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Cinema

- Publicada em 19 de Maio de 2016 às 22:28

Passado oculto

O diretor Atom Egoyan, nascido no Egito em uma família de armênios, é atualmente um dos nomes mais conhecidos e admirados do cinema canadense. Seu novo filme, este Memórias secretas, é um relato contundente, vigoroso e original. Tratando do tema do Holocausto, que já foi inúmeras vezes abordado pelo cinema, ele aprofunda e inova ao escapar da simples denúncia, chegando mesmo a surpreender o espectador pela maneira como estrutura a narrativa, sempre tensa e nova a cada cena, até chegar a um epílogo contundente, que, de certa maneira, se aproxima da conclusão de Alain Resnais e Jean Caryol em Noite e nevoeiro, na forma como amplia a culpa e desfaz o maniqueísmo. Trabalhando sobre um roteiro de Benjamin August, Egoyan se afasta de toda a simplificação e ergue uma alegoria vigorosa sobre o esquecimento e o processo destinado a esconder as consequências da transformação da agressividade em atividade legal. O filme, em sua essência, é uma impiedosa constatação, ao flagrar a ação de forças irracionais contidas pela civilização e à espera da ordem que lhes permitam agir. E tudo isso é colocado em cena de maneira a não perturbar a ação cotidiana de personagens que vivem uma realidade aparentemente distante do horror.
O diretor Atom Egoyan, nascido no Egito em uma família de armênios, é atualmente um dos nomes mais conhecidos e admirados do cinema canadense. Seu novo filme, este Memórias secretas, é um relato contundente, vigoroso e original. Tratando do tema do Holocausto, que já foi inúmeras vezes abordado pelo cinema, ele aprofunda e inova ao escapar da simples denúncia, chegando mesmo a surpreender o espectador pela maneira como estrutura a narrativa, sempre tensa e nova a cada cena, até chegar a um epílogo contundente, que, de certa maneira, se aproxima da conclusão de Alain Resnais e Jean Caryol em Noite e nevoeiro, na forma como amplia a culpa e desfaz o maniqueísmo. Trabalhando sobre um roteiro de Benjamin August, Egoyan se afasta de toda a simplificação e ergue uma alegoria vigorosa sobre o esquecimento e o processo destinado a esconder as consequências da transformação da agressividade em atividade legal. O filme, em sua essência, é uma impiedosa constatação, ao flagrar a ação de forças irracionais contidas pela civilização e à espera da ordem que lhes permitam agir. E tudo isso é colocado em cena de maneira a não perturbar a ação cotidiana de personagens que vivem uma realidade aparentemente distante do horror.
Contando com a presença de um intérprete admirável, Christopher Plummer aos 88 anos, o diretor coloca na tela um personagem com a memória apagada, que bem pode ser o símbolo de um mundo que se recusa a olhar o passado. Ao mesmo tempo é uma figura simpática, algo que o filme realça ao focalizar sua relação com as crianças. Primeiro no trem, depois no hospital e, finalmente, na casa do homem procurado. Mais do que isso: estamos diante de um melômano, assim como o protagonista de As benevolentes, o grande romance de Jonathan Littell. Este, por sinal, é um recurso utilizado pelo cineasta e seu roteirista. Egoyan, que foi um dos realizadores da série de documentários protagonizados por Yo-Yo Ma e dedicados às suítes para violoncelo de Bach, tendo realizado o filme sobre a quarta daquele ciclo, utiliza a música para sintetizar a história de um sobrevivente de Auschwitz e definir sua personalidade. É perfeitamente compreensível que o personagem toque ao piano um trecho de um concerto de Mendelssohn. E quando, na sequência final, ele exalta a música de Wagner, tal fato é uma surpresa, sendo também a forma para a narrativa se aproximar da verdade que só será revelada no desfecho extremamente dramático da penúltima sequência do filme.
O novo trabalho de Egoyan também pode ser visto como uma variação em torno do filme de estrada. A viagem feita pelo octogenário é habilmente filmada, mas o ajuste de contas e a procura de um assassino disfarçado não é o que o espectador pensa estar vendo. O mundo revelado é limpo e muito bem-estruturado. As famílias estão vivendo em cenários que revelam estabilidade e conforto. Porém, a sequência do policial que venera a figura do pai falecido externa com vigor o lado oculto. O animal que, a todo o momento, perturba o diálogo, é a configuração em cena da agressividade contida. Ironicamente, o filho é um agente da lei. E, ao iniciar a narrativa numa clínica de idosos, o filme, logo a seguir, utilizará o contraste através das crianças, que ainda pouco sabem do mundo e, por isso, podem ser fascinadas, transformando-se assim em alegorias sobre uma sociedade infantilizada e, portanto, presa fácil. É difícil escrever sobre Memórias secretas, pois não seria justo privar o espectador das surpresas que o aguardam. Mas tais surpresas não são simples truques. Elas exercem a função de lembrar que o oculto é uma ameaça constante. O perigo é algo presente, mesmo que não visível. Pode-se, no entanto, constatar e realçar que o filme de Egoyan é mais um a alertar sobre ameaças que certamente não serão contidas apenas pelo exercício de rituais cultuados pela civilização. A senilidade que se apossa do protagonista é um verdadeiro resumo do esquecimento procurado e o revólver que ele carrega, a expressão de uma cólera nem sempre contida. E sempre presente, como uma marca definitiva na pele.
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