Uma mesa composta quase exclusivamente por mulheres foi palco de debate ontem na Assembleia Legislativa sobre assédio e machismo em instituições de ensino no Rio Grande do Sul. Entidades da sociedade civil e órgãos públicos avaliaram ser importante constituir espaços de ouvidoria em escolas e universidades, a fim de incentivar que as denúncias se concretizem.
"Recebemos muitas denúncias na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Fiquei chocada quando soube que professores homens estavam cometendo assédio sexual contra alunas. Há suspeitas de que, na rede estadual, haja docentes realizando concurso público com o intuito de assediar as estudantes", ressalta a deputada estadual Stela Farias (PT). A informação veio da assessora jurídica Camila Paim, da Secretaria Estadual de Educação (Seduc). "Temos percebido que há muitas exonerações de professores devido a assédio acontecendo ainda no estágio probatório. Por situações assim ocorrerem tão rápido, dá a impressão de que já participam do certame pensando em ter essa atitude", observa Camila.
A pasta procura prevenir os assédios através das 1,3 mil Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar (Cipaves) já existentes em escolas estaduais. Está previsto para este ano um curso de formação para pedagogas de todas as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs) sobre combate à violência contra a mulher. As profissionais servirão como multiplicadoras nas regiões do Estado onde atuam. "Esse instrumento é muito mais adequado do que uma ouvidoria na própria Seduc, pois abrange as instituições do Interior", justifica a assessora jurídica.
Na opinião da promotora Ivana Battaglin, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), o problema não é haver pessoas que disseminam o discurso machista, e sim que esse discurso seja naturalizado. "O mais grave é quando as alunas não se percebem vítimas de assédio. O número de denúncias seria muito maior se as meninas parassem de achar que o que aconteceu é apenas uma gracinha ou uma cantada. A incapacidade das jovens de perceber o assédio deve ser discutida desde cedo", aponta.
'Infelizmente, há setores declaradamente machistas que têm se encorajado a aparecer'
Representando o Coletivo de Mulheres da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Maria Fernanda Salaberry relatou o caso ocorrido no início de abril na instituição, quando diversos prédios da universidade, especialmente no Campus do Vale, amanheceram com cartazes com dizeres machistas e ofensivos a mulheres. "Infelizmente, há setores declaradamente machistas que têm se encorajado mais a aparecer. Entretanto, eles sempre existiram - é sabido que há professores na Ufrgs que assediam e ninguém faz nada", afirma.
Segundo a coordenadora de Ações Afirmativas da Ufrgs, Luciene Simões, o combate ao machismo e à violência contra as mulheres tem sido muito pautado dentro da instituição. Hoje, a universidade conta com 4,3 mil trabalhos acadêmicos sobre feminismo e mil sobre machismo em seu banco de pesquisas. "Imediatamente após o caso dos cartazes machistas, enviamos um comunicado a todos os professores, solicitando que esse tema fosse tratado em sala de aula", garante. Na segunda-feira, a Ufrgs terá uma audiência pública em suas dependências, a respeito de igualdade entre gêneros.
Maria Fernanda critica a falta de espaço nas casas de estudante para alunas com filhos e lembra que, já em 2016, uma estudante da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) foi expulsa de sala de aula por levar seu filho.
Para o coordenador da graduação de Serviço Social da instituição, Francisco Kern, só será possível mudar essa cultura se os homens participarem do debate sobre o machismo. "O discurso machista não existe só na universidade ou na escola, e sim na cultura da sociedade como um todo. A fim de mudar esse discurso e conscientizar as pessoas, possuímos uma estrutura curricular que obriga os alunos a fazerem disciplinas eletivas, o que significa que, quando o estudante estiver realizando uma formação que não possui abordagem humanística, de qualquer forma terá contato com outras visões de mundo", destaca. Além disso, a universidade também conta com uma ouvidoria para denúncias de alunos no link https://ouvidoria.ufrgs.br/ouvidoria/externo/cadastro.do ou pelo telefone (51) 3308-4944.