Eu presto atenção, mas ele não diz nada

Fala que nunca mais utilizará um táxi, pois os motoristas do Uber são mais educados e os carros são mais novos. Mas certamente será um taxista que levará seu filho para o hospital em caso de emergência, às pressas. Será um taxista que parará seu carro na rua, para levá-lo aonde quiser, de última hora.

Fala que o SUS é o pior serviço de saúde do mundo. Mas certamente será a emergência de um hospital da rede que salvará a vida do seu filho, levado por um taxista. Fala que sente saudade da ditadura. Mas certamente valoriza a liberdade de ir e vir a qualquer hora. E para qualquer lugar. E quando quiser.

Fala que o sistema educacional público é péssimo. Mas sequer ajuda seu filho na lição de casa. E muito menos, fala frases no plural nos diálogos durante as refeições. Fala que recebe um salário muito baixo. Mas sequer leu um livro durante o ano passado inteiro, aplicando o que aprendeu no próprio crescimento da carreira.

Fala que a TV aberta é um lixo. Que só "passa baixaria" nas novelas e é tendenciosa no jornalismo. Mas ficaria orgulhoso se desse uma entrevista para um telejornal ou fosse convidado para um café de um programa matinal.

Fala que a Dilma é culpada de tudo. Que o governo é o corrupto. Mas compra DVD pirata com o filme infantil preferido do filho. Fala que não tem tempo para nada. Que sempre anda cansado. Mas vê a novela todas as noites, não perde um capítulo. E gasta horas postando fotos e frases de autoajuda em redes sociais.

Fala que é focado, diferenciado e merece uma vida melhor. Mas sequer aprendeu ou aplicou uma nova técnica de vendas em seu negócio. Fala, mas fala muito. Muito mesmo. É um palestrante profissional da vida medíocre.

Talvez, se fosse mudo, não reclamasse tanto. E agisse mais. Muito mais.