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Política

- Publicada em 27 de Março de 2016 às 22:22

Para Brum Torres, a crise no País atinge os três poderes

O ciclo de governos do PT está se encerrando de forma deprimente, disse Brum Torres

O ciclo de governos do PT está se encerrando de forma deprimente, disse Brum Torres


fotos: JONATHAN HECKLER/JC
Guilherme Kolling
Principal formulador de planos de governo do PMDB gaúcho, o filósofo e professor universitário João Carlos Brum Torres discorda da maioria dos correligionários no Estado, que defendem o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Ele entende que as pedaladas fiscais não são o bastante para configurar um crime de responsabilidade e afastá-la do cargo.
Principal formulador de planos de governo do PMDB gaúcho, o filósofo e professor universitário João Carlos Brum Torres discorda da maioria dos correligionários no Estado, que defendem o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Ele entende que as pedaladas fiscais não são o bastante para configurar um crime de responsabilidade e afastá-la do cargo.
O peemedebista avalia que a questão mais grave do País é uma crise institucional que afeta, de forma distinta, os três poderes, e não vê a discussão de respostas para resolver esse quadro. "A solução que está sendo processada hoje é a seguinte: vamos tirar a Dilma, fazer o impeachment e mudar a política econômica para tirar o Brasil da crise", observa Brum Torres, que vê outros problemas graves.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o peemedebista ainda projeta que o governo até 2018, seja com Dilma, seja com Michel Temer (PMDB), será de transição. E acredita que, se o vice-presidente assumir, técnicos do PSDB serão chamados para definir políticas de desenvolvimento para o Brasil.
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do cenário nacional hoje?
João Carlos Brum Torres - Estamos em uma crise muito séria, não apenas política, mas institucional no País, pois é muito claro não só que a relação entre os poderes não é harmônica, mas também que o processo político tem dificuldade de manter a vigência dos resultados políticos das eleições. O sistema de partidos, a lei eleitoral e o modo de financiamento das candidaturas parecem ser poderosos indutores de recrutamento de pessoas inidôneas para os mais altos cargos de representação política. E isso — como a Operação Lava Jato vem mostrando — distribuidamente por quase todo o espectro partidário, o que, convenhamos, é bem mais do que uma crise política, sendo antes um desarranjo institucional profundo.
JC - O senhor acha que vai haver mudança de governo?
Brum Torres - Achei que o ciclo das administrações do PT estava se encerrando, vamos para quatro governos do PT, tem uma fadiga, reinvindicações legítimas de mudar a orientação da economia e do desenvolvimento do País. Isso era mais ou menos inexorável, mas o modo como isto está sendo feito está muito deprimente. Em parte, porque parece que esses anos todos foram perdidos, e eles não foram. O Rio Grande do Sul e o Brasil tiveram um desenvolvimento social importantíssimo, uma grande atenção às camadas menos favorecidas da sociedade brasileira, uma melhora no perfil de distribuição de renda, uma mobilidade ascendente importante. Em certas áreas, como a universitária, houve políticas muito efetivas. Então, tem um conjunto de ativos. É como se o bebê estivesse indo junto com a água suja do banho...
JC - Terra arrasada...
Brum Torres - Terra arrasada. Não é uma boa maneira de fechar esse ciclo. Por outro lado, os governos do PT acabaram por potencializar certas distorções que são históricas no Brasil, uma relação promíscua com o setor privado, especialmente com as grandes empreiteiras da área de infraestrutura e levaram isso para um ponto de descontrole completo. Estão pagando pelos escândalos que isso provocou, que envolveram muita gente importante da elite dirigente do Brasil nesses últimos anos. Então, esse desgaste é inevitável. Ao mesmo tempo, a crise política adquiriu um feitio muito ruim.
JC - Por quê?
Brum Torres - O Executivo está muito debilitado, o Legislativo não é melhor, porque o presidente da Câmara (deputado Eduardo Cunha, PMDB-RJ) é reconhecidamente uma pessoa mais devedora com relação à Justiça do que o pessoal do Executivo, ou pelo menos tanto quanto. Então, tem um desequilíbrio e isso tem feito com que o poder Judiciário tenha que ocupar uma posição não somente de arbitragem dentro desses conflitos, mas de protagonismo, de dar soluções políticas para o Brasil. Isso é uma coisa de muito risco, porque, por exemplo, nos episódios mais recentes, o juiz Sérgio Moro se autotransformou em um agente político de primeira linha e tomou uma decisão de agudizar a crise nacional fazendo ilegalidades. Ele conduziu muito bem esse processo durante um certo período, mas, nesses últimos tempos, foi mordido por essa tentação da politização da Justiça.
JC - Estava indo bem na investigação das corporações, e ao entrar na política não?
Brum Torres - Ele tinha que entrar na política, mas não podia fazer certas coisas. A condução coercitiva do ex-presidente Lula (PT) já foi um pouco além do necessário na opinião dos constitucionalistas em geral, mas estava ainda em um limite. Agora esses episódios dos vazamentos (de escutas telefônicas)... Em certa hora da manhã, tendo em vista a nomeação do Lula, ele tinha mandado suspender os grampos. Depois, aceitou grampos que foram feitos após a hora a qual ele tinha mandado suspender. E ainda autorizou a divulgação. Essa sequência são decisões políticas que ele tomou, sabedor dos impactos políticos que isso iria ter. Evidentemente, teve um componente de politização do poder Judiciário. É um problema que começa a colocar em questão um certo equilíbrio dos poderes, que é preciso ter em uma situação de crise aguda. O despacho do ministro Gilmar (Mendes, do Supremo Tribunal Federal) não tem as violações flagrantes, ao meu ver, de competência das últimas decisões do Moro, mas a rapidez com que foi feito o despacho (sobre o caso Lula) mostra que existe um ativismo judicial, no caso do Gilmar, também perto da intervenção política. Está se criando um desequilíbrio também pelo lado do Judiciário.
JC - Politização do Judiciário.
Brum Torres - Claro que se os processos do Lula vierem a comprovar todas essas suspeitas, o Supremo deve dar o encaminhamento e fazer as punições devidas, da lei. O que quero dizer é que uma operação de saneamento do setor público nessa relação que ele tem com o setor empresarial privado que se revelou um desastre, muito suja deve prosseguir, mas não acho que o Judiciário deve ser tentado a fazer disso uma alavanca de modificações políticas. Talvez isso seja já irreversível, esses últimos acontecimentos criaram uma situação, na opinião pública do Brasil e no Congresso, que torna muito difícil que não haja um desfecho que interrompe o curso normal do nosso processo institucional.
JC - A conclusão do mandato de Dilma até 2018...
Brum Torres - Parece que isso não vai acontecer. Não acho bom, porque revela certa debilidade institucional. E também não existe um crime de responsabilidade claro.
JC - Mas o processo foi aberto com as pedaladas fiscais.
Brum Torres - É uma justificativa frágil. Estava lendo uma matéria com o coordenador de um instituto de pesquisas da Inglaterra, e esse cidadão dizia que "essas coisas de antecipar dinheiro junto a outras agências do poder público é algo que acontece em qualquer lugar do mundo". Não estou dizendo que não seja uma irregularidade, mas não acho que seja uma irregularidade que constitua um crime de responsabilidade.
JC - O senhor é a favor do impeachment?
Brum Torres - Não, não apoio. As alegadas evidências apresentadas até agora não me parecem suficientes para justificar interromper um mandato obtido em eleições livres. É claro, porém, que há muitas investigações em curso e que não se pode excluir a priori que não possam vir a ser revelados fatos que configurem crime de responsabilidade. Mas, no momento, não creio que se verifiquem e por isso penso que, obedecida a Constituição, o pedido de impeachment baseado nas alegadas "pedaladas fiscais" deve ser recusado pelo Congresso. O facciosmo hoje imperante parece que atropelará politicamente esse "deve" da legitimidade, mas isso não tornará legítima tal decisão. Bem entendido, se ela for tomada com base nos elementos hoje disponíveis.
JC - No ano passado o senhor organizou e lançou o livro Manual de Ética (editora Vozes). Como avalia a discussão sobre ética no País hoje?
Brum Torres - Tem um aspecto salutar na situação que estamos vivendo. Está chamando a atenção para a necessidade que o exercício das funções públicas seja feito de uma maneira mais limpa, rigorosa, com mais isenção e distância dos interesses privados. Nesse ponto, a contribuição do juiz Moro é importante e vai ficar na história do País, porque trouxe à luz muitos fatos importantes, e mostrou como uma parte muito grande da elite brasileira está comprometida e não tem os valores necessários para um exercício adequado das responsabilidades do Estado. Agora, o que está nos faltando é um projeto de desenvolvimento institucional, do tamanho da crise que vivemos.
JC - Como?
Brum Torres - Se há uma grave crise política e institucional como essa, está na cara que o Brasil precisa ter uma reforma política e uma reforma das instituições. Não adianta tirar a presidente e mudar a política econômica. Isso é uma parte só. A solução que está concretamente sendo processada hoje é a seguinte: vamos tirar a Dilma, fazer o impeachment e mudar a política econômica para tirar o Brasil da crise. Mais ou menos isso que se diz. Agora, tem coisas que são muito graves: por que a elite política está tão viciada? Tem uma forma de financiamento das campanhas, e um controle das campanhas políticas que é muito deficiente. Agora teve um avanço, os financiamentos empresariais estão coibidos, as campanhas estão menores.
JC - A minirreforma eleitoral.
Brum Torres - Mas o papel das grandes empresas publicitárias, o processo de formação da opinião pública do País ainda continua muito dependente de dinheiro. E não se foi até o fim. Para isso seria importante ter uma reforma do regime eleitoral, algo parecido com o regime distrital misto alemão, com parte dos parlamentares vinculados a suas regiões, mais controlados de perto pelos seus constituintes. E outra parte que obrigaria os partidos a ter uma posição mais programática.
JC - Com a eleição pelas listas fechadas dos partidos.
Brum Torres - Isso era uma coisa importante de acontecer. E essa crise mostra que a gente está precisando de um presidencialismo mais flexível, em que o presidente não é uma figura decorativa, como a rainha da Inglaterra, tem responsabilidades, mas tem um chefe do Executivo, um primeiro-ministro. Seriam reformas institucionais importantes para dar mais estabilidade e flexibilidade ao sistema político brasileiro. Além de uma redução do quadro partidário, são mais de 30 partidos feitos para negociar no Congresso. Tem um pacote de reformas institucionais que precisa ser feito, até para ficar à altura da crise. É uma crise institucional profunda, porque a representação política brasileira está muito deteriorada. Então, os mecanismos de formação dos representantes tem que ser alterados.
JC - Não significa que estamos menos éticos? O problema é só institucional?
Brum Torres - Menos éticos acho que estamos. Quero dizer que as respostas que estão sendo dadas não estão à altura do problema. É preciso um programa de reforma institucional. Por exemplo, os economistas têm clareza que o sistema previdenciário deve ser reformulado, que as idades de aposentadoria no Brasil são incompatíveis com o perfil demográfico, com o financiamento do sistema. Mas com relação ao desenvolvimento institucional não existem esses consensos, e as pessoas não estão percebendo que tão ou mais grave que a crise econômica que estamos passando é uma crise institucional.
JC - O que virá depois dessa crise?
Brum Torres - Não sei como é que vai ser o desfecho, provavelmente vai ter impeachment. Não sei que forças que vão se compor. Qualquer que seja a solução, os quadros técnicos de formulação que o Brasil tem estão muito do lado do PSDB, então, direta ou indiretamente esses quadros vão ser chamados, caso venha a ter esse desenlace. E se não acontecer (o impeachment), o governo necessitaria de algum tipo de composição.
JC - Em qualquer caso, o PMDB terá papel chave.
Brum Torres - Mas não virá do PMDB uma formulação de política nacional. Pode até vir um documento que se encomende, mas o PMDB não tem uma organicidade para fazer uma proposta de desenvolvimento do Brasil, que seja estruturada e consistente. Então, esse governo vai ser um governo de transição, se vier a acontecer o impeachment.
JC - Mesmo que Dilma fique, será um governo de transição?
Brum Torres - Acho que é um governo de transição, está muito prejudicado, mas o mínimo de gestão de política, como o ministro da Fazenda está tentando fazer, não deveria ser boicotado.

Perfil

João Carlos Brum Torres, 70 anos, é natural de Porto Alegre. Passou a adolescência em Caçapava do Sul e depois voltou à Capital, onde cursou Direito e Filosofia na Ufrgs e lecionou como professor-assistente, a convite de Gerd Borheim, na Faculdade de Filosofia. Com o AI-5, foi expurgado da Ufrgs. Rumou à França, onde fez mestrado em Filosofia na Universidade Paris VIII - Vincennes. Em 1974, retornou ao Brasil. Deu aulas em colégios, foi assessor na Assembleia Legislativa e fez doutorado em Ciência Política na USP até voltar à Ufrgs, em 1979. Filiado ao MDB hoje PMDB desde a década de 1970, nunca concorreu, mas fez os planos de governo de Antonio Britto, em 1994 e 1998, e de Germano Rigotto, em 2002, sendo secretário do Planejamento nessas duas gestões peemedebistas. Também preparou o documento de referência do governo José Ivo Sartori (PMDB). Antes, trabalhou como diretor do Badesul, no governo de Pedro Simon (PMDB). Na Capital, foi secretário de Captação de Recursos em 1993 e 1994, na gestão de Tarso Genro (PT). Aposentado na Ufrgs, hoje coordena um curso de pós-graduação em Filosofia na UCS.
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