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Cinema

- Publicada em 18 de Fevereiro de 2016 às 22:21

O inferno

Hélio Nascimento
Nos últimos anos, dois romances - As benevolentes, de Jonathan Littell, e A zona de interesse, de Martin Amis - inovaram e impressionaram pela forma como trataram o tema do Holocausto. O cinema, desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando cinegrafistas norte-americanos, britânicos e soviéticos, entre eles George Stevens, o futuro diretor de Um lugar ao sol e Shane, registraram as terríveis imagens dos campos de extermínio, sempre exerceu papel fundamental para que tais atrocidades não fossem esquecidas. O primeiro documentário que resultou de tal material foi editado por Alfred Hitchcock, que, tendo voltado por um tempo à Inglaterra, foi convidado a organizar aquelas imagens que nunca deixarão de causar impacto. O nome do grande cineasta aparece com o merecido destaque nos créditos de Memória dos campos, que pode ser visto na internet e que também tem sido exibido em mostras especiais, depois de muito tempo interditado. Alan Resnais, antes de Hiroshima, meu amor, deixou sua contribuição ao tema em Noite e nevoeiro, realizado em 1955, um documentário em média-metragem, no qual utilizou imagens daquele filme montado por Hitchcock e obteve grande repercussão pela maneira como tratou do tema da responsabilidade pelo ocorrido. Repercussão ainda maior obteria Claude Lanzmann ao realizar, em 1985, Shoah, um documentário de oito horas de duração, apenas com depoimentos e sem imagens de arquivo. Steven Spielberg, com A lista de Schindler, em 1983, mostrou que havia espaço para a emoção e o humanismo em tal tema.
Nos últimos anos, dois romances - As benevolentes, de Jonathan Littell, e A zona de interesse, de Martin Amis - inovaram e impressionaram pela forma como trataram o tema do Holocausto. O cinema, desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando cinegrafistas norte-americanos, britânicos e soviéticos, entre eles George Stevens, o futuro diretor de Um lugar ao sol e Shane, registraram as terríveis imagens dos campos de extermínio, sempre exerceu papel fundamental para que tais atrocidades não fossem esquecidas. O primeiro documentário que resultou de tal material foi editado por Alfred Hitchcock, que, tendo voltado por um tempo à Inglaterra, foi convidado a organizar aquelas imagens que nunca deixarão de causar impacto. O nome do grande cineasta aparece com o merecido destaque nos créditos de Memória dos campos, que pode ser visto na internet e que também tem sido exibido em mostras especiais, depois de muito tempo interditado. Alan Resnais, antes de Hiroshima, meu amor, deixou sua contribuição ao tema em Noite e nevoeiro, realizado em 1955, um documentário em média-metragem, no qual utilizou imagens daquele filme montado por Hitchcock e obteve grande repercussão pela maneira como tratou do tema da responsabilidade pelo ocorrido. Repercussão ainda maior obteria Claude Lanzmann ao realizar, em 1985, Shoah, um documentário de oito horas de duração, apenas com depoimentos e sem imagens de arquivo. Steven Spielberg, com A lista de Schindler, em 1983, mostrou que havia espaço para a emoção e o humanismo em tal tema.
O diretor húngaro László Nemes inova com este impressionante O filho de Saul. Assim, com o romancista Amis, Nemes reconstitui o cotidiano no campo de extermínio de Auschwitz, acompanhando durante todo o tempo de projeção o trabalho e as tentativas de um judeu húngaro, Saul Ausländer, que trabalha como sonderkommando. Ele é, portanto, um daqueles condenados que tem a morte adiada, a fim de que os nazistas fossem poupados da mais abominável das tarefas. Interpretado não por um ator e sim por um poeta, Gesa Röhrig, tal personagem é acompanhado pela câmera durante todo o tempo, o que faz com que o espectador passe por uma experiência que certamente nunca será esquecida. O impacto alcançado por Nemes não tem origem em imagens explícitas do horror. Ele não as utiliza diretamente. Não chega a omiti-las completamente, como sugeria Val Lewton em sua série de horror dos anos 1940, mas as coloca quase fora da imagem, às vezes desfocadas. A imaginação do espectador, portanto, tem seu papel na dramaticidade alcançada, mas, ao mostrar fragmentos de todo aquele horror e de toda aquela monstruosidade, o cineasta, um estreante em longa-metragem, faz com que o impacto seja ainda maior. É como se houvesse uma identificação com o protagonista, que está sempre recusando olhar para um cenário que revela de forma indescritível a que ponto pode chegar o ser humano ao ser movido pelo ódio e por forças irracionais.
Saul procura dar sepultura para um menino que sobrevive à câmera de gás para, logo em seguida, ser morto por um médico nazista. Ele afirma que o menino é seu filho, mas, ao não deixar isso claro, Nemes termina fazendo do filme um relato mais amplo do que um registro. Estamos diante de uma variação da Antígona, de Sófocles. E que contém em seu relato uma cena na qual exemplifica de forma clara a grandeza que o cinema pode conter quando retira a alegoria da realidade. É o belo momento no qual o menino parece ressuscitar, antes que tudo termine. A revolta que está sendo preparada enquanto Saul procura um rabino para a cerimônia funciona como um tema paralelo. Não são apenas os rituais que importam. O irracional sempre encontrará uma resposta. Mas o mais valioso de tudo é este senso de dignidade que sobrevive no personagem principal. O rio levará o menino para longe da brutalidade da qual só ouvimos os sons, sinais de uma ameaça que não se desfaz e permanece perto de todos nós. Este filme que mescla gritos de dor e desespero com a voz da maior das brutalidades é algo que não deve ser ignorado, por mais difícil que seja contemplar suas imagens.
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