o momento é ruim para privatizações, mas não para extinção de estatais.
Sartori - Claro, claro...
JC - Ainda existe essa possibilidade de extinguir estatais ou já passou a hora?
Sartori - Não, nós precisamos disso. Vai ter (extinção de estatais).
JC - A Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR) caminha para a extinção?
Sartori - Não. A EGR foi modificada para ampliar a sua atividade. Com o processo aprovado na Assembleia Legislativa, vai poder receber concessões do próprio Estado. O Estado vai ter um braço executor. E melhorar suas condições administrativas, ter um espaço, a EGR administra hoje perto de 900 quilômetros de rodovias. Então, vai ter um papel novo, constitucionalmente e juridicamente correto, com fiscalização.
JC - E a concessão de rodovias no Estado por 30 anos?
Sartori - Olha, o governo federal fez concessões de rodovias de até 30 anos. E seguimos mais ou menos a mesma orientação, rigorosamente dentro do mesmo arcabouço que é constituída essa questão federal. Quero deixar bem claro aqui, vai levar um bom tempo para começar. Também porque queremos adequar a legislação das concessões ao que é federal e aos que os outros estados têm - São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Paraná, deve ter mais alguns. Queremos adequar, até para que tenha credibilidade esse processo, para trazer investidores locais, nacionais e, se possível, até os internacionais. Não tenho preconceito político ou ideológico de fazer parcerias público-privadas. E algumas que já estão sendo executadas no Rio Grande do Sul, é uma oportunidade muito rica, e vamos avançar não apenas nas rodovias. Esse é o primeiro passo. Mais adiante vamos para outros tipos de concessões.
JC - Em que setores?
Sartori - Por exemplo, hidrovias, que pode ser um grande caminho de desenvolvimento na área de transporte, e inclusive para retirar caminhões das estradas. Tem um fundo para as hidrovias que está sendo discutido por muitas entidades, é um primeiro sinal, e fui claro com todos os protagonistas que são duas coisas: isso (o fundo) não pode ser uma maneira de descartar a possibilidade de concessões nessa área, já temos estudos avançados. E temos uma primeira experiência de parceria público privada que vai avançar agora: em agosto, setembro no máximo, começaremos a operar o porto de Pelotas para o transporte de toras (de eucalipto) pela Celulose Riograndense, que vai trazer até Guaíba pelo porto de Pelotas, o que significa tirar muito caminhão da estrada. É uma primeira experiência.
JC - Tem essa iniciativa das hidrovias, as estradas, o Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, e o presídio de Canoas. Mais algum setor que pode ter PPP?
Sartori - Aqueles que o Estado não precisar aportar recursos.
JC - Mas então falta um P nessa PPP. Seria uma parceria privada...
Sartori - Falta o público. Uma PPP supõe que o Estado aporte recursos, a parte dele. Como a condição financeira de precariedade do Estado não lhe permite ter esse recurso, é difícil, a não ser que seja concedido. Olha: eu ando bastante pelo Rio Grande do Sul, e tenho visto que, mesmo com todas as dificuldades, os municípios, por menor que sejam e mesmo com as adversidades, estão mantendo seus eventos, festas, feiras, exposições. E tenho dito a eles: "Tem dificuldade? Mas mantenham isso, porque amanhã a economia vai voltar a funcionar e vocês já tiveram a experiência da dificuldade". É a mesma coisa com a planta do ICMS, todo mundo se sentiu penalizado com a mudança...
JC - A queda na arrecadação surpreendeu, mesmo com o aumento do ICMS?
Sartori - Surpreende e não surpreende. A gente sabia que a realidade econômica era essa e, portanto, iria decair (a arrecadação). Agora, imagine se não tivesse mudado a planta do ICMS, como estaríamos. Segundo lugar, pergunte aos municípios para ver, se ele não tivesse aquele repasse, o aumento do ICMS, que ele recebe lá, qual seria a situação? A situação seria muito mais dramática para os municípios. E é lá que o povo vai buscar saúde, educação. Tenho conversado muito com os prefeitos e, diante de toda a dificuldade de retração da economia, diminuição da arrecadação, está sendo preservado aquilo que é importante na vida econômica do Rio Grande do Sul.
JC - O pagamento da folha do funcionalismo, seguirá atrasando?
Sartori - E agora já em maio tem que pagar o aumento da segurança que foi dado anteriormente (no governo Tarso Genro, PT), junho tem que pagar o 13º (salário, de 2015), tudo isso ajuda a criar um mais dificuldades. Mas, pelo menos, estamos com uma folguinha, a não ser que haja mudança, a gente tem um pouco de tranquilidade com a parcela da dívida com a União (o Estado não terá as contas bloqueadas se não pagar). Mas representa apenas um quinto da folha de pagamento, é bom esclarecer.
JC - Essa folguinha, o prazo dado pelo STF, é de apenas dois meses. E depois?
Sartori - Depois é depois... Estamos no sexto parcelamento da folha. Queria esclarecer que é generalizado, porque as vezes passa a ideia de que o governador, o vice-governador e os secretários não tem o salário parcelado. Não, é todo mundo, não tem essa de diferente para um, diferente para outro, todos estamos no mesmo barco. Eu não gostaria que acontecesse isso (parcelamento de salários), mas fizemos transparentemente, colocamos a verdade desde o começo do governo, mostramos a realidade, sem ofender ninguém!

Nova fábrica de celulose no Rio Grande do Sul deve ser anunciada ainda neste ano

Governador não acredita que renegociação com o governo federal será mais fácil com Michel Temer

Governador não acredita que renegociação com o governo federal será mais fácil com Michel Temer


MARCELO G. RIBEIRO/JC
O Rio Grande do Sul sonhou, na década passada, com a instalação de três fábricas de celulose no Estado. O plantio de eucalipto para abastecer essas indústrias foi feito, mas apenas um desses investimentos saiu do papel, a planta 2 da Celulose Riograndense, em Guaíba, do grupo CMPC, do Chile. Um dos entraves foi a restrição à posse de terras por empresas estrangeiras, que inviabilizou o projeto da sueco-finlandesa Stora Enso. O governador José Ivo Sartori já iniciou as negociações com o governo federal e acredita em uma mudança na portaria da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o tema ainda neste ano. Com isso, Sartori espera atrair investimentos de R$ 12 bilhões na cadeia florestal em 2016 o principal seria uma nova fábrica de celulose da CMPC no Estado, já que os chilenos demonstraram interesse.
Jornal do Comércio - Estão previstos novos investimentos privados no Estado?
José Ivo Sartori - Fui ao Ministério do Desenvolvimento Econômico falar com o (então ministro) Armando Monteiro, para solicitar uma mudança no parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), que impede investimentos por empresas que tenham algum tipo de capital internacional. Acho isso um absurdo, porque (mudando isso) imediatamente poderíamos ter uma nova planta idêntica à da Celulose Riograndense em Guaíba, para justamente atender àquilo que já foi plantado (de eucalipto no Estado).
JC - A CMPC já manifestou interesse em uma nova planta no Rio Grande do Sul. Dá para destravar esse investimento?
Sartori - Já tem negociação com o (novo) governo. Fui bem acolhido, há a possibilidade de que, em um futuro não muito distante...
JC - Ainda na sua gestão pode sair?
Sartori - Acredito que neste ano mesmo. Eu vou fazer a minha parte.
JC - Destravada essa questão burocrática das terras de estrangeiros na AGU, o senhor já tem conversas adiantadas com a CMPC para atrair essa nova planta ao Rio Grande do Sul?
Sartori - Sim, sim. É a manifestação deles, o próprio presidente (da CMPC), quando teve um encontro, já manifestou isso. E o pessoal aqui no Rio Grande do Sul está preparado para isso, até porque é uma necessidade deles também descentralizar sua atividade.
JC - Então esse é um investimento privado que deve ser anunciado neste ano?
Sartori - Ah, seguramente... E, com outras organizações, pelo cálculo que nós temos, chegaríamos a um investimento da ordem de R$ 12 bilhões, com outros pequenos projetos. O conjunto de empreendimentos na área de fronteira somaria R$ 12 bilhões se modificar o parecer da Advocacia-Geral da União.
JC - Isso incluindo projetos de toda a cadeia florestal.
Sartori - É. Só da Celulose Riograndense é próximo a R$ 10 bilhões.
JC - Mas na planta de Guaíba foram investidos R$ 5 bilhões.
Sartori - É, mas é muito grande...
JC - Tem outra empresa da área de celulose com interesse?
Sartori - Que eu saiba, não.
JC - No passado já teve, a Stora Enso...
Sartori - Aquela foi eliminada do processo. Que eu saiba, não existe...
JC - O senhor falou que a vida econômica do Estado está preservada...
Sartori - A vida econômica do Rio Grande do Sul está preservada, agora, têm dois lugares que são exemplares e que a gente precisa ter uma atitude diferente. Um símbolo é a região da Serra Gaúcha, é o segundo polo metalmecânico do País e com uma indústria diversificada de alta grandeza. Então, (a queda na produção local com a crise) cria um ambiente de grande desconforto. É bem verdade que o perfil da indústria, em função da realidade econômica, internacional e não apenas nacional, vai mudar também.
JC - Está na agenda do Estado trabalhar para minimizar perdas nesse polo metalmecânico na Serra?
Sartori - Claro. Tem que estar lá para animar, para encontrar maneiras de encarar esse processo de forma diferenciada. Assim como a Zona Sul, especialmente Rio Grande.
JC - Também está na agenda do Estado manter o polo naval de Rio Grande?
Sartori - O polo naval está em queda. Vamos dialogar muito, preparar um terreno fértil para uma recuperação daquilo que foi perdido. Então, são dois símbolos da economia do Rio Grande do Sul. Por isso, foi negociado com o governo federal para que as concessões rodoviárias federais tivessem um mínimo de proximidade com a malha rodoviária que o Rio Grande do Sul vai conceder; para que as nossas concessões e as federais que ligam Santa Catarina ao Rio Grande do Sul tenham uma caminhada rumo ao porto do Rio Grande, que será valorizado e fortalecido. E aí entra a Serra também, algumas rodovias nossas e federais, que podem ajudar bastante a qualificar. É uma questão estratégica para o Rio Grande do Sul, tem que trabalhar para não perder esses dois símbolos da nossa economia. E ter uma visão política e de planejamento que possa diminuir as diferenças entre as regiões. Graças a Deus que a soja está avançando na Zona Sul e na Fronteira-Oeste, uma nova dimensão com o agronegócio, que sustenta 40% do nosso PIB.